Há sete anos, na madrugada de 22 de abril de 2014, cerca de 80 famílias sem terra rompiam as cercas de mais um latifúndio improdutivo no Ceará, a antiga fazenda Sítio Viana, na zona rural do município de Itarema, a 208 km de Fortaleza. Nesta quinta-feira (12) aconteceu a emissão de posse da terra, onde será o novo Assentamento de Reforma Agrária Zé Santana.
O nome do assentamento é uma homenagem a uma das lideranças do assentamento Lagoa do Mineiro, que sempre esteve presente nas lutas pela terra na região. O evento de emissão da posse aconteceu no local da ocupação e contou com participação das vinte famílias que serão assentadas, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), representantes da direção e militância e do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), indígenas, representantes de assentamentos da região, de sindicatos dos trabalhadores rurais de Itarema, da Prefeitura de Itarema e Amontada e a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA).
O ato de emissão de posse teve início às 10h da manhã, com mística, ato político, homenagem aos mártires da luta pela terra e encerrou com um almoço coletivo. Toda a equipe de trabalho e convidados seguiram os protocolos sanitários orientados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com o uso de máscara e mantendo o distanciamento social.
Durante o ato, De Assis Diniz, secretário do Desenvolvimento Agrário do Ceará, destacou a importância dessa conquista para as famílias sem terra.
“É com muita alegria junto com o governador Camilo Santana de poder compartilhar com os irmãos e irmãs que militam e que fazem a história da reforma agrária no estado do Ceará. Estar aqui hoje na antiga Fazenda Sítio Viana é uma alegria muito grande. Poder repassar a terra para mãos de trabalhadores/as para nela plantar e nela viver com dignidade. Parabéns aos homens e mulheres que nessa região fizeram e fazem história, onde muitos homens e mulheres já tombaram na construção dessa luta".
Liliane Martins, da coordenação do novo Assentamento Zé Santana, afirma que hoje foi um dia muito feliz e que será o marco no início um novo ciclo de vida.
“Sempre tive vontade de conquistar um pedaço de terra para minha família. Esse acampamento, que durante sete anos foi meu lar, seguirá como meu lar, mas de forma legal. Hoje deixo de ser uma acampada para me tornar uma assentada da reforma agrária. Sou muito grata a luta do MST por nos proporcionar o acesso à terra. Muito feliz em contribuir na construção dessa luta tão difícil, demorada, mas muito necessária”.
Cosma Damasceno, dirigente estadual do MST, explica que garantir o acesso à terra é garantir a produção alimentos saudáveis.
“Hoje queremos reafirmar que, nesse momento em que vivemos, uma conjuntura difícil, de negação de direitos, retrocesso na reforma agrária, a gente celebrar a vitória e a conquista da terra com nosso novo Assentamento Zé Santana é mostrar que é possível, a luta valeu e vale a pena. Do sangue dos mártires nasce à força e a garra para continuarmos a luta em defesa da vida, dos nossos territórios livres da opressão”, destaca.
O assentamento de famílias acontece por meio da lei nº 16.950 de julho de 2019 de regularização fundiária, intitulada Lei Wilson Brandão, que possibilita o governo do estado, através do Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (IDACE), adquirir terras a serem destinadas à reforma agrária, desse modo, consolidando os assentamentos estaduais.
Caminhada dos Mártires
O litoral cearense sempre foi palco de muitas lutas e conflitos pela terra. Nesta quinta-feira (12) completa 34 anos que Francisco Araújo Barros foi assassinado a mando dos fazendeiros da região. A caminhada dos mártires teve início em 2002, uma articulação entre as CEBs, Comissão Pastoral da Terra e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, com o objetivo de homenagear os militantes da luta pela terra daquela região. Todo dia 12 de agosto é realizado uma caminhada que traz a memória histórica dos militantes que estão na luta em defesa da vida, da dignidade e um lugar para plantar, colher os frutos e vivenciar a liberdade da terra conquistada.
“A caminhada dos mártires teve início com o objetivo de homenagear os nossos mártires da luta pela terra, que doaram suas vidas para que a gente pudesse estar hoje aqui em nossa terra conquistada, é uma forma de manter viva a memória, repassar para nossa juventude, crianças e as novas gerações, para que nunca esqueçam do que passamos, do que vivemos até chegar aqui”, comenta Neide Martins, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Nesta quinta também foi o Dia de Luta Contra a Violência no Campo e por Reforma Agrária, a data lembra o assassinato de Margarida Maria Alves, em Lagoa Grande, na Paraíba, em 1983.
Contexto da luta pela terra no Ceará
O MST surgiu no Ceará em 1989 quando, com apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Quixeramobim,. Na ocasião ocorreu a primeira ocupação de terra no estado, na fazenda Reunidas de São Joaquim, um latifúndio localizado entre três municípios do sertão central do estado: Quixeramobim, Madalena e Boa Viagem, onde hoje é o Assentamento 25 de Maio.
Desde então, a luta seguiu durante conjunturas difíceis, com governos que não tinham a reforma agrária como prioridade, contudo, as ocupações seguiram acontecendo e tirando milhares de famílias da fome, da miséria e das cercas do latifúndio. Atualmente, o MST está presente em mais de 60 municípios, em todas as cinco macrorregiões do Ceará. São mais de 200 assentamentos federais e estaduais, 17 acampamentos rurais, duas comunas urbanas, e uma grande ocupação no Perímetro Irrigado Jaguaribe Apodi, em Limoeiro do Norte, local antes destinado apenas para empresários, proprietários e ao agronegócio.
Fonte: BdF Ceará
Edição: Francisco Barbosa