O entregador de aplicativo Paulo Galo e sua esposa, a costureira Gessica, presos temporiamente desde a última quarta-feira (28) em São Paulo, deixaram a filha de 3 anos e o irmão de Gessica, de 9, de quem são responsáveis, aos cuidados dos pais do entregador, ambos com mais de 70 anos.
Moradores do município de Jacareí, a 80 quilômetros da capital paulista, os idosos foram às pressas para a casa do casal para cuidarem das crianças, em um bairro da periferia de São Paulo.
Bruno Garcia de Alcaraz Iglesias, advogado que representa o casal, foi até o local para prestar assistência e afirma que encontrou uma família desolada. “Eu me deparei com a mãe do Galo chorando, em prantos. E a menininha perguntando pelo pai e pela mãe, não entendendo absolutamente nada do que estava acontecendo. Me sensibilizei com a situação da senhora e tentei acalmá-la”, conta.
O advogado lembra ainda que os avós foram ao local preparados para passar algumas horas ali, enquanto os pais estavam na delegacia. Agora, estão temerosos com a situação. Enquanto Paulo e Gessica dormem separados em celas de delegacias, os dois menores seguem em compasso de espera.
“No momento, temos duas crianças menores de idade sem o amparo dos pais. Como você explica para essas crianças que o pai e a mãe estão presos? Como isso é visto na comunidade onde eles vivem? Eles não são criminosos”, diz Iglesias.
Galo e Gessica tiveram mandado de prisão expedido pela Justiça no âmbito de uma investigação policial sobre o fogo colocado em pneus em volta da estátua do bandeirante Borba Gato, na zona Sul de São Paulo, no último sábado (24).
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Galo apresentou-se à polícia na quarta-feira e assumiu ser um dos autores do protesto. Já sua esposa afirma que não esteve no ato, o que a polícia diz não saber se é verdade.
Embora possuam residência fixa, não tenham antecedentes criminais e estejam colaborando com as investigações, a Polícia Civil de São Paulo entendeu que era necessário prender os dois para que as investigações pudessem continuar, e a Justiça autorizou a prisão.
Galo e Gessica foram presos na quarta-feira (28) após se apresentarem espontaneamente à Polícia Civil. Ele, militante pelos direitos dos entregadores de aplicativos; ela, uma costureira autônoma de 29 anos que cuida da filha e do irmão.
O celular de Galo tem um chip que está no nome da esposa. Ao acompanhá-lo à delegacia na quarta, ela foi surpreendia com a própria prisão, justificada, segundo a polícia, pela propriedade do chip de celular, que fora utilizado pelo marido para combinar o protesto do sábado.
Segundo o advogado, a costureira se desesperou quando foi informada sobre o mandado de prisão que recaía sobre si, ali mesmo na delegacia, enquanto o marido estava depondo.
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“A única coisa que ela me perguntava era: ‘Doutor, o que eu vou fazer com as crianças? Vão ficar com quem? Quem vai cuidar? Quem vai alimentar? Eu sou pobre, não tenho dinheiro para contratar alguém para cuidar’”, descreve Iglesias.
Com a ajuda de amigos e vizinhos, os avós conseguiram chegar na casa dos presos no mesmo dia de sua detenção, onde permanecem sob o olhar cuidadoso da vizinhança.
Na hora do incidente na estátua, Gessica estava justamente cuidando das crianças em casa, no Jardim Guaraú, a mais de 15 quilômetros de distância do monumento em homenagem ao bandeirante, de acordo com ela, o advogado e testemunhas do bairro.
Já segundo a polícia, os vídeos que foram analisados até agora não são conclusivos para saber se ela participou do ato na estátua ou não. Na dúvida, foi presa.
O advogado diz não compreender a lógica jurídica da prisão da sua cliente. “Ela está sendo criminalizada pelo simples fato de ter emprestado o chip do celular dela para o próprio marido. Foi a única coisa que ela fez”, afirma.
