Cerca de 20 caminhões de diferentes tamanhos carregaram as mais de 48 toneladas de mandioca, feijão, arroz, fubá, batata, legumes, frutas e leite doados por famílias camponesas de Quedas do Iguaçu e Espigão Alto do Iguaçu a moradores da região, na última sexta-feira (23). Ao todo foram 2,1 mil cestas de alimentos e 2,6 mil litros de leite partilhados na ação solidária que marcou o Dia Internacional da Agricultura Familiar, comemorado no domingo, 25 de julho.
Os alimentos chegaram a famílias urbanas dos municípios e também da Terra Indígena Rio das Cobras, localizadas em Nova Laranjeiras, formada pelos povos Kaingang e Guarani.
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Nove comunidades rurais se uniram para a atividade, como forma de amenizar os efeitos da crise econômica e sanitária potencializada pelo governo Bolsonaro. Em todo o Brasil, mais de 116,8 milhões de pessoas não têm o suficiente para se alimentar ou passam fome - segundo pesquisa feita em dezembro de 2020 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
A bênção dos alimentos marcou o início da partilha, na Praça São Pedro, centro de Quedas do Iguaçu, com participação do Padre Carlos de Oliveira Egler, vigário geral da Diocese de Guarapuava, representando o Bispo Dom Amilton Manoel da Silva. Depois de um mês de preparação, o momento da entrega emocionou camponeses e autoridades presentes.
“Hoje é o grande dia da gente poder compartilhar o que nós temos na nossa casa. Às famílias da cidade eu quero estender um grande abraço em nome de toda a 'companheirada', se sintam abraçados pelos nossos alimentos. Hoje a gente está doando um pouquinho da nossa vida para vocês, e dizendo que há solução, sim, para fome no Brasil, a solução se chama Reforma Agrária”, disse Jonas Furis, morador do acampamento Dom Tomás Balduíno, de Quedas, e integrante da coordenação do MST, no ato de abertura da ação.
Oito das nove comunidades que participaram da ação integram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), somando mais de duas mil famílias: em Quedas do Iguaçu são os assentamentos Celso Furtado e Rio Perdido; e os acampamentos Vilmar Bordin; Dom Tomás Balduíno; Fernando de Lara; e Leonir Orbach. Já em Espigão Alto do Iguaçu estão o acampamento Segunda Conquista (conhecido como Solidor) e o assentamento Primeira Conquista (conhecido como Bracatinga). Também participa da mobilização a comunidade Araucária, de Quedas Iguaçu, não integrante do Movimento.
Além do gesto de solidariedade e protesto contra o crescimento da fome, a iniciativa foi uma forma de comemoração da conquista do Cadastro de Produtor Rural (CAD/PRO) por mais de 800 famílias acampadas em Quedas do Iguaçu. As emissões ocorreram nas últimas semanas, respondendo a uma reivindicação antiga das famílias camponesas acampadas, e também a uma nota técnica emitida pelo Ministério Público do Paraná, publicada em março.
Reconhecimento da Reforma Agrária
As mais de duas mil famílias envolvidas na mobilização têm em comum a luta pelo direito à terra para produzir alimentos e conquistar uma vida digna. A maior parte das comunidades onde hoje vivem as famílias camponesas já esteve sob domínio de um único dono, a madeireira Giacomet Marodin, atual Araupel. Pelo menos 83 mil hectares de terras públicas, que abrange diferentes municípios da região, foram adquiridos de forma grilada pela empresa em 1972.
Desde 1996, quando houve a primeira ocupação na região em áreas da empresa, passou a haver a substituição do monocultivo de pinus pela produção de alimentos da agricultura camponesa. Entre as comunidades frutos dessas lutas está o assentamento Celso Furtado, com 1,2 mil famílias, maior assentamento de Reforma Agrária da América Latina, e um dos que participou da ação de sexta.
A confirmação da prática de grilagem veio em agosto de 2017, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) declarou nulos parte dos títulos de propriedade da madeireira Araupel ocupada pelo MST. A determinação foi resultado de uma ação judicial movida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 2014. Há dez anos, o Instituto contestava a validade dos títulos do imóvel localizado entre os municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu.
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O desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná Fernando Prazeres, presidente da Comissão Estadual de Conflitos Fundiários do Paraná (CEJUSC), esteve presente na abertura das entregas dos alimentos e enfatizou a possibilidade de haver formas pacíficas para resolver os conflitos no campo. “Vejo hoje neste evento o objetivo e a finalidade que deve alcançar no nosso trabalho na Comissão, que é justamente aproximar o campo e a cidade, sem qualquer tipo de conflito. Nós lutamos, e vejo aqui a confluência dos nossos objetivos, por uma sociedade justa, fraterna, igualitária, onde os conflitos fundiários sejam resolvidos de forma consensual.”
A vice-prefeita da cidade, Edith Helma Maier, reconheceu o papel das famílias agricultoras Sem Terra: “Estou muito emocionada com esse esforço de vocês, por essas mãos dadas dos lutadores da comida, os plantadores da saúde e da vida, porque se nós não temos alimentos, nós não temos vida, e vocês são os responsáveis. Essa união que fez vocês virem até aqui é o maior exemplo de que a união faz a força.”
