O não preenchimento do quesito ‘raça/cor da pele’ demonstra a atuação do racismo estrutural
Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) mostram que a quantidade de informações sobre raça e cor da pele dos pacientes brasileiros ao longo da pandemia está aquém do desejado.
Segundo o Grupo de Trabalho sobre Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e do Instituto Pólis, o preenchimento do campo “raça/cor da pele” nos sistemas de informação do DataSUS não apresenta, em muitos casos, o nível satisfatório de 90%.
O Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica (SIVEP) Gripe, que sistematiza as internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), incluindo a covid-19, tem um preenchimento do campo raça/cor da pele em 80% dos casos. Entre os estados, o menor percentual chega a 53%, no Distrito Federal, e 67% no Ceará e no Rio de Janeiro. O mais alto foi identificado em Santa Catarina, Roraima e Tocantins, de 95%.
Entre os sistemas do DataSUS, SIVEP Gripe, Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações, e-SUS Notifica e Sistema de Informação sobre Mortalidade, apenas este último se destacou por uma taxa acima do nível satisfatório, alcançando 97%, na média nacional. Nos estados, as exceções vão para Alagoas e Espírito Santo, com 77% e 84%, respectivamente.
No sistema e-SUS Notifica, sequer é informada a categoria raça/cor de pele dos pacientes com casos suspeitos de covid-19, embora o preenchimento seja obrigatório na ficha de notificação.
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Segundo Vitor Nisida, urbanista e pesquisador do Instituto Pólis, a fragilidade encontrada no preenchimento correto das informações nos sistemas do SUS prejudicam diretamente a produção e a manutenção eficazes das políticas públicas em saúde.
“A construção de políticas públicas e a análise das efetividades dessas mesmas políticas públicas dependem da qualidade dos dados que alimentam os nossos sistemas de informação, pesquisas e serviços de saúde. São esses os dados que nos auxiliam no entendimento do quanto e de como é desigual a nossa realidade”, afirma o pesquisador. Caso contrário, “não tem como atuar nessa realidade que a gente deseja transformar”.
Para ele, “o não preenchimento de forma adequada do quesito ‘raça/cor da pele’ reflete a falta de prioridade que a produção sobre esse tipo de informação tem, o que em si demonstra a atuação do racismo estrutural, que permeia nossa sociedade”.
Para Ana Paula Nunes, a maneira mais eficaz de mudar a precariedade da sistematização dos dados é fazer valer a Portaria nº 344, de 1º de fevereiro de 2017, que dispõe sobre a inclusão e o preenchimento do quesito “raça/cor” nos formulários de sistema de informação em saúde do SUS. Nunes é professora de epidemiologia e bioestatística da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e membro do GT Racismo e Saúde da Abrasco.
“E, além disso, assumir o compromisso e a responsabilidade de monitorar adequadamente as iniquidades raciais, inclusive, capacitando os profissionais de saúde sobre a importância e a necessidade de preenchimento dessa variável com vistas à redução dessas iniquidades em saúde”, disse a pesquisadora.
Um outro estudo do Instituto Pólis demonstrou que os negros – pretos e pardos, de acordo com a denominação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – morrem mais do que brancos em decorrência da covid-19 no Brasil. A taxa de óbitos por covid-19 entre negros somente na capital paulista foi de 172/100 mil habitantes, enquanto para brancos foi de 115 óbitos/100 mil habitantes.
Na mesma linha, uma reportagem da Agência Pública de março deste ano apontou para a discrepância entre brancos e negros vacinados: 3,2 milhões de pessoas que se declararam brancas receberam a primeira dose do imunizante contra o novo coronavírus. Já entre os negros, esse número cai para 1,7 milhão.
Edição: Rebeca Cavalcante