Uma postagem nas redes sociais de Gessica com imagens do incêndio também foi usada como justificativa para a detenção, de acordo com o pedido de prisão temporária enviado pela polícia à Justiça.
“A decisão é absolutamente ilegal. O Galo admitiu ter participado da ação. Ele abriu mão da própria liberdade, do próprio bem estar, por um bem maior, para levantar uma discussão necessária. Só que a Gessica não participou de nada disso”, sustenta o advogado.
O delegado da Polícia Civil de São Paulo Júlio Jesus, que participa das investigações, confirma a visão dos advogados de defesa, que afirmam serem apenas esses os indícios de envolvimento de Gessica com o incêndio. Assim explicou aos jornalistas na última quarta os motivos para prender Gessica:
"A prisão serve para dar continuidade às investigações. Se for constado que ela não participou, a prisão pode ser revogada. Durante as investigações, foi verificado que o telefone utilizado pelo Paulo está em seu nome. Nas suas redes sociais, ela publica fotos do ato, mas não dá para perceber se ela está lá ou não. Por isso o pedido de prisão dela, para continuar as investigações".
Por que Gessica foi presa?
A prisão temporária, da qual a costureira foi alvo, está prevista no Código de Processo Penal quando a detenção for imprescindível para a continuidade da investigação.
Ocorre, por exemplo, quando o acusado não tem residência fixa ou se recusa a fornecer a própria identidade, ou ainda quando sua fuga se mostra iminente, isso tudo se os indícios de sua autoria do crime forem evidentes e se tal crime for de alta gravidade.
Nada disso aconteceu no caso de Gessica, como aponta a advogada Marcella Rezende, que também integra a equipe da defesa.
“Pelos crimes que estão sendo investigados, a gente percebe que a prisão temporária só caberia se fosse constato que ela faz parte de uma 'associação criminosa'. E dizer que ela integra uma organização criminosa com o esposo dela é um absurdo. Não há nenhum indicativo nos autos que permita que se afirme isso”, explana a advogada.
Na avaliação da defesa, a detenção também viola uma decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) para proteger filhos de mães que são postas em reclusão enquanto investigadas.
Em fevereiro de 2018, a Corte decidiu - em acórdão sumulado, ou seja, com reflexo para situações posteriores - que mulheres grávidas e mães de crianças de até 12 anos que estejam presas provisoriamente e não apresentem alta periculosidade têm o direito de deixar a cadeia em prisão domiciliar até o julgamento do caso.
“A decisão do STF é aplicável à prisão temporária, já que seu sentido é proteger o menor desamparado. Assim, se temos uma criança que ficou desamparada porque ambos os pais foram presos juntos, de fato entendemos que a prisão da Gessica não está de acordo com o que dispõem as normas legais vigentes”, avalia Marcella.
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Criminalização
As esperanças da defesa e da família de Paulo e Gessica para que sejam libertados o quanto antes repousam sobre um pedido de Habeas Corpus (HC) apresentado à Justiça na manhã da última quinta-feira (29).
Até agora, a juíza responsável apreciou o pedido na noite da própria quinta, mas não tomou qualquer decisão, concedendo ao delegado que investiga o caso mais 24 horas para justifique à corte por que as prisões são necessárias para o bom andamento das investigações. Enquanto isso, as crianças seguem com os idosos, e a boa vontade e zelo voluntário dos vizinhos.
Para Iglesias, as injustiças que envolvem a prisão de Gessica fazem parte de um ataque à luta política conduzida pelo grupo de ativistas que, ao questionarem a imagem de Borba Gato, colocaram um país inteiro para pensar.
“Trata-se da criminalização de um movimento social legítimo e essencial na atual conjuntura do país. É a criminalização da periferia, da pobreza, dos pretos e de todos aqueles que precisam ter voz, mas sempre são sufocados pela estrutura social selvagem em que vivemos”, avalia o advogado.
Edição: Leandro Melito e Vinícius Segalla