Ela chegou ao extremo de causar mais de meio milhão de mortes. A pandemia de covid-19 devastou pessoas e famílias e ainda se espalha e se estende pelo Brasil. Objetivando investigar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia, a CPI da Pandemia já contou com depoimentos do ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Focando-se na relação entre a CPI e a PEB, o depoimento do ex-chanceler que deixou o governo em março de 2021 é extremamente esclarecedor.
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Havendo ele notoriamente mobilizado o Itamaraty para garantir o fornecimento de cloroquina ao Brasil [1] , dedicando-se muito mais a obter esse medicamento inócuo do que para a garantia de vacinas e medicamentos, Ernesto Araújo declarou que o Ministério das Relações Exteriores seguiu as diretrizes internacionais do Ministério da Saúde durante a pandemia – mas os fatos põem em xeque essa afirmação.
De forma distinta, o envolvimento do ex-chanceler na polêmica do embaixador chinês com Eduardo Bolsonaro, simboliza as distensões ideológicas do governo brasileiro com a diplomacia.
Em seu depoimento, Araújo ainda afirmou: "Não há nenhuma indicação que em nossa política externa tenha sido responsável pelos atrasos dos insumos em janeiro, quando eu estava no cargo, tenho os elementos para afirmar (...) A minha diplomacia, tenho certeza, foi uma boa diplomacia" [2].
Lembrando que a China é a principal responsável pela produção de IFA, matéria prima básica para a produção de vacinas e elemento essencial para a produção tanto da vacina Coronavac quanto da AstraZeneca/Oxford no Brasil. O atraso no recebimento de IFA é potencial impeditivo da continuidade dos planos de vacinação no Brasil. Segundo especialistas, a alta demanda e a falta de articulação do Ministério da Saúde são os causadores da atual situação de escassez do insumo. [3]
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A ação inepta do Brasil é especialmente exemplificada em relação ao consórcio Covax Facility, criado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Inicialmente não aderindo ao projeto, o Brasil recebeu propostas da OMS para adquirir 86 milhões de doses, suficientes para assegurar 20% da população brasileira. Com a hesitação e a recusa inicial, a decisão final decidiu pela compra de metade das doses estipuladas pela OMS, valor mínimo requerido pelo consórcio.
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Com a escassez das doses no mundo, o Brasil tentou tardiamente ampliar as compras, mas com a OMS estabeleceu que os governos que queiram fazer novas compras devem pagar integralmente o valor das doses antes de receber qualquer vacina, enquanto por outros mecanismos os pagamentos usualmente são feitos de acordo com a liberação das doses. Isso mostra claramente que os atuais obstáculos para a aquisição e suprimento das vacinas podem ser atribuídos à inoperância e ausência de planejamento a longo prazo do governo. [4]
Outra situação contraditória em relação à compra de imunizantes se apresenta no caso da Pfizer. Araújo afirmou que tomou conhecimento do contato da empresa, mas que não tratou do assunto pois o Ministério da Saúde era responsável pela definição estratégica e por acreditar que o Presidente da República já tinha conhecimento da carta enviada pela Pfizer [5].
Covaxin e a variante delta
A suspensão da aquisição da vacina Covaxin por parte do Ministério da Saúde após as acusações de corrupção na compra do imunizante feitas por Luis Ricardo Miranda em depoimento à CPI da Covid repercutiram na mídia indiana.
Embora nenhuma declaração oficial tenha sido feita até o momento pelo primeiro-ministro Narendra Modi, o Congresso indiano pediu no dia 2 de julho que seu governo conduza um inquérito sobre o caso para explicar as alegações acerca do aumento de preço das doses da Covaxin. [6]
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Segundo a porta-voz oficial do Congresso Nacional Indiano, Supriya Shrinate, o imunizante da Bharat Biotech foi desenvolvido em parceria com o Conselho Indiano de Pesquisa Médica (ICMR), um órgão público, segundo ela isso implicaria na utilização do dinheiro do contribuinte para o desenvolvimento das pesquisas e, portanto, as acusações deveriam ser enviadas para o Escritório de Investigação de Fraudes Graves do governo da Índia para serem apuradas.
O laboratório da Bharat Biotech negou haver qualquer esquema de corrupção envolvendo a compra da Covaxin e afirmou que os preços ofertados para o mercado internacional são transparentes e diferem dos valores oferecidos para o governo da Índia.
Dias após a decisão do Ministro Queiroga de suspender a compra dos imunizantes, o laboratório indiano publicou os resultados da fase 3 de testagem da vacina.
Segundo o jornal The Hindu, a fabricante afirmou ter conseguido uma eficácia de 77,8% em seu produto na aplicação da primeira dose, nível superior ao da AstraZeneca, de 70,4%.
Além disso, segundo o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, a Covaxin possui capacidade de neutralizar variantes da covid-19, como a variante alpha e a delta, que segundo a OMS, podem se tornar a forma mais comum do vírus e são responsáveis pelo aumento do número de novos casos na Europa e nos Estados Unidos.[7]
OMS, China e as vacinas
Para além das já conhecidas delta, gama e outras, foram identificadas recentemente possíveis novas variantes brasileiras do coronavírus. Após o presidente Jair Bolsonaro insistir em ignorar os dados alarmantes da atual pandemia, ficou acordado que a Copa América seria realizada em solo brasileiro, já que outros países latino-americanos rejeitaram sediar o campeonato.
Com o evento, surgiu no país uma nova variante da covid-19 (a B.1.621), originada na Colômbia e detectada no Brasil pela primeira vez no Mato Grosso [8]. Embora ainda seja pouco conhecida, esta se apresenta com alto potencial de mutação e transmissão, sendo necessário observar o seu desenvolvimento no Brasil e continuar adotando medidas preventivas.
