Coluna

Quem merece sofrer violência doméstica? Legitimar é violentar de novo

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A violência doméstica e familiar é um dos pilares do sistema patriarcal e machista na sociedade - Paulo Pinto / AGPT
No enfrentamento à violência doméstica, nós salvamos a mulher!

A violência doméstica e familiar é um dos pilares do sistema patriarcal e machista que vivemos em nosso país. Os altos índices de feminicídios e as expressões cotidianas das diversas formas de violências contra a mulher configuram o retrocesso do cenário brasileiro na defesa e proteção social da vida das mulheres.

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Não sendo diferentes, as agressões se manifestam tanto no espaço privado familiar como no espaço público, seja na política, no machismo institucional ou nos discursos de ódio. É sobre isso que iremos falar. O machismo está interligado nas diversas dimensões da vida social das mulheres, podendo ser ampliados e legitimados na sociedade.

Primeiro, a violência doméstica e familiar. No dia 15 de julho, no município de Santo Antônio, Rio Grande do Norte, uma mulher vítima de violência aciona a Polícia Militar (PM) da sua cidade. A denúncia: um irmão agressor. A vítima estava abrigada na casa de vizinhos, a espera da polícia para conseguir retornar ao seu lar com segurança com seu filho, uma criança de colo.

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Segundo, a violência institucional. A PM, ao chegar no local, adentra a residência da vítima para averiguação e resolução do conflito. Durante isso, a vítima intervém pedindo que os policiais não batam no irmão. Nesse momento, um dos polícias a chama de “cachorra” e agride a vítima. A mulher estava com uma criança no colo, quando levou vários tapas na cara e foi empurrada ao chão pela polícia, a qual deveria lhe proteger.

Sabemos que a violência policial, em especial nas periferias, é um problema social crescente em nosso país. Um problema histórico desde a militarização da força policial enquanto poder do Estado que se aprofunda, aliando-se a um discurso da liberação das armas e primazia das forças militares pelo Governo Bolsonaro. Assim como, sabemos quem mais sofre com essa realidade: as famílias pobres e das periferias, em sua maioria a população negra.

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Terceiro, a violência simbólica e política. Ao comentar sobre este caso de violência doméstica e agressão policial, o senador Styvenson (Podemos-RN) e capitão da PM, eleito para o cargo em 2018, declarou o seguinte: “Um dia me pegaram numa entrevista e disseram: capitão o cabra deu na mulher com uma criança e não sei nem o que, não sei nem o que. E eu disse: amigo, eu não estava na ocorrência. Eu não estava. Eu não sei como foi. Como eu vou dar uma explicação de uma coisa que eu... Pelo vídeo aí, eu estou vendo que ele está dando dois tapa (sic) na mulher, uns tapa (sic) bom, na mulher. Agora, eu sei lá o que essa mulher fez para merecer dois tapa (sic). Será se ela estava calada, rezando o Pai Nosso, para levar dois tapa (sic)? Eu não sei, eu não sei”.


Para enfrentarmos o machismo e o patriarcado é preciso articularmos ações e políticas públicas nas diversas dimensões da vida humana e social / Agência Brasil

É preciso compreender que nenhuma mulher merece sofrer violência e que nenhuma justificativa pode legitimá-la. A violência contra a mulher não pode ser encarada como uma medida aceitável e nem negociável. O que pode se esperar do discurso desse parlamentar que deveria defender os direitos e a vida das mulheres? É inaceitável os discursam que procuram justificar ou se abster do enfrentamento à violência contra as mulheres. Legitimar é violentar de novo! Essa não é a política que queremos e merecemos. Deve ser tarefa de qualquer parlamentar que tenha compromisso com a vida das mulheres, enfrentar a violência de gênero e não remediá-la. A representatividade das mulheres na política é central para transformarmos essa realidade, defendendo suas pautas e acima de tudo suas vidas.

Sobre o caso explicitado, as cenas foram gravadas em vídeo por testemunhas, o qual não será utilizado aqui com o objetivo de não expor e violar os direitos desta família. O policial agressor foi afastado imediatamente de suas funções e as medidas legais estão sendo tomadas. A caráter de informação aos leitores.

As violências contra as mulheres podem ser interelacionadas, formando assim uma rede de violências que aprofundam e ampliam as violações de direitos e o sofrimento físico, psicológico e social das vítimas.

Machismo e patriarcado

Para enfrentarmos o machismo e o patriarcado é preciso articularmos ações e políticas públicas nas diversas dimensões da vida humana e social. De pensarmos a defesa e proteção social das mulheres na cultura, na educação, na segurança pública, no trabalho e renda. Partindo das diversas estruturas da sociedade, para transformá-las, numa perspectiva intersetorial e interseccional.

No enfrentamento à violência doméstica, nós salvamos a mulher! Seguiremos denunciando todas as formas de violência, fortalecendo as redes de proteção e cobrando do poder público sua implementação. Não aceitaremos nenhum discurso político que legitime a violência contra as mulheres. Seguiremos até que todas sejamos livres! É pela vida das mulheres!

 

*Janaína Lima é Jornalista e mestranda em Estudos da Mídia pela UFRN. Coordenadora da Diversidade Sexual e de Gênero da Secretaria de Estado das Mulheres, Juventude, Igualdade Racial e Direitos Humanos do Governo do Rio Grande do Norte. Também é presidenta do Conselho Estadual de Políticas Públicas LGBT do RN e Presidenta do Comitê Estadual Intersetorial de Enfrentamento à LGBTfobia do RN. Janaína é mulher trans, nordestina e militante da Consulta Popular. Leia outros textos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo