No passado dia 14 de julho, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, viajou a Angola para representar o Brasil na XIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Luanda. Trata-se de um encontro de alta importância e que ocorreu num contexto de pandemia.
A CPLP, que este ano comemora 25 anos, encontra suas raízes nos anos noventa do século passado, e no qual o Brasil teve um papel de suma relevância.
O primeiro passo concreto no processo de criação da CPLP foi dado em São Luís do Maranhão, em novembro de 1989, por ocasião da realização do primeiro encontro dos Chefes de Estado e de Governo dos países de Língua Portuguesa - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, a convite do Presidente brasileiro, José Sarney.
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Na reunião, decidiu-se criar o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), que se ocupa da promoção e difusão do idioma comum da Comunidade.
Passados cinco anos, novamente no Brasil os sete ministros dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores, reunidos pela segunda vez (1994), em Brasília, decidiram recomendar aos seus Governos a realização de uma Cimeira de Chefes de Estado e de Governo com vista à adoção do ato constitutivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
O sonho de uma comunidade de países e povos, nações irmanadas por uma herança histórica, pelo idioma comum e por uma visão compartilhada do desenvolvimento e da democracia se tornou realidade em Lisboa no ano 1996. Anos mais tarde esse grupo foi ampliado com a integração do Timor-Leste em 2002 e a Guiné Equatorial em 2014.
Desde então tem sido um processo em crescendo em prol da consolidação desse grupo no âmbito internacional e junto dos outros blocos regionais e/ou junto organizações multilaterais, como, por exemplo, a ONU, a FAO e a OMS, permitindo aos seus integrantes levantar os desafios da globalização.
A visita de Mourão advém nesse sentido não apenas para marcar presença, mas também para dar ênfase ao papel tradicional do Brasil e dar uma nova dinâmica das relações do Brasil com África.
Com efeito o vice-presidente desde sua chegada foi informando por meio do Twitter, sobre sua agenda, mas também ao ser confrontado com a ausência do presidente e o seu estado de saúde Mourão declarou que o presidente “tem condições de terminar o governo tranquilamente desde que se cuide efetivamente e que ele não pode cometer determinados excessos alimentares, esta é a realidade”, ao mesmo tempo rejeitou a hipótese de ter de assumir a presidência por conta dos problemas de saúde de Jair Bolsonaro.
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Durante a visita, Mourão fez vários encontros com os chefes de Estado da CPLP. Destaque para a reunião com o presidente de Portugal Marcelo Rebelo de Sousa e o primeiro-ministro António Costa que destacou o reforço das relações bilaterais e o objetivo de aproximação entre Europa e América Latina e referiu que foi “uma conversa positiva sobre o reforço das relações económicas, científicas e culturais entre dois países que, mais do que quaisquer outros, aproximam a Europa e a América Latina”.
No seu Twitter Mourão salientou a pauta, “nosso continuado esforço em elevar os laços existentes e construir uma relação sólida e duradoura”. Por outro lado, Marcelo Rebelo Sousa, revelou uma espécie de mudança diplomática do Brasil no que tange o aspecto multilateral dizendo que ficou “com a ideia de que o Brasil está numa onda de maior aposta na CPLP e não na onda que tradicionalmente se dizia, a qual passaria por olhar para esta realidade de uma maneira bilateral. Não, a minha convicção é que o Brasil acompanha este passo multilateral: Fazer-se o que se tem a fazer em conjunto”.
Outros encontros com líderes de Guiné Bissau, Moçambique, nas quais se tratou da diversidade de projetos de cooperação técnica financiados pelo Brasil nas áreas de saúde, agricultura, formação profissional e segurança bem como a prontidão do Brasil em ajudar Moçambique na luta contra o terrorismo.
A questão da IURD: A busca pela pacificação
Uma das pautas levadas pelo vice-presidente Mourão foi o turbulento caso da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola, caso esse que se transformou numa espinha nas relações diplomáticas entre os dois países. Ficou evidente nas declarações de Mourão os enredos do caso não apenas em termos espirituais, mas em termos políticos no panorama brasileiro, nomeadamente com o Partido Republicano. Eis o dilema do governo Jair Bolsonaro!
O general num tom diplomático afirmou a busca do governo pela pacificação da situação. Todavia e ainda que o vice-presidente reconheça a natureza privada e soberana do caso IURD Angola, manifestou o desejo que “se chegasse a um consenso entre essas duas partes e que o Estado angolano recebesse a delegação parlamentar brasileira, que quer vir aqui, para tentar chegar a um acordo que arrefeça as diferenças que ocorreram”.
A razia sofrida pela IURD nas terras africanas é enorme em termos financeiros bem como espirituais. Notoriamente se trata de um choque cultural uma vez que as práticas da IURD em Angola se revelaram contrárias à “realidade de Angola e da África” além das acusações de cariz fiscal e de branqueamento de capitais.
Evidencia-se duas visões antagônicas, uma angolana que vê o problema IURD um assunto judicial e outra do governo brasileiro que considera a questão com desdobramentos políticos, o que manifestamente questiona a própria secularização do Estado.
Sobre o encontro com o presidente de Angola, Mourão apenas transmitiu a natureza econômica, de sustentabilidade e os assuntos de interesse mútuo. No fim da sua visita o vice-presidente declarou que se despediu do Angola muito satisfeito com os resultados da XIII Cúpula da CPLP onde se chegou ao acordo de livre circulação de pessoas e desejando sucesso à presidência angolana a frente do CPLP no biênio 2021-2023, dizendo lhe “Conte com a colaboração do Brasil, um histórico e fiel amigo da nação angolana”.
A cimeira da CPLP que coincide com os 25 anos de sua fundação, permitiu um retorno ativo da diplomacia brasileira num organismo de países unidos pela história e pelo idioma, tentando de certa forma contrariar uma certa perceção de distanciamento diplomático do Brasil para com o continente de África nos últimos anos.
Por outro lado, verifica-se que apesar do esforço do general em resolver o impasse que coloca a IURD Brasil com sua filial em Angola, não parece que a crise terá solução a curto prazo. Enquanto isso não se resolve, a pressão continua sobre o governo com forte ameaça do rompimento da aliança cordial.
*Mohammed Nadir e Flávio Thales (Observatório de Política Externa da UFABC – OPEB )
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rebeca Cavalcante