Todos sabemos que a Justiça Eleitora terá que lidar com o poder das mídias sociais nas eleições
Por Martonio Mont’Alverne Barreto Lima*
Os documentos do Inquérito nº 4781, conhecido por “inquéritos das fake news”, tiveram seu compartilhamento com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizados pelo ministro Alexandre de Moares do Superior Tribunal Federal (STF). Tais documentos devem instruir as ações que pedem a cassação da chapa eleitoral de 2018 composta por Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão.
Os documentos foram encaminhados ao Corregedor Geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão. Naturalmente, que a primeira indagação que emerge é: há fundamento para a cassação da chapa vitoriosa na eleição de 2018?
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Como somente vigoram algumas partes de nossa Constituição Federal e leis, a resposta é arriscada. Do ponto de vista da objetividade de eficazes legislações constitucional e infraconstitucional não restaria nenhuma dúvida: a chapa deveria ser cassada, na forma do art. 14, par. 10 da Constituição e do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990.
Assim, os documentos, cujo compartilhamento foi agora autorizado, serão enviados para a ações que pedem a cassação da respectiva chapa, que é a consequência legal tanto de uma ação de impugnação de mandato eletivo quanto da ação de investigação judicial eleitoral.
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Parece pouco provável imaginar que o TSE decida pela cassação da chapa Bolsonaro/Mourão. Desde 1988 que nenhum dos presidentes e seus respectivos vice-presidentes receberam tal punição. Portanto, não há precedente no TSE. O que não impede, por óbvio, que esta seja a primeira vez, e elementos para tal não faltam.
O objeto do Inquérito nº 4781 é a “investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal”.
Como se constataram coincidências de atores que atuaram contra os membros do STF com aqueles que estavam envolvidos diretamente na campanha da chapa Bolsonaro/Mourão, a decisão do ministro Alexandre de Moraes foi acertada.
Afinal, a autoridade judicial deverá sempre basear seu julgamento na objetividade das provas legalmente colhidas. Se se constatou vínculos entre pessoas ou grupos que atuaram deliberadamente para influenciar eleitores por meio de notícias falsas, nada mais razoável que tanto STF como TSE reúnam provas e decidam com base no que se dispõe, com aplicação das medidas prevista na Constituição e nas leis.
O compartilhamento dos documentos neste caso, além do mais, é um positivo sinal. Daqui para frente, todos sabemos que a Justiça Eleitora terá que lidar com o poder das mídias sociais nas eleições. O assunto é novo, mas a Justiça Eleitoral terá que desenvolver quadros técnicos e instrumentos normativos para enfrentar esta situação, que se atualiza praticamente todos os dias, em virtude das infinitas inovações tecnológicas de comunicação eletrônica.
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Acaso não se dê esta vigilância cotidiana, corre-se o risco de termos eleições completamente manipuladas por notícias falsas, o que perverte qualquer democracia.
No ano de 2020, o professor Danilo Martuscelli publicou excelente texto sobre a análise das eleições de 2018. Um dos bons argumentos de Martuscelli consiste, acertadamente, em dissipar a falsa ideia de que a chapa Bolsonaro/Mourão gastou poucos recursos para sua eleição.
Ora, o apoio de empresários que, por exemplo, colocaram verdadeiras centrais de impulsionamento de notícias a favor de Bolsonaro/Mourão não aparece nos gastos junto ao TSE, em razão de não terem corrido à conta da campanha. O que não significa que não tenha sido gasto financeiro a favor desta chapa eleitoral.
Este conjunto de fatos autoriza a conclusão de que ou a Justiça Eleitoral enfrenta o emaranhado do universo eletrônico ou este setor liquidará com a democracia. O compartilhamento entre STF e TSE dos documentos do Inquérito nº 4781 é um bom sinal desta ação que haverá de ser conjunta.
*Martonio Mont'Alverne Barreto Lima é professor titular da Universidade de Fortaleza, procurador do Município de Fortaleza e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
**Na coluna Política & Direito, professores, advogados populares e juristas trazem análises que refletem as preocupações e inquietações com a situação política e jurídica do Brasil e do mundo. Leia outros textos.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rebeca Cavalcante