Em 2020, nenhum aplicativo foi mais baixado que o TikTok. Foi o que informou pela primeira vez o jornal de negócios japonês Nikkei, que começou a organizar um ranking de popularidade dos apps em 2018. Ano passado, de acordo com o Nikkei, a plataforma chinesa aparece no topo da lista, ultrapassando o Facebook. Essa mudança mostra uma disputa geopolítica por meio da tecnologia, avalia o pesquisador das redes digitais e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Sérgio Amadeu.
Autor de livros sobre a intersecção entre internet e política, Amadeu avalia que a empresa dona do TikTok, a ByteDance, é especialista em extração e personalização de conteúdo por meio do aprendizado de máquina, daí parte do sucesso do app chinês em "fidelizar" seus usuários com conteúdos altamente personalizados.
"A China é uma potência tecnológica que disputa em pé de igualdade com tecnologias que originalmente foram criadas no Ocidente", analisa Amadeu em entrevista ao Brasil de Fato.
Apesar da nova liderança tecnológica, o professor da UFABC destaca que a lógica de funcionamento do TikTok não difere da adotada e promovida pelas redes estadunidenses. Para ele, o mundo caminha na direção apontada pelo sociólogo Guy Debord em seu livro "A Sociedade do Espetáculo", publicado em 1967: há um superexploração das imagens acima das ideias e uma superexploração do corpo.
“A China não está invertendo o padrão de uso da tecnologia, ela está somente fazendo melhor que os americanos, que criaram o padrão de uso e desenvolvimento", acredita Amadeu.
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Geopolítica dos apps
O TikTok já esteve na mira da Casa Branca. Em 2020, o então presidente Donald Trump acusou a companhia de espionagem e assinou decretos para tentar forçar a venda do TikTok para uma empresa dos Estados Unidos. Microsoft e Oracle aproximaram-se e tentaram uma aquisição, mas o negócio não prosperou. O TikTok é apenas um dos pontos de fricção entre Pequim e Washington na área de tecnologia, que também estão envolvidos em disputas pelo domínio da rede 5G.
O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, afirmou em reunião com Trump, em outubro de 2020, que o aumento de poder de companhias chinesas deveria ser uma preocupação maior do que a regulação do próprio Facebook e conversou sobre o app chinês com congressistas, de acordo com reportagem do The Wall Street Journal.
“No TikTok, o aplicativo chinês que cresce rapidamente em todo o mundo, as menções a protestos são censuradas, até mesmo nos EUA. É essa a internet que queremos?”, afirmou Zuckerberg em discurso na Universidade Georgetown, em 2019.
Em outro episódio, a Índia baniu o TikTok e outros 58 aplicativos chineses. O Ministério da Tecnologia da Informação indiano alegou danos "prejudiciais à soberania, integridade e defesa da Índia, segurança do Estado e ordem pública". Para Sérgio Amadeu, a proibição teve como objetivo "reduzir a influência chinesa na Ásia” e deve ser entendida dentro do contexto da disputa regional entre Nova Delhi e Pequim.
“Essas plataformas de tecnologia não carregam só algoritmos e técnicas, elas carregam um modo de vida, um modo de se comportar, elas carregam influência e isso é muito importante, é por isso que os EUA estão desesperados. Eles não imaginavam que, enquanto a cultura californiana colonizava o planeta ao mesmo tempo que extrai dados do mundo inteiro pelas grandes plataformas, um país com uma cultura tão distinta conseguiria montar uma empresa e um aplicativo que disputasse com os americanos no mesmo terreno da espetacularização”, analisa o professor da UFABC.
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Amadeu também destaca que é uma "crença perigosa" acreditar que as plataformas são neutras, quando na verdade elas atuam de acordo com interesses de determinados grupos de poder e Estados. O pesquisador cita as denúncias de Edward Snowden, que em 2013 demonstrou que os Estados Unidos espionavam líderes mundiais, como a então presidenta Dilma Rousseff (PT) e a chanceler alemã Angela Merkel, com a intermediação de plataformas norte-americanas como Microsoft, Google e Facebook.
“Há uma interessante disputa e essa disputa, por outro lado, abre fissuras no sistema para que a gente crie novas oportunidades. Então eu nem sou iludido com o sucesso chinês do TikTok e nem acho que seja tão pior que o Facebook, eu acho que a gente deveria compreender que existe uma disputa geopolítica e geoestratégica cujo elemento crucial chama-se tecnologia.”
Edição: Arturo Hartmann