- Não tem grau, não. Eu uso só porque gosto.
Usar óculos, para algumas pessoas é um incômodo, mas outras gostam, por motivos diferentes.
Uma colega de trabalho, a Fernanda, era doida para usar óculos, mas não tinha nenhum problema na vista e reclamava dos oftalmologistas que não receitavam para ela. Até que conseguiu convencer um a lhe receitar uns óculos com 0,25 grau de miopia.
Ficou feliz... E acabou revelando que tinha a maior vontade de ter cara de intelectual e, para isso, achava que precisava usar óculos.
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Outra pessoa interessante era o Joaquim, colega de faculdade, que usava sempre uns oclinhos pequenos. Uma vez, viajando de carona pelo Nordeste, iam duas pessoas na cabine, conversando com o motorista, e na carroceria iam mais quatro pessoas, entre elas o Joaquim.
Numa distração, quando o caminhão passou por um buraco e deu um tranco, uma colega que estava ao lado dele esbarrou no seu rosto, os óculos caíram e uma lente trincou. Ele ficou muito triste, macambúzio, não falava mais nada. A Olga, companheira de viagem, ficou com pena e foi lendo todas as placas para ele: “A 100 metros, posto de combustíveis”; “Picos -10 km”. Foi um dia inteiro assim. E ele não falava nada.
No final da tarde, alguém sugeriu:
- Em Teresina a gente vai direto a uma ótica... Você sabe quantos graus tinham seus óculos?
Ele respondeu:
- Não tem grau, não. Eu uso só porque gosto.
Quase apanhou da Olga, que perdeu tempo lendo placas para ele.
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Mas o pior de todos, para mim, foi o Tenório, colega de trabalho no Sesc. Ele tinha uns graus de miopia e usava óculos. Um dia apareceu com uma receita de lentes de contato e fez um discurso contra os óculos, dizendo que era coisa ultrapassada, que incomodava o nariz e não sei que mais. Lentes, sim. Eram melhores e não incomodavam. Mandou fazer as lentes.
Aí, bom... apareceu no trabalho usando óculos. Falei:
- Uai, Tenório... Você não vai usar as lentes de contato?
- Estou usando - disse com ar de tédio.
- Mas está de óculos também... - falei.
Ele falou que eram óculos sem grau. Fiquei encafifado e perguntei:
- Então... Você fez um discurso a favor das lentes de contato e agora põe óculos sem grau em cima. Por quê?
Ele falou:
- É estético...
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Daniel Lamir