O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) integrou a comissão especial que debateu durante meses a aprovação do sistema de voto impresso no Brasil. Na semana passada, o colegiado encerrou a discussão, rejeitando a proposta por 23 votos a 11.
Mesmo com o rechaço ao projeto, o presidente da presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu mandar a proposta ao plenário. Ele anunciou o movimento na última sexta-feira (6). A votação vai ocorrer na tarde desta terça-feira (10).
A decisão foi criticada por segmentos da oposição. Orlando Silva, contudo, disse entender o gesto de Lira como uma forma de "enterrar o debate" de forma definitiva. Segundo ele, "se o debate ficasse só na comissão, pelo que eu percebi, a bandeira golpista do Bolsonaro continuaria erguida".
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"O que está por trás das bravatas de Bolsonaro é questionar a legitimidade de eleição para tentar um ambiente para produzir um episódio como o que foi feito no Capitólio, nos Estados Unidos, pelos apoiadores do Donald Trump", declarou o deputado do PCdoB.
O congressista e ex-ministro do Esporte ainda comentou a possibilidade de adiamento da votação: "Eu espero que se vote e que nós possamos enterrar definitivamente esse cadáver, essa tentativa de ataque à democracia no Brasil".
Leia a entrevista completa:
Como foi a experiência de integrar a comissão especial que analisava a proposta?
O debate sobre o voto impresso foi vencido pelo campo democrático. Na comissão especial, que é o lugar onde a discussão foi aprofundada, onde houve audiências com especialistas, onde houve um debate técnico, onde houve aprofundamento do debate, nós vencemos por 23 a 11. O debate se deu de forma aprofundada pelo campo democrático.
Eu falo em campo democrático porque não foi apenas a esquerda nem a oposição. Você tem partidos conservadores que também votaram contra o voto impresso por compreender que é um grave retrocesso e oferece riscos à democracia, seja porque abre caminho pra fraude, seja porque tem como pano de fundo o desejo de Bolsonaro questionar o sistema eleitoral e as urnas em 2022, antevendo uma derrota.
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Como o senhor enxerga a decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de mandar a proposta ao plenário, mesmo após a derrota na comissão?
Felizmente, houve uma maioria grande na comissão, incluindo a oposição de esquerda e o campo conservador. O presidente Arthur Lira, ao colocar essa matéria no plenário, procura, na prática, encerrar o debate. Se ficar só na comissão, pelo que eu percebi, a bandeira golpista do Bolsonaro continuaria erguida.
A votação pode, de fato, derrubar esse debate?
Sei que há um entendimento inclusive dos partidos que apoiam o governo de que o resultado do plenário deve ser respeitado pelo presidente. Eu não acredito que ele vá respeitar porque ele é um cara que não respeita nada. Mas isso vai isolando ele cada vez mais. Eu espero que se vote amanhã e que amanhã nós possamos enterrar definitivamente esse cadáver, essa tentativa de ataque à democracia no Brasil.
As urnas eletrônicas são mesmo confiáveis?
Eu posso te dizer que a urna eletrônica é segura, auditável e que passa por um processo de fiscalização da sociedade civil e dos partidos. Como não está conectada à internet, não é possível que seja hackeada. Ela é, portanto, um esquema moderno de votação. Foram essas urnas que elegeram Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e até o Bolsonaro.
O que há por trás da defesa do voto impresso pelo presidente?
O que está por trás das tentativas dele é questionar a legitimidade de eleição para tentar um ambiente para produzir um episódio como o que foi feito no Capitólio, nos Estados Unidos, pelos apoiadores do Donald Trump.
Desfile das Forças Armadas
Deputados da oposição se dividiram, nessa segunda-feira (9), entre criticar o governo federal e minimizar o agendamento para esta terça-feira (10) de uma operação de treinamento militar em Brasília, com desfile de tanques em frente ao Congresso Nacional.
