HISTÓRIA

Como o impedimento de um presidente da República livrou o país de um golpe militar há 66 anos

Deputado federal Carlos Luz (PSD) assumiu o cargo máximo da República em novembro de 1955, já conspirando com militares

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Carlos Luz, do partido de direita PSD, extinto pela ditadura em 1965, assumiu a presidência em 1955, já conspirando por um golpe - A imagem é do acervo da Coleção Memória da ALMG

No dia 11 de novembro de 1955, o presidente Carlos Luz (do antigo PSD, extinto em 1965) foi impedido pelo Congresso Nacional. Luz havia assumido a presidência da Repúbica no dia 08 de novembro, devido ao afastamento, por problemas de saúde, de Café Filho (PSP), então presidente.

Nos três dias de seu mandato, Carlos Luz, que havia deixado a presidência da Câmara dos Deputados para assumir o cargo máximo do Poder executivo, como mandava a Constituição de 1946, começou a conspirar, influenciado por setores golpistas inconformados com o resultado eleitoral de 3 de outubro que elegeu, com cerca de 36% dos votos, o presidente Juscelino Kubitschek.

O episódio é mais um dos inúmeros acontecimentos que desestabilizaram a democracia brasileira no período entre 1946 e 1964. Neste ano de 1955, a instabilidade era a ordem do dia. A insegurança, a raison d’être (razão de ser) de nossa democracia. Entre o suicídio de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954 e a posse de Juscelino Kubitschek, ocorrida no dia 31 de janeiro de 1956, o Brasil teve três presidentes da República.

::O comício de Juscelino Kubitschek e a intervenção de uma velhinha::

O discurso de um coronel do Exército, Jurandir Mamede, que atacou a democracia, o processo eleitoral e defendeu a intervenção militar, foi o estopim para os ânimos se acirrarem ainda mais. Carlos Lacerda e a UDN (União Democrática Nacioal) incentivavam o clima golpista e contrário ao resultado das urnas que laureou JK.


Notícia de 12 de novembro de 1955: a Câmara reconhecia "o impedimento" de Carlos Luz e declarava Nereu Ramos o novo presidente. Com a manobra legalista, o golpe militar foi adiado nove anos no Brasil / Jornal do Brasil, em cópia do acervo da Biblioteca Nacional

No dia 9 de novembro, um dia após assumir o posto, o então presidente Carlos Luz teve uma reunião privada com o marechal Henrique Teixeira Lott. O presidente, nesta conversa, não concordou em transferir Mamede, como forma de punição por seu discurso ameaçando a democracia. Ato contínuo, Lott pediu demissão do Ministério da Guerra. A partir de então, os ânimos se acirraram.

::Artigo | Os militares e a crise política no Brasil::

Lott, legalista e defensor da Constituição (vejam vocês que existiam generais no Exército que defendiam a legalidade e o respeito à Constituição), fez uma intervenção às avessas, conhecida como contragolpe ou golpe preventivo.

Desconfiando das intenções do presidente, Lott mobilizou tropas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais e entrou em contato com políticos do PSD (partido de JK) e do PTB (partido de João Goulart, então eleito vice-presidente). Os responsáveis pela crise política, Carlos Luz, Carlos Lacerda, Juradyr Mamede e o almirante Pena Botto abrigaram-se a bordo do cruzador Tamandaré.

Costurou-se então um acordo político que levou ao impedimento de Carlos Luz no dia 11 de novembro de 1955. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal votaram o impedimento e a consequente investidura de Nereu Ramos, de acordo com o artigo 79, parágrafo 1° da Constituição. Esse acontecimento histórico é pouco conhecido. Não aparece nos livros didáticos de História e é pouco comentado por analistas políticos.

Nesta época, as ideias de golpe, intervenção militar e questionamento ao processo eleitoral eram as palavras de ordem de uma direita radical e golpista, que procurava atacar a Constituição de 1946 e a democracia. O episódio é ilustrativo de um vocabulário político usado há muito tempo por setores antidemocráticos.

O desfecho desse episódio levou Nereu Ramos, então vice-presidente do Senado, a assumir a presidência. Ramos completou a transição para o governo de JK.

::Coluna | A distância entre JK e Bolsonaro::

Edição: Vinícius Segalla