Também estiveram presentes na ação Manoel Caetano, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e advogado da equipe do presidente Lula, Darci Frigo, vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, e Paulo Porto, professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e indigenista.
“Solidariedade é amor e união”
Jucimar da Silva, conhecida como Pátria Livre, está entre as milhares de famílias Sem Terra da região que ainda lutam pelo direito de permanecer nas áreas onde vivem. A agricultora mora no acampamento Vilmar Bordim, em Quedas do Iguaçu. “Nós estamos em cima da terra, lutando por um alimento saudável, sem agrotóxicos”, explicou.
Além de doar parte dos frutos do seu trabalho, ela e o filho fizeram parte do grupo de mais de 50 pessoas que ajudaram no mutirão de montagem das cestas e carregamento dos caminhões, no barracão comunitário do assentamento Celso Furtado.
“Eu, como mãe da família, sei o que é colocar só o arroz na panela e não ter o que dar para o filho, isso é muito triste. Tem muitas famílias que às vezes não têm o pão de cada dia para dar para o seu filho, e hoje nós estamos doando para quem não tem, e isso é muito gratificante”, disse a agricultora, emocionada. A camponesa resume o sentido da palavra solidariedade como “amor e união”.
Iraci Dias, de 61 anos, esteve entre as milhares de pessoas que receberam uma cesta de alimentos em Quedas do Iguaçu, “eu achei muito bonita a atitude de hoje, só tenho a agradecer”.
Ela tem amigos que vivem nas comunidades do MST na região e admira as conquistas das famílias Sem Terra ao longo dos anos. “Às vezes eles falam ‘Sem Terra’. Sem terra somos nós que moramos na cidade e que não temos”, disse dona Iraci, em tom de brincadeira. Ela vive em uma casa alugada, junto a outros sete familiares.
“A pessoa com salário não pode comprar casa [...]. É bem difícil. A gente que pagar aluguel, tem que pagar, porque se não pagar eu fico na rua. Eu não posso ir morar na rua com meus netos”. A renda da família vem do trabalho do esposo e do filho, que trabalham em Cascavel.
Joraci França, também moradora de Quedas do Iguaçu, sente que a pandemia piorou as condições de vida. “Meu marido está desempregado, trabalhando por dia. Eu não sou aposentada e tenho muitos gastos com remédio. O meu ganho é o Bolsa Família e vem pouco, só 89 reais. Quero agradecer e dar os parabéns a todos que doaram os alimentos. Eu acho muito bom o que estão fazendo, são pessoas trabalhadoras, que gostam de repartir. Muitos criticam, muitos parabenizam, eu nunca critiquei, eu sou a favor do trabalhador”, disse.
Augusto Conde, violinista da Orquestra Sinfônica do Paraná, trouxe a sua arte para o hino do MST. Ele está entre os apoiadores do Movimento que participaram do ato de abertura e de bênção da partilha. "A luta contra a desigualdade é uma responsabilidade de todos e todas. É um privilégio usar a nossa arte nesta causa", afirmou o músico, que também é militante do coletivo Marmitas da Terra.
Ações de solidariedade do MST na pandemia
As ações fazem parte da campanha nacional do MST em solidariedade a quem enfrenta o desemprego e a fome. Em todo o país, já foram partilhadas mais de cinco mil toneladas de alimentos e um milhão de marmitas.
Com a ação realizada nesta sexta, as famílias Sem Terra do Paraná partilharam mais de 760 toneladas de alimentos saudáveis desde o início da pandemia. Somente as famílias camponesas de Quedas do Iguaçu e Espigão já compartilharam mais de 113 toneladas de alimentos. Foram pelo menos 120 ações de doação de alimentos in natura e industrializados, com participação de mais de 60 acampamentos e 130 assentamentos do estado.
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Desde maio de 2020, o MST também coordena a ação Marmitas da Terra, que produz e distribui refeições a pessoas em situação de rua e moradoras da periferia de Curitiba e Região Metropolitana. Pelo menos 1.100 marmitas são doadas todas as quartas-feiras, num total de mais de 66 mil refeições até agora, produzidas principalmente com alimentos vindos de áreas da Reforma Agrária.
Além das mobilizações na região Centro, outras 300 cestas de alimentos da Reforma Agrária foram doadas para famílias da comunidade urbana Vila União, localizada no Tatuquara, também na capital, no sábado (24). Junto aos alimentos industrializados, cerca de três toneladas de alimentos frescos, vindos dos acampamentos Maria Rosa do Contestado e Padre Roque Zimmermann, de Castro, do assentamento Contestado, da Lapa, e do acampamento Maila Sabrina, de Ortigueira. A ação é organizada desde junho de 2020 por um grupo de entidades, pastorais, sindicatos e movimentos, entre eles o MST. O Coletivo Marmitas da Terra produziu e distribuiu duas mil marmitas na última quarta-feira (21), em Curitiba e região.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini