O sonho de Bolsonaro de um golpezinho verde-oliva acabou em dezenas de memes e derrotas
Olá! O desfile de carros alegóricos no Planalto não foi suficiente para o governo ganhar a PEC do voto impresso, nem para barrar a CPI. Mas isso não significa que ele tenha perdido. Perdido nesta semana, só mesmo os direitos trabalhistas.
.Xô mosquito! É verdade que a Operação Formosa ocorre todos anos desde 1988, mas nunca havia passado pela Esplanada. O ato assemelha-se ao cortejo do gen. Newton Cruz às vésperas da votação das “Diretas Já” em 1984. Mas Thomas Milz considera que a ameaça de uso da força por Bolsonaro não está mais surtindo efeito. Além de um desfile esvaziado de público, alguns equipamentos mostraram a defasagem tecnológica do arsenal brasileiro, que conta com blindados em uso desde os anos 1970 comprados dos Estados Unidos. Um dos motivos da precariedade é que, apesar do enorme orçamento, a maior parte dos gastos militares é com pessoal (salários, aposentadorias e pensões). É uma enorme massa humana bem paga e com tempo de sobra para espalhar fake news na internet. Para Igor Gielow, o desfile teria criado constrangimento no comandante do exército, gen. Paulo Sérgio Oliveira. E Juliana Dal Piva acrescenta que o gen. Braga Netto estaria mal visto por seus colegas por instrumentalizar o exército para fins políticos. No entanto, a avaliação do cientista político Octavio Amorim Neto é diferente. Para ele, o desfile completa o entrelaçamento das Forças Armadas com o governo. Prova disso é que a agenda de atividades do capitão com as Forças Armadas será movimentada até 7 de setembro. Bolsonaro, que já tinha o “seu exército”, agora tem a “sua marinha” devido ao notável esforço do comandante Garnier Santos em mostrar fidelidade ao capitão. E o gen. Mourão se converteu de vez no “patinho feio” entre os militares, sem nem ser convidado para o evento.
.Perdeu ou ganhou? O sonho de Bolsonaro de um golpezinho verde-oliva acabou em dezenas de memes e em derrotas no Congresso: o Senado aprovou o texto-base que revoga a Lei de Segurança Nacional, usada e abusada pelo governo para perseguir adversários, e a Câmara derrubou a PEC do voto impresso. Mais uma vez, os vencedores foram Arthur Lira e o centrão que demonstraram autonomia em relação ao governo. Apenas 16 dos 41 deputados do partido de Lira e Ciro Nogueira votaram com o governo. O mesmo aconteceu com outro pilar do centrão, o PL, onde apenas 11 deputados votaram pela PEC. Para os mais ingênuos, a derrota poderia frear os impulsos golpistas do governo. O que a live semanal provou mais uma vez ser ilusão, sendo respondida pela quinta investigação no STF, indicando que a tensão entre os poderes vai continuar alta. Mas o Planalto também tem o que comemorar. Com uma pauta que não existia há dois meses atrás, Bolsonaro conseguiu desviar atenção das suspeitas na compra de vacinas e manter sua base fiel coesa e mobilizada. Sem dúvida, mais do que os tanques na rua, a pressão das lideranças evangélicas fez diferença e conseguiu reverter alguns votos, assim como o engajamento do PSL, do Republicanos e do Podemos. Mesmo com a derrota, o discurso trumpista de que as eleições do próximo ano não serão confiáveis continua vivo, sustentado por mais mentiras. E tudo bem, porque segundo a AGU e a Secretaria Geral da Presidência, mentir é um direito da liberdade de expressão de Bolsonaro. Além disso, o resultado revelou a incapacidade da oposição pela direita em se descolar do bolsonarismo - 14 deputados do PSDB votaram a favor do voto impresso, 12 contra e 6 se abstiveram ou se ausentaram - o que reforça a tese de que a direita venha a se juntar outra vez ao capitão diante da possibilidade de uma vitória de Lula.
.Yes, nós temos Um Banana. A vergonhosa imagem da tanqueciata de Bolsonaro e Braga Netto atravessou as fronteiras e repercutiu também na mídia internacional. O inglês The Guardian definiu como um ato de uma “República de Bananas”, enquanto o New York Times publicou uma charge em que Bolsonaro desfilava em um tanque identificado como “ditadura”. Segundo Jamil Chade, a repercussão na Europa e na OEA reforçam o isolamento internacional do Brasil, pois ninguém quer fechar acordos com um país que não respeita minimamente os valores democráticos. Isso quando o Tribunal de Haia recebe a terceira denúncia contra Bolsonaro por genocídio, ainda que seja um ato mais simbólico do que efetivo. Porém, para o professor de Relações Internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, as reações da comunidade internacional a um golpe de Bolsonaro talvez sejam apenas simbólicas mesmo. Stunkel lembra que o Brasil já está isolado e que Bolsonaro nunca se importou com isso e que os interesses de grupos econômicos, como o agronegócio, enfraqueceriam medidas de sanções econômicas. Mas Bolsonaro jogaria principalmente com o medo dos EUA de que a China aumente sua influência e negócios no país. Parece fazer sentido. No encontro do conselheiro de segurança dos Estados Unidos, Jake Sullivan, com Bolsonaro e ministros, o assessor de Biden manifestou sua preocupação com as intenções golpistas do brasileiro. Em resposta, Sullivan teve que ouvir da trupe que as eleições americanas foram fraudadas e que Trump seria o legítimo presidente - com Eduardo Bolsonaro se encontrando com o ídolo da família nos EUA na mesma semana. E ainda assim, Sullivan prometeu apoio à entrada do Brasil na OCDE caso o país barre a China e a Huawei no leilão da faixa 5g.
