O auxílio emergencial, concedido a 45,6 milhões de brasileiros com um valor médio de R$ 200 por mês, deixará de ser pago em outubro e ainda não tem um substituto definido.
O governo federal planeja divulgar este mês os detalhes do “novo Bolsa Família”, que deve entrar em vigor ao final da última parcela do auxílio. O programa mudará de nome, em uma tentativa de desvinculá-lo das gestões do Partido dos Trabalhadores (PT).
O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) propõe aumentar o valor médio do benefício, de R$ 190 para R$ 400, e a abrangência, de 14,7 milhões para 17 milhões de famílias. Porém, decisões judiciais que aumentam os gastos obrigatórios do governo com estados e municípios para 2022 vem adiando a reformulação do programa.
Na interpretação de Matias Cardomingo, mestre em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo (USP), é improvável que o governo atrase o lançamento do programa a ponto de deixar os beneficiários do auxílio emergencial sem renda.
“O governo quer reeditar o que foi o início do primeiro auxílio emergencial, quando houve um boom de popularidade do Bolsonaro em meio à pandemia. Não acredito que o governo deixará os beneficiários do cadastro antigo do Bolsa Família sem nenhum benefício à disposição”, avalia.
“Um apagão como esse seria trágico para as famílias, principalmente, mas para o governo também”, ressalta Cardomingo, pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da USP.
Insuficiente
Mesmo que seja possível estender o pagamento do auxílio até o lançamento oficial do novo Bolsa Família, a proteção social aos trabalhadores que perderam renda na pandemia não está garantida.
É o que afirma Leandro Teodoro Ferreira, presidente da Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB) e mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC), que critica o valor atual do auxílio.
Segundo o especialista, os R$ 200 não cobrem as despesas com cesta básica na maioria das cidades, e não chegam nem perto dos custos mensais com moradia.
“Nessa situação em que nós ainda temos um cenário de pobreza, que afeta socialmente as famílias, e uma situação de baixa atividade econômica, seria importante que esse valor fosse mais alto e chegasse a mais pessoas”, analisa. “O auxílio emergencial originalmente era de R$ 600, e por isso foi capaz de ter impacto positivo na proteção das famílias e ajudou a dinamizar a economia.”
Além de ter valor superior, em 2020 o número de beneficiados pelo auxílio era próximo a 68,2 milhões de pessoas, 22,6 milhões a mais que na atual rodada de pagamentos.
“Na comparação com os valores do Bolsa Família, essa defasagem também fica clara. Em julho de 2014, o benefício médio era de R$ 169. Se fizermos a atualização desses valores pelo INPC [Índice Nacional de Preços ao Consumidor], que é a cesta dos mais pobres, o valor iria para R$ 250”, completa Ferreira.
O custo estimado do novo Bolsa Família é de R$ 56 bilhões ao ano. Para implementá-lo, o governo precisa abrir espaço no orçamento.
A principal aposta da equipe econômica é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permita que as despesas com sentenças da Justiça sejam parceladas em dez anos, driblando o “teto de gastos”.
Para o presidente da RBRB, o valor investido em programas sociais como o Bolsa Família beneficia o conjunto da população e não deve ser visto apenas como gasto.
“O governo precisaria se preocupar em garantir um benefício que também ajude a dinamizar a economia, e aí a gente veria até uma recuperação mais rápida do mercado do trabalho, o que poderia proporcionar até a independência das pessoas da necessidade desse benefício”, acrescenta o especialista, que defende que o governo federal garanta uma renda básica de cidadania para todos.
Recuperação econômica questionável
Matias Cardomingo lembra que o governo federal demorou a implementar a segunda etapa do auxílio, entre 2020 e 2021.
Na visão dele, a redução do valor das parcelas “não tinha nada a ver com a situação que o país estava passando naquele momento”.
“Quando o governo anunciou a redução do valor do auxílio, independentemente da questão econômica, a situação sanitária não estava resolvida. A vacinação ainda não tinha avançado a ponto de as pessoas poderem retomar suas atividades. Elas precisavam ficar em casa, e para isso era necessário renda”, enfatiza.
Mesmo com o avanço da vacinação, o pesquisador aponta que a narrativa de recuperação econômica sustentada pelo governo é frágil.
“Estamos vendo duas recuperações: no PIB [Produto Interno Bruto] e no emprego formal, através do indicador do Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados]. O PIB parte de uma base muito baixa de comparação, e o crescimento deve ser em torno de 1%”, afirma.
Cardomingo acrescenta que os dados do Caged tiveram uma mudança recente na metodologia e estão muito defasados em relação à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Ainda temos pelo menos 14,8 milhões de desempregados, uma taxa recorde”, reforça.
Diante desse cenário, o aumento na abrangência e nos valores do Bolsa Família se torna ainda mais urgente.
“O mundo está avançando para debates mais progressivos sobre proteção social, com redes mais amplas e instrumentos mais constantes”, lembra o pesquisador.
“Não temos um governo que acredite em um Estado que deva prover às pessoas uma segurança nas suas condições de vida. É um governo que foi premido pelas circunstâncias, e temos que aproveitar isso”, finaliza.
Edição: Vivian Virissimo