Logo que saiu do hospital, Bolsonaro voltou a falar em voto impresso e a ameaçar as eleições de 2022
Olá!
Com atestado médico e a CPI em recesso, a semana parecia ideal para Bolsonaro pôr a casa em ordem. Mas o forte do governo é fazer bagunça e a tarefa causou muito barulho. O título desta semana é um oferecimento do General Augusto Heleno.
.Assim que Napoleão perdeu a guerra. Logo que saiu do hospital, Bolsonaro voltou a falar em voto impresso e a ameaçar as eleições de 2022. Pior, foi referendado pelo general Braga Netto, o mesmo que ameaçou a CPI da Covid há algumas semanas. A ameaça deve ser levada à sério, já que além de participarem do desenvolvimento das urnas eletrônicas, os militares também desempenham funções de fiscalização e auditoria do sistema de votação, alerta o Intercept. Porém, convenhamos, enviar um menino de recado para dizer a Arthur Lira que vai sabotar as eleições mostra mais desespero do que força. Como diz Ricardo Rangel, Braga Netto blefou e perdeu. E Lira “botou o general no bolso” ao levar o assunto para mídia. Por essas e outras é que Michel Aires de Souza Dias aposta que os militares não vão dar um golpe. Um dos motivos é que eles caíram na vala comum da política. Dos sete núcleos de investigação da CPI, três estão apurando fatos diretamente ligados à atuação de militares. Além dos esquemas de compra de vacinas em que estão envolvidos, há um rastro de cloroquina entre o Laboratório do Exército e a tragédia de Manaus; pelo menos 130 militares da Abin furaram a fila da vacinação; e, o TCU está no encalço de um esquema suspeito de compras milionárias de material de escritório pelo Exército e pela Aeronáutica. Por fim, o general Mourão poderá sofrer um processo por improbidade administrativa por ter servido de coroinha de Edir Macedo em Angola. José Luís Fiori observa que o fracasso do governo é estrondoso e, por isso, mesmo que esperneiem, nem Bolsonaro nem os militares poderão impedir as eleições. Se eles perderem em 2022, restarão duas alternativas: embarcar com Bolsonaro numa quartelada para impedir a posse do vencedor ou abrir um “corredor de escape” para uma fuga honrosa, alternativa que já estaria sendo construída pelos ex-ministros Nelson Jobim e Raul Jungmann.
.Problemas domésticos. Já os problemas civis de Bolsonaro começaram com o que parecia uma solução: o governo precisava garantir que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) fosse aprovada para que o Congresso entrasse em recesso e a CPI parasse na marra. Bolsonaristas raiz e o centrão votaram pela aprovação da lei com a injeção de R$ 5,7 bilhões no Fundo Eleitoral. A base governista ainda conseguiu a permanência do orçamento secreto, que garante o pagamento de emendas sem justificativas. A manobra, porém, teve dois efeitos colaterais: pegou mal na opinião pública e os dois maiores beneficiados pelo aumento dos recursos foram o PT e os ex-aliados do PSL. Com isso, Bolsonaro ficou em uma sinuca de bico: se aprovar o Fundão, perde o discurso de que iria “acabar com a mamata”; e, se vetar, aumenta o atrito com o centrão. A ameaça do vice-presidente da Câmara Marcelo Ramos de abrir um dos muitos processos de impeachment não tem nada de cidadã. Ramos foi chamado de “insignificante” por Bolsonaro na discussão sobre o Fundo Eleitoral e reagiu lembrando que pode vir a ocupar a presidência do Congresso. Mais importante, assinala Thais Oyama, é que Ramos é do PL, propriedade de Valdemar Costa Neto, importante articulador do centrão, e que, ao autorizar a resposta dura do deputado, sinalizou que seu partido se desamarrou do governo e “está no mercado”.
.Pague um, leve dois. O Fundo Eleitoral não é o único atrito de Bolsonaro com o centrão. Ao antecipar em dois meses o anúncio de recondução de Augusto Aras para a PGR, Bolsonaro tenta conter outro foco de rebeldia interno, o da rejeição de André Mendonça para a vaga no STF. Além da pouca empatia entre os senadores, até agora apenas 26 declararam que aprovariam a indicação, e da própria falta de articulação do governo, Mendonça enfrentava nos bastidores os movimentos de Davi Alcolumbre (DEM-AP) para indicar Augusto Aras no seu lugar. Agora, a Comissão de Constituição e Justiça, presidida por Alcolumbre, precisa votar as duas indicações para que possam ser apreciadas pelo plenário. A estratégia inicial do senador era deixar a indicação de Mendonça em banho-maria, já que não há um prazo para sua definição. Segundo Bela Megale, parte dos parlamentares tem interesse na recondução de Aras e seria ruim que o Senado apreciasse primeiro a indicação da PGR e só depois o STF. Porém, segundo Malu Gaspar, Alcolumbre ainda não foi derrotado e trabalha para um plano B: vetar Mendonça e indicar o presidente do Senado Rodrigo Pacheco para a vaga no STF.
.O novo posto Ipiranga é o centrão. Com tudo isto, para acalmar os ânimos, Bolsonaro antecipou a reforma ministerial, como queria Arthur Lira, aumentando o espaço do PP com a chegada de Ciro Nogueira, outro peso pesado do centrão. Mais do que acalmar os aliados, a reforma é uma tentativa de salvar o projeto de reeleição. O general Luiz Eduardo Ramos era considerado incompetente para gerenciar obras e investimentos, enquanto Nogueira é considerado um “profissional”. Ainda sem partido para disputar a reeleição, Bolsonaro pode vir a se filiar ao PP. Porém, o centrão é espaçoso e para acomodá-lo o capitão precisou sacrificar de uma só vez três aliados: o general Ramos, Onyx Lorenzoni e Paulo Guedes. Se a reforma é sinal de fraqueza do governo, no caso de Guedes é atestado de insignificância. As pautas das reformas ultraliberais avançaram depois que o sistema financeiro passou a tratar diretamente com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Um cenário que se consolidou com os conflitos entre Guedes e o alto PIB pelas mudanças no imposto de renda. Sem contato direto com a Faria Lima, Guedes se tornou disfuncional e até um problema para aprovação das reformas. Prova disso é a diminuição da adesão dos parlamentares à pauta das privatizações e que a própria base governista está alterando a proposta da reforma administrativa para beneficiar alguns setores, especialmente corporações de segurança. Os poucos defensores de Guedes afirmam que a perda da gestão sobre o Trabalho e Previdência, que serão o puxadinho para abrigar Onyx, não alteram os poderes sobre a política econômica. Mas, na vida real, Ciro Nogueira participará da elaboração do próximo orçamento e tem a tarefa de abrir o cofre para garantir a reeleição. Vitaminado com cargos e recursos, o PP já discute fundir-se com DEM e PSL formando o que poderá ser o maior partido do Congresso, com 121 deputados e 15 senadores.
.Sem férias de julho. Enquanto as Olimpíadas substituem as denúncias de compras de vacinas superfaturadas no entretenimento diário, a CPI não parou no recesso. Afinal, há uma montanha de quase 2.000 documentos a serem organizados e analisados e que vão orientar os trabalhos da Comissão até novembro. Para isso foi criada uma força tarefa com sete núcleos durante o recesso. Hoje há três frentes de investigações. A primeira é aquela que analisa as políticas negacionistas e o chamado tratamento precoce levado a cabo por um gabinete paralelo. Nesse caso, a descoberta mais recente foi a criação de postos de disseminação do “kit covid” durante a crise sanitária em Manaus. A segunda frente, que vem ganhando importância, é a que investiga os processos de compra de vacinas. Já está claro que o governo preferiu seguir o “caminho oblíquo” de fechar acordos com empresas intermediárias ao invés de negociar diretamente com as grandes fabricantes mundiais. Além do atraso na compra da Pfizer e dos esquemas com a Precisa Medicamentos e a Davati, há novidades: descobriu-se a tentativa de Pazuello de negociar a Coronavac sem a participação do Instituto Butantan; um possível superfaturamento na compra da Sputnik V com a participação da União Química; um provável esquema de propina mensal intermediado pela VTCLog; e, a contribuição de Paulo Guedes para atrasar a compra de vacinas. Por fim, há uma terceira frente que deve ser aprofundada a partir de agosto. Neste caso, a CPI da Covid deverá unir esforços à CPMI das Fake News para apurar a propagação de informações falsas sobre a doença e a pandemia. Segundo o senador Randolfe Rodrigues, as evidências mostram que, ao contrário do que se pensava inicialmente, o problema não é que a condução da pandemia ficou na mão de uma horda de negacionistas e sim que o negacionismo foi instrumentalizado como parte de um enorme esquema de corrupção articulado em várias frentes.