.Estica e puxa. Quem também não está gostando nada das aventuras do capitão é parte do PIB brasileiro. A inquestionavelmente bilionária Maria Alice Setubal, herdeira do conglomerado Itaú, abriu o voto em Lula. Mas para além da instabilidade política, a elite financeira está assustada com as ameaças ao equilíbrio fiscal que a operação reeleição pode trazer. O improvisado “pacote de bondades” do governo inclui isenção para o diesel, um novo Bolsa Família e algum aceno para o funcionalismo, tudo isso somando R$ 67 bilhões. Ao mesmo tempo, Bolsonaro deixa o trabalho sujo nas mãos de Arthur Lira, mais competente para passar as medidas pró-mercado do que Paulo Guedes, a exemplo da minirreforma trabalhista. O problema é que os novos gastos da operação reeleição desafiam as crenças de Paulo Guedes na austeridade e a solução ideal seria uma reforma tributária que transfira recursos de Estados e municípios para a União, o que é improvável já que o tema é complexo e envolve muitos interesses, alerta o presidente do Senado. O atalho encontrado por Guedes é dar o calote nos precatórios. Porém, Maria Cristina Fernandes aponta que o governo armou uma armadilha para si mesmo: como cada uma dessas medidas tramita separadamente, o Congresso poderia aprovar o aumento do Bolsa Família e vetar o calote, deixando o governo sem recursos. Outro problema é que, com o empoderamento do centrão, as demandas do governo precisam competir com as pautas de interesse de deputados e senadores. A prioridade dessa semana foi a reforma política, feita sem discussão e a toque de caixa. Embora o chamado Distritão seja um sistema retrógrado, vigente durante o Império e a República Velha, na prática ele funcionou como “o bode na sala” que permitiu o retorno das coligações eleitorais, extintas pela reforma de 2017. Neste caso, o pragmatismo é geral, o que inclui o posicionamento dos partidos de esquerda.
.Charlatões e encrenqueiros. O clima de indefinição de não saber quem perdeu ou ganhou contaminou inclusive a CPI. O esperado depoimento do deputado Ricardo Barros realmente surpreendeu por apresentar algo que não tinha sido visto até agora na comissão: unidade e eficácia na ação governista. Político cascudo, Barros adotou duas táticas bolsonaristas desde o início da sessão: partiu para a ofensiva para criar tumulto - criando intrigas com Randolfe e Renan Calheiros - e depois invertendo a realidade, quando acusou a CPI de impedir a chegada de vacinas ao país. Ou como resumiu Leonardo Sakamoto, “a tática do pombo no tabuleiro de xadrez”: defecam no tabuleiro, derrubam as peças e voam cantando vitória. O canto de vitória foi dado em entrevista coletiva por Barros, após a suspensão da sessão, ladeado pela tropa de choque governista, o que comprova rara lealdade bolsonarista: nem Barros abandonou o capitão, nem vice-versa. A tática pode comprometer Barros, que será agora convocado e não mais convidado. Por outro lado, avalia o GGN, a conexão umbilical de Barros com Bolsonaro pode ser perigosa para o capitão: se o primeiro cair, é provável que leve junto o segundo. Mas tudo isso funcionou para frear a CPI mais uma semana, sem engrenar desde o recesso. Até o momento, o depoimento do tenente-coronel Hélcio Franco apenas confirmou que o Ministério da Saúde virou um balcão de negócios para comprar vacinas que não existiam. Além de outros negócios articulados e instrumentalizados pela disseminação de fake news ou no esquema de desvios de verbas da Secom para propagandas do governo nas redes de aliados e com celebridades bolsonaristas. Ainda assim, nesta semana, Renan Calheiros apresentou uma prévia do relatório final, onde Bolsonaro aparece possivelmente envolvido em cinco crimes: pandemia, curandeirismo, infração de medida sanitária preventiva, advocacia administrativa e corrupção passiva.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.“Nossa história está cheia de intervenções militares. Todo cuidado é pouco”. Em entrevista ao Jornal GGN, o ministro aposentado do Supremo Sepúlveda Pertence discute o papel dos militares da Anistia até o desfile bolsonarista.
.Sem internet nem aprendizagem. A Piauí organiza os infográficos da desigualdade da educação na pandemia, onde apenas 6,6% das escolas públicas forneceram internet em domicílio para os alunos e ⅓ da rede pública não teve qualquer tipo de aula à distância.
.Militarismo é nova onda no TikTok. Apuração do Núcleo Jornalismo mostra como a rede social TikTok se tornou um nicho de conteúdo militarista e belicoso.
.A Amazon tenta forjar o Trabalhador-Vassalo. Outras Palavras traduz artigo do sociólogo grego Panos Theodoropoulos sobre as transformações da Amazon no mundo do Trabalho e as possibilidades de resistência.
.Um escritor em busca da fórmula mágica da paz. Autor de Os Supridores, romance de impacto pelas questões sociais e pela linguagem, José Falero tem sua formação como escritor reconstituída no El País.
.Veias abertas da América Latina, 50 anos. A obra magna de Eduardo Galeano completa meio século e segue dolorosamente contemporânea. Leia a resenha de Silvane Ortiz no Outras Palavras.
.Cinema: um rebelde no Brasil escravocrata. No Outras Palavras, José Geraldo Couto comenta o filme brasileiro “Doutor Gama” que reconstrói a trajetória do herói abolicionista Luiz Gama.
Obrigado por nos acompanhar. Você pode recomendar a inscrição na newsletter neste link aqui. Até a semana que vem!
Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Vivian Virissimo