Em discurso recente, o Ministro Marcelo Queiroga defendeu a vacinação como importante meio para conter o número de infectados pelo coronavírus e o avanço de novas cepas.
Com a chegada do “passaporte de vacinação”, que vem inclusive sendo projetado pelo Ministério do Turismo no Brasil [9], protestos contra essa nova proposta têm surgido ao redor do mundo. Dentre os argumentos para esse descontentamento estão os fatos de que a medida se choca contra as liberdades civis e impulsiona as discriminações, visto que o acesso aos lugares estaria condicionado pelo passaporte digital, o qual não está igualmente à disposição de todos.
A OMS, sob a direção de Tedros Adhanom, propôs a continuidade das investigações sobre a origem da covid-19 na China e cobrou também mais transparência do governo chinês, a fim de que forneça todos os dados necessários e colabore com o andamento desses estudos. Entretanto, a China se mantém firme em não permitir inspeções in situ no local apontado como possível origem do vírus [10].
Com sua diplomacia das vacinas, a China se destaca no cenário da saúde global e, apesar das inúmeras críticas e sabotagens feitas pelo governo federal contra a Coronavac, parte considerável da população brasileira vacinada recebeu essa vacina, graças à paradiplomacia e à cooperação entre Beijing e o Estado de São Paulo, por meio do Instituto Butantan [11] que, à revelia do governo federal, avança também na produção da vacina Butanvac.
Registrando mais de 540 mil óbitos [12], o Brasil continua a ocupar posições de destaque nos rankings internacionais relacionados à covid-19; sendo o terceiro país com o maior número de infectados e o segundo com o maior número de mortos - ficando atrás apenas dos EUA [13].
Hoje, depois do chefe do executivo tanto dificultar a aquisição de vacinas, o Brasil mantém contratos para a obtenção das vacinas: AstraZeneca, CoronaVac, Pfizer, Janssen e Sputnik. Embora a vacinação tenha avançado, somente cerca de 16% da população encontra-se completamente vacinada [14] e, conforme apontou Jarbas Barbosa (vice-diretor-geral da OPAS), a pandemia ainda é uma situação emergencial de saúde pública, não devendo o progresso da imunização ser confundido com o controle da doença.
A pandemia é uma situação emergencial de saúde pública, o progresso da imunização não deve ser confundido com o controle da doença.
[1] Araújo atuou para garantir cloroquina e deixou vacinas em segundo plano - CartaCapital
[2] De 'comunavírus' a pária internacional; veja polêmicas de Ernesto à frente do Itamaraty - 29/03/2021 - Mundo - Folha (uol.com.br)
[3] Falta de insumos para vacinas no Brasil: o que você precisa saber (cnnbrasil.com.br)
[5] Em carta, CEO mundial da Pfizer pediu a Bolsonaro pressa na compra de vacinas (cnnbrasil.com.br)
[6] Probe Covaxin deal with Brazil: Congress. Disponível em: https://timesofindia.indiatimes.com/india/probe-covaxin-deal-with-brazil-congress/articleshow/84083486.cms. Acesso em: 19 jul. 2021
[7] Bharat Biotech releases Covaxin Phase-3 trial data, claims 77.8% efficacy. Disponível em: https://www.thehindu.com/news/national/final-analysis-of-covaxin-efficacy-out-vaccine-652-effective-against-delta-variant/article35112565.ece. Acesso em: 19 jul. 2021.
[8] Covid: variante que chegou pela Copa América é mais transmissível e tem mutação inédita. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57829968. Acesso em: 17 jul. 2021.
[9] Passaporte de vacinação nasce cercado de dúvidas éticas. Disponível em: https://saude.abril.com.br/blog/com-a-palavra/passaporte-de-vacinacao-nasce-cercado-de-duvidas-eticas/. Acesso em: 18 de jul. de 2021
[10] COVID-19 origins: China rejects WHO proposal to return to Wuhan https://www.aljazeera.com/news/2021/7/22/covid-19-origins-china Acesso em: 22 jul. 2021
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Fontes:
AL JAAZERA. COVID-19 origins: China rejects WHO proposal to return to Wuhan | Coronavirus pandemic New. Al Jaazera. Disponível em: <https://www.aljazeera.com/news/2021/7/22/covid-19-origins-china>. Acesso em: 22/07/21
BIERNATH, A. Covid: variante que chegou pela Copa América é mais transmissível e tem mutação inédita. BBC News Brasil, São Paulo, 13 de jul. de 2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57829968>. Acesso em: 17/07/21.
CALGARO, F. Governo Bolsonaro e as vacinas contra a Covid: veja a cronologia e entenda as polêmicas. G1, 17 de jul. de 2021. Disponível em:
<https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/07/17/governo-bolsonaro-e-as-vacinas-cronologia.ghtml>. Acesso em: 18/07/21
CARTA CAPITAL. Araújo atuou para garantir cloroquina e deixou vacinas em segundo plano. Carta Capital. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/araujo-atuou-para-garantir-cloroquina-e-deixou-vacinas-em-segundo-plano/> Acesso em: 18/07/21.
CHADE, J. Após esnobar consórcio de vacinas, Brasil terá acesso dificultado em 2022. UOL. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/06/25/apos-esnobar-consorcio-de-vacinas-brasil-tera-acesso-dificultado-em-2022.htm?cmpid=copiaecola> Acesso em: 19/07/21.
FERRARI, M et al. À CPI, Ernesto Araújo nega agressões à China e confirma ações por cloroquina. CNN. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/05/18/ex-chanceler-ernesto-araujo-depoe-a-cpi-da-pandemia> Acesso em: 19/07/21
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**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rebeca Cavalcante