Nos últimos 18 meses, a resposta que Marta Esperti mais tem escutado dos médicos é: "Você vai ter que esperar passar." Mas ela sentiu que esperar não era uma opção: se antes adorava viajar e fazer ginástica, agora ficava sem fôlego só de fazer o almoço
Os surtos de febre, vômitos, fadiga, taquicardia, perda de memória e o nível de oxigenação perigosamente baixo persistiam, mais de um ano após a doutoranda contrair covid-19. Após se consultar com numerosos especialistas na França e na Itália, seu país natal, pagando as despesas médicas do próprio bolso, ela finalmente recebeu o diagnóstico: covid longa.
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Os exames indicaram consideráveis danos a seu coração e pulmões. "Tenho raiva. Durante um ano não me levaram a sério", desabafa à DW a residente em Roma. "Talvez, se alguém tivesse escutado, eu teria tido uma chance de me recuperar."
"Como hipocondríacos histéricos"
Esperti é uma entre milhões de pacientes que, semanas ou até meses após uma infecção aguda com o novo coronavírus, seguem tendo sequelas que podem abranger de fadiga a confusão mental e dificuldade respiratória.
Isso ocorre com cerca de 15% dos que contraem a covid-19, mesmo passadas 12 semanas, segundo um estudo da Real-time Assessment of Community Transmission (REACT), do Reino Unido. Mulheres e idosos são mais propensos ao fenômeno, mas homens e crianças também são afetados.
Cientistas ainda estão procurando as possíveis causas da dificuldade de diagnosticar e tratar a patologia. Para muitos pacientes com covid longa, a visita ao médico pode se transformar numa batalha para se fazer acreditar.
Como foi o caso de Alexandra Farrington, que apenas alguns dias atrás ouviu que os sintomas só estavam na sua cabeça. A americana, que trabalha com consultoria de dados e negócios na cidade portuguesa do Porto, se infectou com o vírus em março de 2020 e ainda sente dor no peito, falta de ar e fadiga. Segundo ela, o pessoal médico tende a ser compreensivo até que fica sem saída por não conseguir encontrar um diagnóstico.
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Um cardiologista lhe disse para nunca mais voltar a seu departamento. "Sinto-me derrotada. Às vezes parece que tenho mais informação do que o médico", comenta Farrington, que tenta manter-se em dia sobre as mais novas descobertas sobre a covid longa.
Em Hastings, na Inglaterra, a artista americana Tiffany McGinnis também reclama de não ter sentido apoio por parte dos médicos quando passou a ter ataques de pneumonia recorrentes e dor no peito após a infecção, sintomas que acabaram passando após 14 meses. "A maioria dos médicos tratou a nós, os primeiros casos, como se fôssemos hipocondríacos histéricos."
Medicina especializada bate em seus limites
A imunologista Akiko Iwasaki, da Universidade de Yale, se dedica à pesquisa das causas da covid longa, assim como de outras síndromes pós-infecção, para que os médicos possam fornecer tratamento mais adequado.
Os problemas que os pacientes atuais estão relatando – fadiga extrema, dores, dificuldade de concentração – são comparáveis aos resultantes de outras doenças no passado.
"O histórico é que esses sintomas têm definitivamente sido descartados. Houve muito poucos estudos científicos, apesar do impacto severo que essas condições têm sobre os indivíduos."
Agora muitos pacientes com covid longa relatam o mesmo descaso. Com o surgimento da covid-19, de repente há milhões desenvolvendo uma amplitude de sintomas que vão de neurológicos a cardiológicos ao mesmo tempo, deixando médicos atônitos.
"Quando tantos sistemas estão envolvidos, um especialista não sabe como lidar. Precisamos mudar isso", reivindica Iwasaki.
Alguns países estão ampliando as pesquisas sobre as consequências de longo prazo das infecções com o coronavírus Sars-Cov-2. O Congresso dos Estados Unidos dedicou mais de US$ 1 bilhão aos Institutos Nacionais de Saúde, para esse fim; o governo britânico investiu quase 20 milhões de libras (US$ 27,54 milhões) numa série de estudos.
Ceticismo, o grande inimigo
Por todo o mundo, clínicas para a covid longa já oferecem cuidados especiais aos atingidos pela síndrome, porém muitos ainda não têm acesso a esse tratamento. E os felizardos que têm, podem ainda enfrentar incredulidade em outros círculos.
Para Amy Pelicano, diretora de gestão de projetos em Cincinnati, EUA, a maior carga de ceticismo parte de sua própria família. Antes de contrair covid-19, nos primeiros tempos da pandemia, ela adorava fazer acrobacias com as netas: mais de um ano depois, ainda tem uma tosse persistente que a impede de falar, além de névoa mental e frequência cardíaca alta.
Especialistas diagnosticaram covid longa, sem qualquer dúvida, e lhe deram grande apoio, conta. No entanto, diversos parentes insinuaram que ela só estava sendo preguiçosa, fazendo-a duvidar de si.
"Além de me sentir mal fisicamente, me sinto pior emocionalmente, por não ter apoio sólido da minha família, exceto do meu marido." Assim, Pelicano teve que recorrer a um psicoterapeuta.
Em Londres, a/o estudante Yas, que não adota um gênero binário, teve que fazer um certo trabalho de convencimento, antes de ser levada/o a sério. Ela/e agora precisa de muletas ou de cadeira de rodas para se locomover, tão severa é a sua fadiga pós-covid.
De início, muitos pensaram que estivesse exagerando, pois seu pai tivera um caso mais brando de covid longa e conseguia fazer mais coisas. Mas desde então a família e o médico passaram a apoiar mais Yas. "Era frustrante, porque eu sempre tentava fazer meu melhor, então nunca parecia suficiente. Desde que começaram a acreditar em mim, minha saúde mental melhorou muito."
Conscientização
Após levarem meses se justificando para seus médicos e entes queridos, alguns pacientes com covid longa encontraram conforto mútuo. Em grupos de apoio online, eles partilham suas experiências e recursos: lá não são apenas acreditados, mas compreendidos e ajudados.
Para Farrington, o grupo de ajuda a fez "se sentir legitimada". "É uma das razões principais por que eu continuo resistindo."
Em Roma, Esperti passou a advogar pessoalmente a causa, fundando a Long COVID Italia, grupo que une pacientes, pesquisadores e médicos na luta por mais conscientização em torno da síndrome.
Pois, enquanto a covid longa não se tornar uma prioridade de saúde pública, adverte Esperti, muitos terão que investir seu próprio tempo, economias e energia para serem simplesmente acreditados: "Precisamos que os governos se mobilizem, fornecendo tratamento, reabilitação e apoio financeiro. Porque eu perdi 18 meses da minha vida."