Para nós, reles mortais, as instituições estão sim mais próximas da insolvência
Por Paulo Brondi*
As instituições estão funcionando.
A retórica oca da frase, famosa pela boca de Michel Temer durante o golpe de 2016, denuncia justamente pelo vazio do sentido a estrutura carcomida de um sistema destinado a manter inalterado o status quo vigente.
As instituições funcionavam durante o impeachment fraudulento da presidenta Dilma Rousseff; voltaram a funcionar no decorrer da famigerada Operação Lava-Jato; continuaram funcionando quando se retirou ilegalmente da disputa aquele que liderava as pesquisas para presidente em 2018; e seguiram funcionando quando da eleição de um grupelho protofascista e ultraneoliberal ao Planalto Central.
Prosseguiram funcionando quando o Ministério da Justiça se viu transformado na filial revista e atualizada do departamento de polícia de Filinto Müller, famoso torturador do Estado Novo, sob o comando de Sérgio Moro e André Mendonça, dispostos sempre a perseguir opositores, fossem jornalistas, artistas ou agentes públicos.
As instituições estiveram funcionando quando o Brasil voltou ao “Mapa da Fome” e quando caiu para 12º lugar no ranking das nações mais ricas – já fomos a 6ª economia em 2012, à frente do Reino Unido; estiveram funcionando também enquanto atingíamos um patamar estratosférico de desmatamento amazônico; continuam funcionando enquanto detemos um dos sistemas tributários mais desiguais e regressivos do mundo.
O Legislativo segue funcionando às plenas, privatizando e vendendo o patrimônio nacional a preço de banana, mancomunado com o “Posto Ipiranga”.
O Sistema de Justiça também está funcionando, firme no propósito de punir pobres e pretos periféricos por meio de um sistema processual iníquo, fazendo todavia vista grossa à escalada do fascismo que toma de assalto as instituições policiais e militares.
São as mesmas instituições que funcionaram muito bem durante o regime militar.
“O que há de novo na atual quadra histórica, e que sinaliza a superação do Estado Democrático de Direito, não é a violação dos limites do exercício do poder, mas o desaparecimento de qualquer pretensão de fazer valer esses limites. Isso equivale a dizer que não existe mais uma preocupação democrática [...] pode-se afirmar que na pós-democracia desaparecem, mais do que a fachada democrática do Estado, os valores democráticos” (Rubens Casara, Estado Pós-Democrático, Civilização Brasileira, 4ª ed., p. 21).
Tudo, enfim, funcionando à perfeita normalidade neoliberal, ao gosto do andar de cima.
Já para nós, a choldra, a patuleia, a escoalha, para nós, reles mortais, as instituições estão, sim, mais próximas da insolvência.
*Paulo Brondi é promotor de justiça e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
**A coluna Avesso do Direito mostra uma visão mais ampla do direito e suas relações com a vida, a democracia e a pluralidade. Escrita pelos juízes federais José Carlos Garcia e Cláudia Maria Dadico e pelo promotor de justiça Paulo Brondi, todos membros da ABJD. Leia outros textos.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Anelize Moreira