Vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte de seu marido em 1983, a cearense Maria da Penha Fernandes sobreviveu e virou símbolo de coragem e luta para muitas mulheres que, como ela, tiveram sua história marcada pela violência doméstica. Como forma de reconhecer sua luta e combater as violações dos direitos das mulheres, em agosto de 2006 foi sancionada a Lei nº11.340, nomeada com seu nome: Lei Maria da Penha.
Assim, este mês é conhecido como o Agosto Lilás, mês de combate à violência contra a mulher e que celebra os 15 anos da aprovação da lei. Para falar sobre a importância da data, o enfrentamento a violência doméstica em Pernambuco e ainda os desafios que a mulher encara em espaços públicos, o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou a professora e deputada estadual Teresa Leitão (PT). A parlamentar foi responsável por proposições como a Lei Estadual 12.721, de 2004, que versa sobre a notificação compulsória de casos de violência contra a mulher nas unidades de saúde. Confira os principais trechos da entrevista:
Brasil de Fato Pernambuco: Em dezembro de 2004, Pernambuco, através de um Projeto de Lei (PL) de sua autoria, criou uma lei estadual que trata da "notificação compulsória". Isso no âmbito federal só veio acontecer agora em 2019. Como você analisa a importância dessa ferramenta no enfrentamento a violência contra a mulher?
Teresa Leitão: A violência doméstica, sobretudo, é recheada de muitos disfarces. A notificação compulsória tenta superar aqueles momentos de “a mulher caiu da escada”, “ela deu uma topada”, “deu uma pancada no guarda-roupa”, porque é assim que essas questões eram tratadas no sistema de saúde. Essa notificação preserva a identidade da vítima para ela não ser exposta. E o que fazer com essa notificação compulsória? Criar um banco de dados que pudesse categorizar a faixa etária das mulheres, a ocupação profissional (se ela tiver), classe social, o tipo de agressão, para a partir desse banco de dados, ter políticas públicas de prevenção e de combate à violência doméstica. Então foi bem importante. Foi uma lei que me deu tristeza, porque é triste ter que reconhecer que precisa fazer isso. E ao mesmo tempo, alegria por estar contribuindo com a proteção da vida e da integridade física das mulheres.
Como você vê o estado de Pernambuco nesse enfrentamento contra a violência contra a mulher?
Depois da lei Maria da Penha, as coisas melhoraram bastante. Primeiro, a lei Maria da Penha teve um processo de afirmação. A princípio se dizia que ela não devia funcionar ou que não teria execução prática. Ela ajudou as mulheres a reconhecer uma coisa que acontece com elas e foi muito emblemática. O nome da lei é o nome de uma mulher que foi agredida, quase assassinada, que reagiu e que mostrou sua dor para o público. Isso deu coragem também a muitas mulheres seguirem o exemplo de Maria da Penha. Ao mesmo tempo, foi uma lei que trouxe mecanismos que as administrações têm que cumprir. Não tínhamos um tratamento tão específico à violência doméstica - e o feminicídio posteriormente, porque a lei Maria da Penha também abriu espaço para categorizar o feminicídio como crime um específico praticado contra a mulher e outras formas de violência. Tudo isso veio a público e foi se aperfeiçoando a partir da Lei Maria da Penha. Sem sombra de dúvida, é uma lei importantíssima para nós mulheres.
Como você observa a importância do Agosto Lilás nesse enfrentamento?
Muito importante. Nós temos o 8 de março, que é expandido para o mês de março inteiro, mas são várias pautas. Tem a pauta da saúde sexual e reprodutiva, da igualdade no mundo do trabalho, igualdade na política. A violência foi se agravando tanto… uns dizem que é porque a mulher passou a denunciar e começamos a contabilizar dados que antes eram escondidos, mas eu acho que estamos vivendo também um período onde o machismo, a homofobia, a violência física e simbólica têm ganhado muito espaço, porque temos um governo que estimula isso. Então o Agosto Lilás surge como essa necessidade de tratar as questões de violência e feminicídio. É uma coisa difícil de tratar, mas é um problema da sociedade. Uma sociedade não pode ser considerada democrática se as mulheres forem tratadas desse jeito.
As vereadoras, deputadas e senadoras mesmo ocupando esses cargos não estão imunes. Por isso, há também a proposição de um Estatuto da Mulher Parlamentar, de sua autoria, em conjunto com a Delegada Gleide Ângelo (PSB). Ele cria mecanismos de prevenção, cuidado e responsabilização contra atos de assédio ou outra forma de violência política contra as mulheres, para assegurar o pleno exercício dos seus direitos. Qual a importância de ser pensado a mulher como sujeito nesse lugar da política?
Estamos brigando para sermos também respeitadas nesses locais. Quantas de nós não somos atingidas desde as campanhas eleitorais? Vemos pessoas perguntarem “porque é que fulana está na política? Já não seria hora de se aposentar?”. Essa violência se manifesta como quem diz: vocês estão em um lugar que historicamente não era de vocês. Não, não era. Foi um lugar destinado aos homens, mas a história existe para ser vivenciada e qualquer protagonismo muda a rota da história. E foi isso que nós fizemos. Precisamos ampliar os nossos espaços numericamente e assegurar que esses espaços, ao serem ocupados, sejam respeitados. Depois que aprovarmos esse projeto, vamos ter que cair em campo para ele ser cumprido e fiscalizado.
O que você espera para o futuro?
Espero que as nossas filhas e netas não precisem enfrentar o que a gente enfrentou. Quando estou muito triste aqui na Assembleia, mesmo com nossa bancada de onze deputadas, eu me lembro de Adalgisa Cavalcanti, que foi sozinha aqui durante muito tempo até a ditadura tirá-la. Ela foi excluída dos quadros, o mandato foi cassado, mas deixou uma marca de ter sido a primeira. E mostrou que é possível. Teve momentos que não houve nenhuma mulher aqui nas legislaturas. Agora eu digo que não tem volta. O feminismo veio, está se aperfeiçoando e não tem volta. As mulheres precisam acreditar em si próprias e se unificar em pautas para combater. Não é fácil, a gente avança, avança, depois tem um retrocesso e é necessário que as mulheres tomem conta de sua própria história. Se muitas mulheres vierem para a política, ela inexoravelmente vai mudar, porque as nossas pautas passarão a ser também prioritárias. Não tenham medo desses espaços. E que o Agosto Lilás futuramente seja o agosto que afirme o direito à vida plena e a cidadania de todas as mulheres.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga