O depoimento do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), ex-ministro da Saúde e atual líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, nesta quinta-feira (12), foi um dos mais tumultuados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Barros acusou a comissão de atrapalhar a compra de vacinas pelo Brasil.
“O mundo inteiro quer comprar vacinas. E eu espero que essa CPI traga bons resultados, porque o negativo já fez muito. Afastou muitas empresas interessadas em vender vacina para o Brasil".
Após a fala, os ânimos de todos os senadores se exaltaram e o presidente Omar Aziz (PSD-AM) decidiu encerrar a sessão após ataques de Barros. "A CPI afastou as vacinas que vocês do governo queriam tirar proveito”, disse o presidente da Comissão.
A comissão também decidiu convocar Barros para um novo depoimento, mas desta vez não na condição de convidado, mas de convocado. “O convite é uma deferência quem a gente faz para quem a gente respeita. A convocação é para quem desrespeita a comissão. Ele está convocado”, afirmou Aziz em coletiva de imprensa no fim da sessão.
Barros chegou a insinuar que a comissão aceita apenas os relatos que contribuem para a construção de uma “narrativa” contra o governo federal. Mais uma vez, Omar Aziz não deixou quieto e respondeu: “Não estou interessado na opinião de depoente sobre a CPI”.
Covaxin
Durante todo o depoimento, Barros tentou desconstruir a denúncia levantada pelo deputado federal Luis Claudio Fernandes Miranda (DEM-DF) e seu irmão Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, que foi o que motivou o convite feito para Barros comparecer à CPI.
À CPI, os irmãos Miranda disseram que o presidente Jair Bolsonaro citou o nome de Barros ao ser alertado de um suposto esquema de corrupção no contrato das 20 milhões de doses do imunizante Covaxin, envolvendo o Ministério da Saúde e a empresa brasileira Precisa Medicamentos, que seria a responsável pela venda da vacina no Brasil, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech. "Se eu mexo nisso aí, você sabe a merda que vai dar. Isso deve ser coisa de 'fulano'”, referindo-se ao líder, teria declarado Bolsonaro, segundo o deputado Luís Miranda.
O líder do governo, no entanto, afirmou à CPI que o envolvimento de seu nome no caso não passa de um “mal entendido”. Barros afirmou que “ele [Luis Miranda] levou ao presidente matérias de imprensa com a minha fotografia tratando do caso da Global. O presidente bate o olho na matéria e diz: esse cara de novo? Vocês sabem me dizer se ele está envolvido [no caso da Covaxin]? E eles [Luis Miranda e o irmão] dizem que não”.
Barros é autor de uma emenda feita à Medida Provisória 1.026, de janeiro deste ano, que prevê condições excepcionais para a aquisição de vacinas. A MP permite à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conceder autorização extraordinária e temporária para a importação e distribuição para quaisquer imunizantes que tenham sido autorizados por um rol de autoridades sanitárias estrangeiras. A emenda de Barros incluiu nesse rol a agência reguladora indiana, Central Drugs Standard Control Organisation (CDSCO).
Um mês depois, Barros criticou a Anvisa em uma entrevista ao jornal GLOBO. “Eu pus uma emenda no dia 3, antes desse episódio, para incluir a agência da Índia na relação das agências, porque é necessário. Tem uma vacina da Índia que nós queremos comprar. E a Anvisa, não. Ela se acha uma agência de elite e só quer dialogar com aquelas que ela acha de elite”, disse, na ocasião.
Em um documento juntado ao relatório em produção da CPI, ao qual a Folha de S. Paulo teve acesso, o dono da Precisa Medicamentos, Francisco Emerson Maximiano, afirmou ao embaixador do Brasil em Nova Déli, na Índia, André Aranha Corrêa do Lago, que uma emenda parlamentar facilitaria o processo de importação.
Até o momento, o presidente Jair Bolsonaro não saiu em defesa de Ricardo Barros. Para Omar Aziz, esse fato pesa contra o líder do governo.
As doses da Covaxin também ainda não chegaram ao Brasil. O contrato foi oficializado em 25 de fevereiro. Após os indícios de irregularidades, o governo federal suspendeu o contrato.
Belcher Farmacêutica
Os ataques de Barros a CPI ocorreram após o relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), fazer questionamentos sobre a empresa brasileira Belcher Farmacêutica atuar como intermediária na negociação de vacinas contra a covid-19 do laboratório chinês CanSino Biologics. O negócio envolvia a compra de 60 bilhões de doses, cada uma por US$ 17, sendo que o esquema vacinal do imunizante se completa com uma única dose.
Desde 10 de junho, no entanto, a CanSino rompeu contrato com a Belcher. Na ocasião, a empresa brasileira soltou uma nota informando que “não mais representa formalmente no Brasil o laboratório chinês CanSino Biologics, por questões técnicas de natureza privada entre as empresas”. Na CPI, Barros afirmou que o descredenciamento mostra que a empresa não tem mais interesse em vender no país, atrelando-o como uma consequência dos trabalhos da CPI.
Ao Valor Econômico, no entanto, o vice-presidente de Negócios Internacionais da CanSino, Pierre Morgon, afirmou que ainda tem interesse em vender o imunizante para o Ministério da Saúde. Segundo Morgon, o descredenciamento se deu por questões de compliance.
Um dos donos da Farmacêutica Belcher é Daniel Moleirinho Feio Ribeiro, filho de Francisco Feio Ribeiro Filho, que são amigos próximos de Ricardo Barros. Daniel chegou a ir até o gabinete de Barros nos dias 9 de julho de 2020, 24 de setembro de 2019 e 24 de junho de 2020, segundo a agência de jornalismo Sportlight. A empresa também é um dos alvos da Operação "Falso Negativo" da Polícia Federal, que apura um esquema de superfaturamento na venda de testes de covid-19.
Global Gestão de Saúde
Barros é réu em uma ação de improbidade administrativa que apura um pagamento antecipado de R$ 20 milhões por medicamentos da empresa Global Gestão de Saúde, da qual Francisco Emerson Maximiano também é sócio. Até hoje, apenas parte dos medicamentos comprados chegou até o Ministério da Saúde.
O contrato foi celebrado em 2017, quando Barros ainda era ministro da Saúde, no governo de Michel Temer. Aos senadores, Ricardo Barros afirmou, no entanto, que não assinou nem autorizou a compra de medicamentos da Global e nem sabe quem dentro do Ministério da Saúde o fez. Sobre os medicamentos que não chegaram, Barros responsabilizou a Anvisa, que teria se negado a entregar a licença de importação.
A Global Gestão de Saúde, assim como a Precisa Medicamentos, não é a fabricante de medicamentos, mas atua apenas como intermediária. A empresa responsável pela produção, na ocasião, era a Sanofi Genzyme. Segundo Barros, escolheu-se trabalhar com a intermediária para abrir a concorrência e porque um preço menor foi apresentado.
Para a comissão, o deputado Ricardo Barros é uma figura que atua com empresas intermediárias na venda de medicamentos ao Ministério da Saúde.
Edição: Anelize Moreira