O número de vítimas do terremoto de magnitude 7,2 (escala Richter) que atingiu o sul do Haiti no último sábado (14) não para de crescer. Segundo a última parcial, foram pelo menos 1,4 mil mortes, cerca de 6 mil feridos e 13 mil casas destruídas.
Brasileiros que vivem no país relatam dificuldades no deslocamento e empecilhos às instituições que pretendem levar ajuda.
“Não tinha ninguém preparado para isso. Essa é a verdade, infelizmente”, afirma o pesquisador Werner Garbers, diretor do Centro Cultural Brasil-Haiti. Ele está na capital Porto Príncipe, que fica quatro horas distante do epicentro, onde os tremores foram sentidos com menor intensidade.
O país ainda não havia se recuperado completamente do último grande terremoto, que matou 300 mil pessoas em 2010, quando foi surpreendido por mais uma catástrofe.
Se desta vez o número de vítimas fatais deve ser inferior, o que chama atenção é o grande número de desabrigados. No departamento de Grand’Ance, segundo informações de rádios locais, mais de 50% das casas foram destruídas.
“Ter casa logo é uma prioridade”, ressalta Garbers, que está em contato com cerca de 30 famílias atingidas.
“Não tem nenhuma informação de um campo onde pessoas estejam refugiadas. O que eu tenho recebido são fotos das pessoas nos escombros do que eram suas casas. Elas pegam as telhas, fazem um puxadinho com lençol, e isso é muito perigoso, porque terremotos assim costumam ter réplicas. Então, é uma situação angustiante”, descreve.
Para piorar a situação, de acordo com o Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos (NHC), tempestades severas poderão provocar inundações e deslizamentos de terra na região nas próximas horas.
“Hoje saiu uma comitiva de movimentos sociais e partidos políticos para ir à região [atingida] para prestar solidariedade”, relata Ricardo Cabano, membro da Brigada Internacionalista Dessalines do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Haiti.
A brigada viajou do centro-norte do país em direção ao sul logo após o terremoto, mas não conseguiu embarcar rumo ao epicentro devido às condições metereológicas.
“Está prevista uma tempestade tropical, que pode se tornar um ciclone. Já está chovendo bastante na região de Porto Príncipe”, acrescenta Cabano.
Deslocamento difícil
Para além do ciclone, outros dois fatores dificultam o tráfego.
“Está difícil chegar lá. Tem rochas bloqueando as estradas, então fica difícil passar de carro. O acesso é mais fácil com moto, pelo mar, ou por avião”, afirma o brigadista do MST.
“Já que não pudemos ir hoje, nossa ideia é amanhã, logo cedo, partir para a região onde aconteceu o terremoto.”
Werner Garbers chama atenção para um problema de segurança pública.
“Para sair de Porto Príncipe e levar doações ao sul do país, não se consegue passar porque tem gangues que extorquem as pessoas no caminho e que já dão problema há muito tempo, especialmente de dois ou três anos para cá”, diz.
A violência é um dos reflexos da crise política que o país enfrenta, e que culminou no assassinato do então presidente Jovenel Moïse em 7 de julho.
“A gente já estava vivendo uma crise de empobrecimento da população, um neoliberalismo avassalador e um processo de insegurança muito grande. Em meio a tudo isso, chega esse terremoto”, ressalta o diretor do Centro Cultural Brasil-Haiti.
“Por isso, aqui a gente costuma falar que o desastre não é natural, mas primeiramente social. Ele é exponenciado pela dominação, pela miséria e pela desigualdade.”
Garbers exemplifica como a ação humana contribui para o agravamento dos danos.
“Tivemos no Haiti a privatização de fábricas de cimento. Foi um processo bem triste, que fez com que as casas fossem construídas com muito mais areia do que cimento, se tornando muito mais frágeis”, lembra.
Sem poder se deslocar à região atingida para levar comida – como fez em 2016, após o furacão Matthew –, o brasileiro tem contribuído com redes de ajuda locais para envio de recursos.
Muitos brasileiros têm entrado em contato com o diretor do Centro Cultural Brasil-Haiti com desejo de ajudar a população haitiana diante da catástrofe.
“Redes de ajuda já existem. A diáspora é muito forte, [a população haitiana no exterior] envia mais de 50% do PIB para cá mensalmente, e é acionada nos momentos de tragédia”, enfatiza o pesquisador.
“Essa imagem de que o estrangeiro vem para salvar o Haiti é questionável: quem quer ajudar o Haiti deve falar com haitianos. Eles já fazem parte dessas redes de ajuda. É um país pequeno, todo mundo conhece alguém no sul, ou mesmo familiares que foram vítimas ou perderam suas casas.”
A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), de 2004 a 2017, por exemplo, só fez piorar os índices de insegurança no país. Na avaliação de Garbers, faltaram investimentos em infraestrutura, saúde e educação, contribuindo para o aprofundamento da crise política e social.
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O primeiro turno das eleições que vão definir o substituto de Jovenel Moïse está marcado para 7 novembro.
Edição: Leandro Melito