O empresário Airton Antonio Soligo, conhecido como Airton Cascavel, não acrescentou nenhuma informação aos senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid em seu depoimento nesta quinta-feira (4).
Ele é investigado por suposta usurpação de função pública ao participar de atividades restritas aos atores do Ministério da Saúde, entre abril e junho, durante a transição de ministro na pasta da Saúde, entre Nelson Teich e o general Eduardo Pazuello.
Cascavel foi nomeado apenas no dia 23 de junho, como assessor especial do ministro da Saúde, para exercer a articulação entre a pasta, o Congresso Nacional e os entes federativos.
Segundo Wellington Divino Marques de Oliveira, procurador-geral da República que investiga o caso, ele “teria se apresentado como responsável pela intermediação das demandas encaminhadas pelas secretarias estaduais e municipais da saúde” durante a pandemia de covid-19.
“Registrou-se que o noticiado [Cascavel] esteve listado em encontro realizado entre o Ministro da Saúde e o Deputado Federal Eduardo Bolsonaro. Ademais, foram anexadas à notícia, prints contendo referências a Airton Cascavel como ‘o número 02 do ministério da saúde’ bem como outra contendo fotos e confirmando a participação de Airton junto a ações praticadas pelo Ministério da Saúde", escreveu Oliveira quando solicitou um inquérito à Polícia Federal (PF) para investigar o caso.
A investigação foi aberta, em 8 de julho deste ano, depois de uma representação feita pela presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann.
Em seu depoimento à CPI, Airton Cascavel negou que tenha atuado de forma irregular. Ele foi convidado por Teich para assumir o cargo de assessor especial.
Antes da contratação ser oficializada, entretanto, o ministro deixou a pasta, e a nomeação foi apresentada por seu sucessor, o general Pazuello. Para Cascavel, sua presença no Ministério da Saúde se justificou devido à sua influência entre estados e municípios, uma vez que já foi presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).
“O senhor estava no âmbito do Ministério da Saúde, recebia prefeitos, governadores, senadores, sem função pública designada. Existe um crime, um tipo penal para isso”, afirma Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, sobre o crime de usurpação da função pública. O senador, inclusive, afirmou que muitos governantes e parlamentares atribuíam à Cascavel a Secretaria-Executiva do Ministério.
Interlocução política para a aquisição de vacinas
Sobre o período em que esteve na pasta, Cascavel atuou no desenvolvimento da aquisição da vacina do Instituto Butantan, a CoronaVac, em parceria com o laboratório chinês Sinovac.
“O grande problema da vacina brasileira foi a politização. Se politizou essa questão, a questão do Butantan. E aí a interlocução política. Naquele momento vou tratar junto. Fui mandando para São Paulo na função de interlocutor para tratar dessa aproximação necessária”, afirmou Cascavel aos senadores.
Da mesma maneira que o governo federal recusou sete ofertas de imunizantes da farmacêutica estadunidense Pfizer produzida em parceria com o laboratório alemão BioNtech, o governo paralisou as negociações estabelecidas pelo Ministério da Saúde com o Instituto Butantan, a partir da terceira oferta da vacina CoronaVac, fabricada junto com o laboratório chinês Sinovac.
A paralisação ocorreu após uma fala do presidente Jair Bolsonaro feita no dia 21 de abril durante uma visita a um centro militar da Marinha em Iperó (SP).
"Houve uma distorção por parte do João Doria no tocante ao que ele falou. Ele tem um protocolo de intenções, já mandei cancelar se ele [Pazuello] assinou. Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade. Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós", afirmou Bolsonaro.
Em seguida, o então ministro Eduardo Pazuello afirmou que “quando um manda, o outro obedece”.
Para Soligo, a politização da vacina foi o motivo que emperrou as tratativas para aquisição de imunizantes contra a covid-19. Ele não diz, no entanto, quem foram os responsáveis por tal politização. Aparentemente, a sua interlocução política não foi o suficiente para adquirir as doses do Butantan, ainda em 2020.
“O senhor não viu nada disso?”
Já com a CPI encaminhando para o final, Airton Cascavel confirmou que recebeu “insistentemente” mensagens de Luiz Paulo Dominguetti, representante da Davati Medical Supply, com a intenção de vender vacinas, mas ignorou o vendedor. “Para mim era picaretagem”, disse o empresário.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) questionou como Cascavel não percebeu quem era Dominguetti e o que estava se desenrolando dentro do Ministério da Saúde. “O senhor viu que era picaretagem, mas Roberto Dias sentou com Dominguetti”, lembrou a senadora.
Dominghetti afirmou aos senadores que Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, cobrou uma propina de US$ 1 por dose de vacina, durante a negociação de 400 milhões de unidades do imunizante produzido pelo laboratório britânico AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford.
O valor apresentado por Dominghetti teria sido de US$ 3,50 por dose. Com a propina, Dias sugeriu que ele cobrasse US$ 4,50 por dose.
“Ele sempre colocou que se o valor não fosse majorado, não haveria contrato”, disse Dominghetti em relação ao comportamento de Roberto Ferreira Dias. “Quando eu disse não [ao pedido de propina], veio a surpresa do outro lado”, afirmou sobre a reação do coronel Marcelo Blanco e de Roberto Ferreira Dias.
Aos senadores, Dominghetti afirmou que o pedido de propina foi feito, no dia 25 de fevereiro, durante um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping. Com Dias, estavam presentes o tenente-coronel da reserva, Marcelo Blanco, ex-assessor de Dias, e José Ricardo Santana, que também trabalhava no Departamento de Logística do Ministério da Saúde.
Edição: Leandro Melito