.Medo de Lula. Enquanto Bolsonaro tenta pôr ordem na casa e Lula permanece confortavelmente posicionado nas pesquisas, fora dessa polarização a situação é de “desespero”, na definição de Bernardo Mello Franco. Segundo ele, a terceira via só existe na cabeça de jornalistas e de parte dos políticos, mas não interessa aos eleitores, lembrando que nenhum dos outros candidatos - Ciro Gomes, Henrique Mandetta e João Dória - atingem sequer dez por cento da preferência. Já Guilherme Amado avalia que os novos nomes ventilados a cada semana - Rodrigo Pacheco, Simone Tebet e Eduardo Leite - são balões de ensaio, mais preocupados em encacifar os partidos para negociar uma vice-presidência ou alguns ministérios do que competir realmente. No fundo, foi o que disse nas entrelinhas o presidente do PSDB Bruno Araújo, sinalizando que o partido poderia abrir mão da cabeça de chapa e, por isso, sofrendo ataques do seu padrinho político João Dória. Por medo de um terceiro governo Lula, vale tudo: uma chapa bolsonarista sem Bolsonaro, com Moro e Mourão; a genial ideia das jornalistas bolsonaristas arrependidas de que Lula seja vice de qualquer pessoa, menos candidato, proposta que não convence nem o insuspeito Ricardo Noblat; e, claro, o semipresidencialismo. De todas as tentativas, esta última é a mais grave, porque tem terreno para prosperar no Congresso e será vendida como uma solução para qualquer que seja o desfecho da eleição, com Lula ou Bolsonaro. No caso do petista, a volta ao Planalto passará pelas ruas, onde a esquerda terá nova possibilidade de demonstrar força neste final de semana, mas terá que equacionar também o que fazer com os dois aliados de primeira hora do bolsonarismo: os militares e o sistema financeiro.
.Ligações perigosas. Como se não bastassem os problemas domésticos, Bolsonaro pode ter que lidar ainda com problemas vindos do exterior. No domingo, o consórcio de jornalistas Forbidden Stories e a Anistia Internacional denunciaram que governos do México, Hungria, Marrocos, Índia, Arábia Saudita, Ruanda e Azerbaijão utilizaram um software israelense para vigiar e perseguir 180 jornalistas de todo mundo, incluindo veículos como The Guardian, Financial Times, The New York Times e El País. Na sequência, o consórcio revelou que 13 líderes mundiais também foram espionados pelo programa, incluindo o presidente francês Emmanuel Macron, entre outros 600 políticos, 85 militantes dos direitos humanos e 65 empresários. No Brasil, desde 2018, a NSO, fabricante do software, tenta vender o produto para governos estaduais e polícias militares. E os encontros entre a empresa e integrantes do governo federal se intensificaram na gestão Bolsonaro. Tanto que a empresa ganhou um lobista importante a seu favor: Carlos Bolsonaro. O contrato entre a empresa isralense e a Abin só não foi fechado porque os militares ficaram incomodados com a insistência do filho favorito do capitão. Porém, um encontro fora da programação oficial do então chanceler Ernesto Araújo e de outro filho, Eduardo, na famosa comissão em busca do spray nasal contra a Covid, em Israel, reforçam as suspeitas da ligação do governo com a empresa. Vale lembrar que Bolsonaro sempre se queixou dos serviços oficiais de vigilância e exigia “a sua Abin”. Diante da ameaça, as suspeitas de que integrantes do governo tenham alterado os dados de lideranças da oposição - Guilherme Boulos, Gleisi Hoffmann e Manuela D'ávila - parece até pequeno diante da suspeita que adversários do bolsonarismo estejam ilegalmente grampeados.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.A mamata veste farda? Quem são os militares com mulher e filhos empregados no governo. Vinícius Segalla elenca as contratações do governo Bolsonaro que beneficiaram parentes de militares.
.PEC da Democracia assegura altivez e isenção das Forças Armadas. A deputada Perpétua Almeida (PCdoB) escreve sobre a proposta de emenda constitucional que regula a ocupação de cargos políticos por militares.
.Distritão: falência dos partidos e sub-representação popular. No Diplô Brasil, Débora Gershon e Leonardo Martins Barbosa elencam os malefícios da adoção do Distritão no sistema eleitoral brasileiro.
.Resgatar o Brasil: o que não faltará é dinheiro. Em entrevista ao Outras Palavras, os economistas Ladislau Dowbor e Daniel Conceição apresentam caminhos para a recuperação do Brasil longe do austericídio.
.Futuros espiões: NSA financia acampamento de férias para jovens que falam português. A Agência Pública revela o que é o acampamento para jovens, em português, promovidos pela Universidade de Washington e a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA para recrutar “guerreiros cibernéticos”.
.A corrida espacial dos bilionários é o símbolo máximo da decadência capitalista. A Jacobin demonstra como a corrida espacial comprova que bilionários são socialmente inúteis e brincam de astronautas com muito dinheiro público.
.BdF Entrevista o ator e diretor brasileiro Silvero Pereira. Conhecido por sua interpretação de Lunga em “Bacarau”, o ator e diretor fala de cinema e política ao Brasil de Fato.
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Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Vivian Virissimo