Dos 185 deputados federais que assinaram a favor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita a presença de militares da ativa em cargos civis e políticos, apenas um parlamentar é contra o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o deputado Marcel van Hattem, do Partido Novo, do Rio Grande do Sul.
A informação foi retirada da plataforma Mapa Adeus Bolsonaro, que registra o posicionamento dos deputados federais em relação ao impeachment.
O presidente Bolsonaro há tempos já mostrou ser um entusiasta da presença de militares no governo, tanto que, atualmente, são mais de 6.000 as pessoas que vestem farda e ocupam um cargo na administração civil federal.
::Mais de 6 mil militares atuam em cargos civis no governo Bolsonaro, aponta estudo::
Em janeiro de 1999, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), eram 1.137 militares na burocracia estatal da União. Em julho de 2020, o número tinha aumentado para 2.558 militares nomeados em um ano e meio de governo.
Mais recentemente, o presidente publicou o Decreto nº 10.727, em 22 de junho deste ano, que autorizou a ocupação de cargos do governo por militares da ativa por tempo indeterminado.
Antes, os cargos e as funções de natureza militar no Supremo Tribunal Federal (STF), nos tribunais superiores, no Ministério da Defesa, na Advocacia-Geral da União, na Justiça Militar da União e no Ministério Público Militar, podiam ser ocupados por militares da ativa por no máximo dois anos.
Atualmente, dos 23 ministros de Estado, três são militares da ativa: Walter Souza Braga Netto, general do Exército, no Ministério da Defesa, Augusto Heleno, também general do Exército, no Gabinete de Segurança Institucional, e Bento Albuquerque, almirante da Marinha, no Ministério de Minas e Energia.
Recentemente, uma reportagem do Brasil de Fato mostrou, inclusive, que pelo menos cinco familiares de militares nomeados para o primeiro escalão do governo federal foram destacados para cargos públicos de confiança da administração federal desde janeiro de 2019.
Isabela Oassé de Moraes Ancora Braga Netto, filha de Braga Netto; Adriana Haas Villas Bôas, filha do general Eduardo Villas Bôas; filho e esposa do almirante de esquadra e comandante da Marinha do Brasil, Almir Garnier Santos; Lucas Faria, filho do general de Brigada Alcides Valeriano de Faria Junior; Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques, filho de Ricardo Silva Marques, coronel do Exército Brasileiro; o filho do general Hamilton Mourão, Antonio Hamilton Rossell Mourão; e Stephanie Santos Pazuello, filha do general Eduardo Pazuello.
O Brasil de Fato procurou a assessoria do deputado Marcel van Hattem para confirmar o posicionamento do parlamentar. Até a publicação da reportagem, no entanto, não houve resposta.
E os outros deputados?
Apesar de somente o deputado Marcel van Hattem aparecer no levantamento da plataforma Mapa Adeus Bolsonaro como contrário ao impeachment, 77 dos outros 184 parlamentares ainda não se colocaram declaradamente contra ou a favor da saída do atual presidente.
Desses 77 deputados que ainda não se manifestaram, 63 deles, assim como Marcel van Hattem, têm uma atuação dentro da Câmara dos Deputados bastante próxima do governo Bolsonaro, segundo dados retirados da plataforma Perfil Parlamentar.
De todas as votações de projetos e medidas que ocorreram na casa legislativa, os 63 deputados seguiram o posicionamento do governo federal em pelo menos 70% das vezes.
Marcel van Hattem, por exemplo, seguiu o posicionamento do governo federal em 86% das votações. Paulo Pereira da Silva, mais conhecido como Paulinho da Força (Solidariedade-SP), segue o governo em 70% das vezes; Aécio Neves (PSDB-MG), em 94%; e Luciano Bivar (PSL-PE), que apostou em Bolsonaro nas eleições de 2018, em 100% das votações.
Isso não significa, no entanto, que esses deputados não façam críticas ao presidente. Paulinho da Força, por exemplo, costuma criticar Bolsonaro com frequência em suas redes sociais.
Inventaram agora discutirmos o semipresidencialismo no Brasil. É mais uma maneira de acobertar as besteiras que o Bolsonaro faz. Se fosse para realmente discutirmos um sistema, este seria o Parlamentarismo. Porém, também foi rejeitado no plebiscito de 1993.
— Paulinho da Força (@dep_paulinho) July 20, 2021
Declarações de Bolsonaro não nos intimidam. Teremos eleições sim e com urna eletrônica. Vamos defender a democracia até o fim.
— Paulinho da Força (@dep_paulinho) July 9, 2021
Em maio de 2020, em entrevista à Revista ISTOÉ, Luciano Bivar chegou a afirmar que Bolsonaro “fustiga a democracia o tempo todo, e isso é assustador”. Defendeu, naquele momento, que o pedido de impeachment era um movimento “compreensível”. Já Aécio Neves e Marcel van Hattem têm uma postura mais contida nas redes.
Entre os outros 107 que já se mostraram favoráveis à abertura do processo, então Orlando Silva (PCdoB-SP), que vota 35% das vezes com o governo, e Tabata Amaral (PDT-SP), com 43%. Acima disso, somente oito deputados têm porcentagens expressivas.
