Na Bolívia, o Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes divulgou um relatório sobre as investigações relacionadas ao golpe de Estado de 2019 e o governo da autoproclamada Jeanine Áñez. O documento reitera que houve ruptura da ordem constitucional, perseguição política, massacres e abuso policial.
O presidente Luis Arce pediu ao Parlamento que aprove o quanto antes a abertura de processos contra os responsáveis e assegurou que o Estado irá desestruturar grupos armados irregulares.
"Hoje devemos estar a altura das circunstâncias para que justiça seja feita, por isso todas as forças políticas devem assumir essa responsabilidade que se traduz em compromisso com a democracia", declarou o chefe de Estado boliviano.
(Hilo) Cada hombre que perdió la vida en estas masacres debe convertirse en la razón de la existencia del Estado mismo. #MemoriaVerdadYJusticia pic.twitter.com/zmYv5plx49
— Luis Alberto Arce Catacora (Lucho Arce) (@LuchoXBolivia) August 17, 2021
O relatório, que analisa o período de 1º de setembro a 31 de dezembro de 2019, foi apresentado em uma cerimônia pública no Banco Central da Bolívia. Os especialistas confirmam as 37 vítimas mortais das massacres de Senkata e Sacaba, em novembro de 2019. Também apontam que houve perseguição política contra movimentos populares e indígenas. Um dos casos mais emblemáticos foi o linchamento público da ex-prefeita de Vinto e atual senadora, Patrícia Arce Guzmán.
O GIEI ainda assegura que houve execuções sumárias, abuso sexual, agressões a jornalistas e que a violência foi implementada pelos corpos de segurança do Estado com apoio de grupos armados irregulares, como a Resistência Juvenil Cochala e a União Juvenil Cruceñista – vinculada ao atual governador de Santa Cruz e protagonista do golpe, Luis Fernando Camacho.
Além disso, sugerem que o Estado boliviano pense em uma reestruturação das forças de segurança "para superar um comportamento autocrático".
:: Presos políticos após golpe na Bolívia relatam violências, arbitrariedades e traumas ::
Atendendo as indicações do grupo de especialistas, o presidente boliviano já anunciou que irá anular o Decreto 4461, que confere anistia a políticos, e irá criar uma comissão para realizar um censo das vítimas e oferecer reparação integral.
Movimentos populares e indígenas realizaram uma manifestação em La Paz, na última terça-feira (17), exigindo memória, verdade e justiça às vítimas do golpe de Estado / Presidência Bolívia
Golpe
Em outubro de 2019, após vencerem a quinta eleição consecutiva, Evo Morales e Alvaro García Linera foram obrigados a renunciar por pressão das Forças Armadas. Enquanto isso, a Polícia Nacional organizou motins e todos os sucessores vinculados ao Movimento Ao Socialismo (MAS-IPSP) foram perseguidos para deixar o caminho livre para a autoproclamação da então senadora, Jeanine Áñez.
Após a ascensão de Arce, em outubro do ano passado, o Ministério Público da Bolívia abriu um processo aberto para investigar o golpe de Estado e já decretou a prisão preventiva de Áñez, quatro ex-ministros e membros das Forças Armadas.
Leia também: Brasil participou do golpe de Estado na Bolívia, diz Evo a jornal argentino
O ex-comandante das Forças Armadas, Williams Kaliman, assim como ex-ministro de Governo, Arturo Murillo viajaram aos Estados Unidos, foragidos da justiça. Murillo foi preso por suborno e lavagem de dinheiro, sua extradição não foi confirmada pelas autoridades estadunidenses. Enquanto há suspeitas de que o ex-ministro de Defesa, Fernando López continue no Brasil, depois de fugir das investigações no seu país.
Patricia Arce Guzán era prefeita da cidade de Vinto e foi linchada durante o golpe de Estado na Bolívia / ABI
Repercussão
As denúncias de suposta fraude eleitoral, que nunca foram confirmadas, foram promovidas pela Missão de Observação da Organização dos Estados Americanos, considerada protagonista no golpe.
O secretário geral da OEA, Luis Almagro, afirmou que tomou nota do informe e que o documento contém "elementos importantes a serem apresentados na Corte Penal Internacional e na Corte Internacional de Justiça".
Em resposta, o vice-chanceler boliviano, Freddy Mamani, reiterou que "o golpe aconteceu com a participação de Almagro" e ainda acrescentou "ele perdeu toda credibilidade no âmbito multilateral. Almagro se converteu num ministro de colonização do Governo dos Estados Unidos".
A encarregada de negócios da embaixada dos EUA em La Paz, Charisse Phillips, esteve presente no evento e se solidarizou com as vítimas.
Alguns opositores tentam usar o informe a seu favor. O ex-candidato à presidência, Carlos Mesa disse que respalda as informações, mas que os processos só poderão ser abertos após uma reforma judicial, afirmando que os atuais magistrados estão "submetidos ao MAS e não são confiáveis".
Coincidimos y respaldamos el informe del GIEI: la reforma del sistema judicial y fiscal y el cambio de sus operadores son requisitos para garantizar justicia y debido proceso en los casos que deben juzgarse. Hoy, jueces y fiscales sometidos al MAS no son confiables ni imparciales
— Carlos D. Mesa Gisbert (@carlosdmesag) August 17, 2021
Enquanto Luis Fernando Camacho e Jeanine Áñez pedem que o ex-presidente Evo Morales também seja investigado, afirmando que houve um "vazio de poder" e não um golpe de Estado.
O ex-representante do Alto Comissionado da ONU para Direitos Humanos na Bolívia, Denis Racicot recomendou que o relatório do GIEI seja usado como instrumento para refletir sobre os fatos, além de buscar justiça e reparação às vítimas.
"É um catálogo de todas a violações. É fundamental parar de tergiversar os direitos humanos, que têm sido manipulados por uma ótica política, devemos olhar essa situação na sua integralidade", declarou Racicot.