No mesmo dia, a Câmara dos Deputados deverá votar (e rejeitar, de acordo com previsão do próprio governo) a proposta de voto impresso, bandeira do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A medida foi encarada por alguns congressistas como tentativa de intimidação ao Parlamento, já que o chefe do Executivo vem atacando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e fazendo ameaças em caso de rejeição da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135, a que regulamentaria o voto impresso já para as eleições de 2022. Outros dão menos importância ao fato, dizendo que se trata de "mais uma bravata" de Bolsonaro.
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O substitutivo ao projeto foi derrotado na semana passada por 23 a 11, em comissão especial, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu levar a PEC ao plenário assim mesmo, o que é permitido pelo regimento interno da Casa, embora pouco usual.
Segundo ele, é uma tentativa de “pacificar” a questão do voto impresso. Nesta segunda, Lira afirmou que o resultado da votação será respeitado, seja qual for. Ele disse, inclusive, ter recebido essa garantia do próprio presidente da República.
Diversos congressistas, de diferentes partidos, foram procurados pelo Brasil de Fato para comentar o caso. Os deputados federais paulistas Alencar Braga (PT), Alexandre Padilha (PT) e Orlando Silva (PCdoB) responderam aos questionamentos da reportagem. Os petistas se mostraram indignados com a atitude, enquanto o ex-ministro do Esporte disse que, provavelmente, o presidente vai se aproveitar de uma "mera coincidência", se referindo às datas do desfile e da votação em plenário.
Braga afirmou que, ao contrário do que foi noticiado na imprensa, o desfile não é uma demonstração de força do governo Bolsonaro. Segundo ele, a realização do ato mostra "fraqueza do presidente".
"Na verdade, isso demonstra que ele está fraco, que não tem o apoio político que acha que tem e por isso precisa de força através das armas, dos tanques. Ao mesmo tempo, é um crime grave de ameaça ao Congresso Nacional, ao Poder Legislativo, aos deputados e deputadas que estarão ali para votar contra o voto impresso", declarou.
"O voto impresso é uma fantasia de quem não tem o que fazer, de quem não está se preocupando com a vida real do povo, com os problemas que afligem as pessoas no dia a dia, o preço do gás, do feijão, do óleo, do arroz, do leite, o desemprego e tantas outras mazelas", continuou Braga.
Dizendo desconfiar que a data da exibição militar já estaria agendada anteriormente, Orlando Silva afirmou que os deputados não vão se acovardar diante do desfile:
"É apenas uma infeliz coincidência. O impacto que isso tem é zero, porque ninguém vai se acovardar com as bravatas do Bolsonaro. Nesse caso, ele vai bravatear em cima de uma mera coincidência."
"Os militares não fazem movimentos assim da noite para o dia. É uma infeliz coincidência desse momento infeliz da história do Brasil em que o presidente da República tenta manipular as Forças Armadas fazendo insinuações golpistas", declarou o deputado do PCdoB.
O ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha disse que "Bolsonaro é daquelas lideranças de extrema direita que existem hoje no mundo que não têm a menor preocupação em conquistar maiorias na sociedade, são lideranças que preferem insistir em temas sem qualquer chance de ter uma maioria, mas que mantenham a sua turma, a sua horda, mobilizada, incentivada pra construir uma ação violenta".
O petista reforçou a importância de derrotar o voto impresso no plenário da Câmara: "É agora ou nunca a nossa oportunidade histórica de enterrar esses arroubos autoritários não só de Bolsonaro, mas do bolsonarismo, que infelizmente tomou conta de parte das Forças Armadas, de parte da elite econômica e financeira do país".
"Essa semana teremos um embate decisivo. Bolsonaro sairá derrotado. Enterraremos a tese do voto impresso, mas a luta para consolidar a democracia ainda estará presente, e necessitará da união de todos e todas que prezam pela democracia", concluiu.
Edição: Leandro Melito