POVO NAS RUAS

Vacina, economia e ameaças às eleições: os desafios da esquerda na luta pelo Fora Bolsonaro

Ao Brasil de Fato, líderes progressistas analisam jogo político e pedem unidade para a saída do presidente ainda em 2021

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |
Por vacina, comida no prato e pela saída do atual presidente, população brasileira já saiu quatro vezes às ruas desde 29 de maio - Pedro Stropasolas

Após mais de dois anos da chegada da extrema-direita ao poder, a esquerda recuperou seu protagonismo nas ruas. Mesmo em plena crise sanitária e econômica, foi possível, por quatro oportunidades e em centenas de cidades, defender o Fora Bolsonaro.

Mas apesar de trazer o impeachment de volta para ao debate político, as manifestações, até o momento, têm se mostrado insuficientes para derrubar o governo.

Mesmo com o desgaste gerado pela CPI da Covid, Jair Bolsonaro (sem partido) se blinda reforçando o apoio ao Centrão -- em uma relação com o Legislativo fundamental que acentua o desmonte do Estado no Congresso Nacional. 

"Nós estamos vendo as fissuras, as brechas, as fraturas na classe dominante aumentando. Bolsonaro acaba de declarar que está disposto a jogar fora das quatro linhas da constituição porque se sente cercado pelos inquéritos abertos pelos tribunais superiores", alerta Valério Arcary, cientista político e professor titular no Instituto Federal de São Paulo (IFSP).

"O Congresso Nacional, que está nas mãos do Centrão, aprova em uma primeira votação, a privatização dos correios e oferece uma blindagem para Bolsonaro desde que ele garanta o pagamento das emendas", complementa o especialista.

O cenário impõe novos dilemas para o campo da esquerda. Hoje, as pesquisas eleitorais apontam favoritismo do ex-presidente Lula na corrida presidencial de 2022. Mas deduzir que a popularidade de Bolsonaro se manterá em queda até as eleições, como defendem alguns setores da esquerda, é um erro, na visão das Frentes que organizam as manifestações.

É o que pontua o líder da Frente Povo sem Medo e coordenador do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), Guilherme Boulos.

"Nós temos que jogar o jogo institucional. Nós temos que construir candidatura. Eu sou um defensor de que nosso campo tenha unidade, tanto em nível nacional, como em palanques estaduais. Mas nós temos um segundo desafio, que não é ficar simplesmente plantados preparando 2022, porque [a disputa eleitoral] pode não vir do jeito que as pessoas estão imaginando", declarou, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, veiculada na quarta-feira (4).

O desafio e a urgência de construir a mobilização nas ruas são reforçados por Raimundo Bonfim, um dos principais nomes da Frente Brasil Popular.

"Se a nossa luta, se a nossa mobilização popular, pelo Fora Bolsonaro, por vacina, por emprego, por renda, por moradia, por educação, contribuirá para um desgaste do Bolsonaro e favorece uma candidatura, como por exemplo, do ex-presidente Lula, é consequência da nossa luta. Mas não foi por esse objetivo que nós decidimos ir às ruas", aponta Bonfim.

"Nós decidimos retomar o processo de mobilização de rua não só pelos crimes cometidos pelo presidente, mas pela sua desastrosa política econômica".

Assim como Boulos, o coordenador nacional da Central de Movimentos Populares acredita que os sinais de recuperação econômica, a prorrogação do auxílio emergencial e o avanço da vacinação são fatores que podem gerar a reaproximação do bolsonarismo com as massas.

"O governo tem instrumento para poder reverter ao menos parte dessa sua rejeição, que é enorme, sobretudo nas classes populares", explica Bonfim.

"Tem o centrão cada vez mais próximo, que é um grupo profissional de operacionalizar o fisiologismo. Ele pode e já está ensaiando de melhorar o Bolsa Família, aumentando o número de famílias de 14 para 17 milhões. Fala-se também em um vale-gás".

Se a vacina e a economia não ajudarem a impulsionar Bolsonaro, o “clima” golpista criado por ele e por parte da cúpula das Forças Armadas é  o que aparece como ameaça na interpretação de Boulos.

"A articulação do Bolsonaro revela uma aposta, dobrando ficha, a todo momento, em não aceitar o resultado eleitoral se ele for derrotado. Essa questão do voto impresso é isso", aponta o ex-candidato à presidência da República. 

"Aliás, eu acho que Bolsonaro nem quer que o voto impresso seja aprovado. Alguém acha que o Bolsonaro está preocupado com a transparência da democracia no Brasil? O que ele quer é uma narrativa. Essa narrativa começa a chegar perigosamente em setores das Forças Armadas", ressalta Boulos.

Arcary, que também pede vigilância às ameaças golpistas do atual presidente, acredita que a permanência de Bolsonaro no poder torna sua candidatura "muito perigosa" em 2022.

E vai além. Para ele, a unidade da esquerda nas ruas -- e nas eleições -- é fundamental para derrotar não só o bolsonarismo, mas para garantir reformas estruturais no caminho de uma transformação socialista. 

A criação de uma renda mínima à população de baixa renda e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) estão entre prioridades deste "impulso revolucionário". 

"O desafio da esquerda é perseverar. É confiar que toda esta tragédia social, o cataclismo sanitário, a hecatombe do desemprego, do aumento da desigualdade social, nada disto foi em vão. Na verdade, é uma experiência prática que está se desenvolvendo e impacta a consciência de milhões de pessoas. E a tendência é se transformar de indignação em ira, e ódio, em disposição de luta, que é o mais importante", conclui. 

Edição: Leandro Melito