Na última semana, o governo de São Paulo vetou o Projeto de Lei que suspendia reintegrações de posse durante a pandemia do novo coronavírus.
Sob autoria da deputada Leci Brandão (PC do B) e dos deputados Maurici (PT) e Jorge do Carmo (PT), a proposta havia sido aprovada há mais de um mês pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Enquanto isso, os despejos continuam. Na Chácara das Gaivotas, no Grajaú, cerca de 300 famílias correm o risco de deixarem suas casas em meio à crise sanitária. Muitas vivem há mais de 30 anos no local.
“A nossa casa, no caso, é como se não valesse de nada. Todo esse tempo, toda essa construção que a gente teve, o gasto, é como se não valesse de nada. Se é preciso fazer a obra, a gente vai ficar desamparado?”, destaca a trabalhadora Érica Rodrigues Galvão, de 24 anos.
A Prefeitura de São Paulo justifica às famílias que a área está dentro do Programa de Recuperação de Mananciais do município, e as obras visam a reparação ambiental das represas Billings e Guarapiranga. Os dois reservatórios de água abastecem a maior cidade do país.
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Mas o anúncio da desapropriação, segundo as famílias, foi repentino. No final de 2020, assistentes sociais da Prefeitura passaram pelas casas cadastrando os moradores, mas sem avisar o motivo. Seis meses após viria o aviso: até o dia 24 de julho as moradias deveriam ser desocupadas.
Em troca, a gestão municipal garantiria um auxílio aluguel de 400 reais por seis meses e a promessa da vaga em um conjunto habitacional na região – que ainda sequer foi construído. O acordo não foi aceito pela maioria dos núcleos familiares, que hoje permanecem nas casas e com receio dos tratores.
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“Não tem documento, é tudo falado por boca, é assistente social que marca reunião, a gente pergunta, tenta ligar, elas não falam, e a gente fica assim. Já passou o prazo dos trinta dias e a gente ainda não saiu da casa”, explica Érika.
“O que a gente tá querendo mesmo nesse momento é apenas uma indenização, que a gente possa sair com a garantia que ali na frente vai conseguir ter uma moradia fixa, a gente não quer permanecer no aluguel”, completa.
A maioria das famílias, como a de Érika, adquiriram o terreno de forma informal e não apresentam documentação. Em reuniões, o vereador Alfredinho, do PT, vem tentando negociar junto à gestão de Ricardo Nunes (MDB) uma alternativa para as centenas de moradores.
“Nós não somos contra a obra, do programa Mananciais. Até porque nós precisamos das represas, das duas. São elas que produzem as águas que nós consumimos. O problema é que o governo quando vem com o programa, que tem desapropriação a ser feita, devia fazer era casada já com outra opção de moradia para pessoa que terá que sair dali”, destaca o vereador do PT.
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O parlamentar pede transparência e não entende a urgência para a retirada das famílias em meio ao contexto de crise sanitária.
“É lamentável essa postura da Prefeitura de em um momento com esse jogar as pessoas nessa situação. Um absurdo que nós não vamos aceitar. Estamos neste momento negociando no campo político, mas se não avançar, nós vamos pro campo jurídico”, aponta Alfredinho.
Durante a pandemia, ao menos 14,3 mil famílias foram despejadas no Brasil, durante o período de março de 2020 a 6 de junho de 2021. Os dados são do levantamento mais recente da Campanha Despejo Zero, organizada pelos movimentos de moradia desde o início da crise.
Só no estado de São Paulo, já são 3.970 famílias despejadas e mais de 34 mil ameaçadas de serem removidas de duas casas.
“A gente não sabe se pode chegar um caminhão assim do nada, junto com polícia, e obrigar que a gente saia de casa. A gente não sabe o que pode acontecer”, alerta a moradora da Chácara Gaivotas.
Outro lado
Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Secretaria de Habitação da Prefeitura de São Paulo afirmou que não responde pela área e nem pela assistência às famílias, pois ela pertence à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
A reportagem solicitou também à Prefeitura se há previsão para a retirada das famílias; o que será oferecido após a remoção; e quais motivos justificam a urgência do processo de desapropriação em meio à crise sanitária. Os questionamentos, no entanto, não foram respondidos até o fechamento da reportagem.