Aos dezenove anos, com formação profissional de torneiro mecânico, veio morar com o irmão mais velho
De vez em quando eu me lembro de alguns amigos pouco chegados ao trabalho. O Zé do Bar, meu amigo de infância, era um deles.
Aos dezenove anos, com formação profissional de torneiro mecânico, veio morar com o irmão mais velho dele, o Toninho, numa pensão na região central de São Paulo.
Em sua profissão, era fácil arrumar emprego aqui.
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E arrumou mesmo. Menos de uma semana depois da sua chegada, já trabalhava numa grande metalúrgica. Mas costumava chegar atrasado ao trabalho e tinha o ponto cortado, perdia o dia e o fim de semana remunerado.
Seus atrasos foram ficando comuns, chegava a ser mandado de volta pra casa dois dias por semana. E foi demitido.
O negócio é que ele viu que o Toninho, seu irmão, tinha um bom emprego e resolveu se encostar, viver à custa dele. Não procurava mais emprego nenhum.
Naquela época, os jornais de domingo traziam cadernos inteiros com anúncios de oferta de empregos e o Toninho comprava, recortava os que ofereciam vagas para torneiro mecânico e entregava ao Zé, para ir à luta na segunda-feira.
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Mas ele só fingia que procurava emprego, ia tarde, às vezes depois do almoço, e quando chegava à empresa anunciante as vagas já estavam preenchidas.
Eu trabalhava como técnico em contabilidade na Secretaria dos Transportes do Município de São Paulo, analisando a contabilidade de empresas de ônibus, e os meus colegas eram muito lentos. Enrolavam muito e demoravam uns três dias para fazer um trabalho que eu fazia em poucas horas.
Então, até para não comprometer os meus colegas enroladores, eu pegava um trabalho para fazer em três dias, fazia em um e fingia que ia às empresas de novo nos dois dias seguintes.
Um dia, eu estava na república em que morava, às duas da tarde, e o Zé apareceu lá, me chamando para ir papeando com ele a uma metalúrgica da zona sul da cidade. Tinha um recorte de jornal com anúncio de uma vaga para torneiro mecânico.
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Dei uma olhada e falei:
— Zé... Esse anúncio é de domingo. Hoje é quarta-feira. Não tem a menor chance.
Ele insistiu e acabei indo, só para passear. Chegamos, ele perguntou onde era o setor de seleção e entramos juntos. Uma moça atendia no balcão.
— Ainda tem essa vaga? — mostrou o recorte de jornal.
— Tem sim — ela respondeu.
O Zé ficou uns segundos em silêncio com cara de espanto e, por fim, falou:
— Então vai pros quintos dos infernos!
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Daniel Lamir