Coluna

Bolsonaro x STF: o teste das instituições nos ataques à democracia

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A democracia se apresenta como o principal problema do governo Bolsonaro desde seu primeiro momento. Isso porque ela pressupõe convivência com a divergência - Sergio Moraes
O Brasil de Bolsonaro é um país mais violento do que aquele que já tínhamos

Desde janeiro de 2019 vivemos a noite prolongada autorizada pelas urnas. Empossado, Jair Bolsonaro testa as instituições todos os dias. As ameaças pairam como flechas no ar.

Cada manifestação pública pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), cada tuíte ameaçador de generais, cada fala em lives, entrevistas, encontros com apoiadores ou pronunciamentos oficiais nos mostram que estamos vivendo em uma dimensão paradoxal da política, em que as instituições formalmente funcionam, mas sob uma obsessão autoritária agasalhada internamente e alimentada cotidianamente pelo presidente da República e seus asseclas.

O Brasil de Bolsonaro é um país mais violento do que aquele que já tínhamos. Todos os dados de letalidade policial confirmam isso. Um país em que as garantias todas são colocadas em questão, a igualdade entre homens e mulheres, direitos das minorias, laicidade, consulta popular, prestação de contas.

A submissão aos interesses do agronegócio, das mineradoras e das madeireiras, com diminuição da fiscalização e das multas, acarretam em muito mais desmatamentos da floresta amazônica e agressão ao meio ambiente, à sustentabilidade e aos direitos dos índios, dos ribeirinhos e dos povos da floresta.

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Por seu turno, a democracia se apresenta como o principal problema do governo Bolsonaro desde seu primeiro momento. Isso porque ela pressupõe convivência com a divergência, negociação política, respeito às instituições, entre outros temas, o que não pode ser compreendido e aceito por quem é amante do conflito como método.

Em março de 2020, na viagem em que trouxe de Miami, nos Estados Unidos, em sua comitiva, o segundo foco do vírus da covid-19 para Brasília, Jair Bolsonaro falou pela primeira vez em fraude nas eleições de 2018.

Espantei-me do quão pouco o discurso chamou a atenção de autoridades e da classe política. A luz vermelha deveria ter sido acesa. Afinal, com que finalidade alguém questionaria a eleição em que se sagra vencedor, senão para acumular e indicar um movimento para o futuro?

Desde então, o discurso vem se repetindo e ganhou a insígnia da exigência de voto “impresso e auditável”, levantando suspeitas sobre a lisura das urnas eletrônicas e aumentando o tom a cada nova pesquisa de opinião que mostra o derretimento de sua aprovação e posição na disputa eleitoral de 2022.

De afirmar possuir provas e negar em seguida, Bolsonaro passou a agredir, nominalmente, ministros do Supremo Tribunal Federal e, especificamente, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso.

Entre as muitas variáveis que podem impedir que haja uma consumação de golpe como pretende Bolsonaro, em sua conduta contrária aos princípios republicanos postos na Constituição Federal, a postura das instituições é a mais desafiante.

É preciso dizer que, até aqui, as instituições vêm falhando miseravelmente e, somente agora, parecem indicar que respiram. Durante muito tempo assistiram ao espetáculo bizarro de ataques à democracia respondendo, no máximo, com notas de repúdio.

No Congresso Nacional, o Senado opera uma CPI com impacto e reveladora do cometimento de vários crimes por membros do governo na gestão da pandemia, incluindo corrupção na compra de vacinas.

A Comissão expõe ao mundo que Bolsonaro contaminou a população propositadamente, em uma estratégia infame de resultado trágico conhecida como “imunidade de rebanho”. Em contrapartida, o presidente da Câmara dos Deputados se recusa a despachar os mais de 130 pedidos de impeachment. E o centrão garante a aprovação da agenda do governo.

Do outro lado da praça, 17 meses depois de Bolsonaro ter dado início ao seu discurso de “sem voto impresso não haverá eleições”, o agravamento do dissenso e o aumento da agressividade direcionada provocam, finalmente, uma reação da cúpula do Poder Judiciário.

O ministro Alexandre de Moraes determinou nesta quarta-feira (4) a inclusão do presidente como investigado no inquérito que apura a divulgação de informações falsas, atendendo ao pedido aprovado na segunda-feira (2), por unanimidade, pelos ministros do TSE, que também abriram uma investigação administrativa no âmbito da Corte, para apurar ataques à legitimidade das eleições.

Todo ditador precisa de um inimigo para mobilizar sua base e legitimar as barbaridades que pretende cometer. O inimigo forjado de Bolsonaro são as urnas eletrônicas. O processo de desconfiança se formou com a sistemática produção e disseminação de conteúdos falsos e manipuláveis, técnica amplamente empregada desde as eleições de 2018.

São muitos os atos que, em mais de dois anos, mostram um projeto político que não guarda com a democracia qualquer laço de pertinência, ainda que surja por dentro dela.

As ameaças concretas do bolsonarismo ao Estado Democrático de Direito indicam um roteiro definido para uma ruptura institucional.

A reação das instituições democráticas, esperando que não sejam tardias, serão capazes de barrar um golpe se a sociedade civil estiver mobilizada para defender os direitos fundamentais.

As mobilizações nas ruas, por seu turno, precisam enxergar que existem, no interior das corporações públicas, coletivos firmemente comprometidos com a ordem constitucional e capazes de agir formalmente. O entrelaçamento desses dois fatores é que dará as condições para a própria realização das eleições em 2022 e a garantia do respeito à vontade popular.

 

*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da Unb - GCcrim/Unb. Membra da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD. Leia outros textos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Leandro Melito