Composição da Câmara dos Deputados
Segundo Matheus Albuquerque, analista de risco político da empresa Dharma Political Risk and Strategy, a discrepância do comportamento de um deputado que é favorável à PEC, mas não declaradamente a favor do impeachment do presidente Bolsonaro, tem uma explicação.
Ele cita dois pontos que são importantes para analisar a “lealdade” dos parlamentares ao governo federal.
O primeiro é a composição dos deputados dentro da Câmara a favor do impedimento. Atualmente, não existe qualquer tipo de ambientação para que o processo siga, mesmo com os mais de 120 pedidos de impeachment na mesa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
Para a abertura do processo, são necessários 342 deputados, de um total de 513 parlamentares que compõem a Câmara. Ocorre que, do total, 388 parlamentares votam com o governo em pelo menos 60% dos projetos que tramitam na Câmara.
Um outro ponto é que isso não significa, necessariamente, que esses deputados estão alinhados com o governo federal em todas as pautas. É o que explica o comportamento dos parlamentares na PEC dos Militares.
“A relação dos parlamentares, em certa medida, é promíscua, digamos assim. Eles têm seus próprios interesses e às vezes os interesses do Planalto e da Câmara dos Deputados divergem", explica. "Nesta pauta, esses interesses então se tornam divergentes. Logo, esse grupo de parlamentares acaba pautando os interesses que são deles e não do Planalto”, afirma Albuquerque.
::Se gritar "pega Centrão", não fica um, meu irmão::
Analisando o perfil partidário e ideológico dos 63 deputados que seguiram o posicionamento do governo federal em pelo menos 70% das votações, trata-se de um quadro mais próximo da agenda liberal do governo, como MDB, PSDB, Novo, PL, PP e DEM.
Enquanto que os parlamentares que têm baixa aderência ao governo são do outro espectro ideológico, como PSOL, PT e PCdoB.
Mesmo que alguns parlamentares acreditem que o governo federal traiu a agenda econômica neoliberal, como Alexandre Frota (PSDB-SP), que votou com o governo em 94% das vezes, mas é a favor do impeachment, os dados mostram que a maioria pensa o contrário.
Segundo Albuquerque, a pauta econômica é prioritária para o governo, pois pode servir como um tronco para que a popularidade não despenque.
Isso explica, por exemplo, o empenho do governo em dialogar com os deputados acerca de pautas econômicas, e, logo, o alinhamento entre esses deputados e o Planalto em assuntos que não o da PEC dos Militares. São pautas diferentes que despertam comportamentos diferentes.
Rafael Cortez, sócio e cientista político na Tendências Consultoria, complementa o pensamento de Albuquerque ao afirmar que os políticos do centrão, do qual, em sua maioria, fazem parte os deputados indefinidos, têm um “equilíbrio político” com a configuração atual.
“Não é por acaso que a gente vê eles votando de forma sistemática com a agenda do governo”, afirma Cortez.
::Por que Bolsonaro busca aliança com centrão, grupo que considerava "o que há de pior"::
Basta observar a disputa travada entre o centrão e os militares em cargos nos ministérios. A concorrência ficou um pouco mais evidente dentro do Ministério da Saúde, após as denúncias de corrupção envolvendo a ala militar e políticos do bloco na compra de vacinas contra a covid-19. Nesse sentido, a “presença dos militares representa uma ameaça” para esses políticos.
PEC dos Militares
A PEC 21/2021 da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) veda a participação de militares da ativa em cargos de natureza civil na administração pública.
Em sua justificativa, Almeida defende que é necessário “resguardar as Forças Armadas (FFAA) dos conflitos normais e inerentes à política, e fortalecer o caráter da Marinha, do Exército e da Aeronáutica como instituições permanentes do Estado e não de governos”.
Em outro momento, a parlamentar afirma que “as FFAA, e suas altas e dignificantes funções de defesa permanente da Pátria, não devem ser submetidas a interesses partidários, mas também não podem se desviar de sua função constitucional para participar da gestão de políticas de governos, estes, por definição democrática, transitórios”.
No dia em que a proposta foi protocolada na Câmara dos Deputados, em 14 de julho, cinco ex-ministros da Defesa divulgaram uma nota de apoio à PEC: Nelson Jobim (governos Lula e Dilma Rousseff); Celso Amorim, Jaques Wagner e Aldo Rebelo (governo Dilma Rousseff); e Raul Jungmann (governo Michel Temer).
No documento, pedem que o Congresso Nacional assuma “o papel que lhe cabe e nos une: a defesa das nossas Forças Armadas, dos serviços que prestou ao país e de sua condição de instituições de Estado, conforme determina nossa Constituição Federal”. Para eles, a tramitação da proposta “fortalecerá a democracia”.
Também afirmam que “estas instituições de Estado, permanentes, nacionais e regulares, organizadas com base na disciplina e na hierarquia, não se confundem com governos, pois sua razão de ser é a defesa da pátria e da soberania”.
Na mesma linha, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, afirmou em nota que os parlamentares têm uma “grande oportunidade de debater, de forma ampla e democrática, a regulamentação da participação de membros das Forças Armadas nos governos.
Trata-se de preservar a democracia e proteger as Forças de processos de politização”. Atualmente, a PEC está aguardando a designação de um relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Edição: Vinícius Segalla