Trabalhadores de Guarulhos (SP) estão prestes a conquistar um feito inédito no Brasil: a realização de um referendo popular municipal.
Foram oito meses de mobilização contra o fechamento da empresa pública Proguaru, especializada em serviços de limpeza urbana, obras de edificações e de infraestrutura.
A Lei 7.879, de dezembro de 2020, autorizou a extinção da Proguaru alegando que a empresa causaria prejuízos financeiros ao município.
A comissão de trabalhadores da empresa reagiu e passou a coletar assinaturas da população. Segundo o Artigo 36 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos, “são obrigatoriamente submetidas a referendo popular as leis, e emendas à Lei Orgânica até 01 (um) ano após a sua promulgação, quando assim requererem 1% (um por cento) do eleitorado”.
Ou seja, seria necessário reunir cerca de 10 mil assinaturas para solicitar oficialmente a realização do referendo, nos termos da Lei 9.709 da Constituição Federal.
A meta foi superada no início de agosto. Quando a lista de assinaturas foi entregue à Câmara Municipal, na semana passada, já eram 14.730.
O presidente da Câmara Municipal, Fausto Martello (PDT), tinha um mês para encaminhar o pedido ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), mas o fez em menos de dois dias, na última quinta-feira (12).
O protocolo entrou no sistema do TRE no dia seguinte. O referendo deverá ser realizado em até 60 dias a partir da confirmação pelo órgão eleitoral.
Virada de hegemonia?
Representante da comissão de trabalhadores, Raul Nascimento afirma que a coleta de assinaturas para convocação do referendo é uma resposta à crise de representatividade que o país vive.
Ele compara o esforço dos moradores de Guarulhos aos movimentos que resultaram na convocação de um plebiscito nacional no Chile, em 2020, para “enterrar” a Constituição da ditadura de Augusto Pinochet.
“É uma tática de reação ao neoliberalismo, parecida com o que aconteceu no Chile”, diz. “O mecanismo do referendo popular vai nessa linha. Imagina se a população de Guarulhos se anima e começa a chamar outros?”
Movimentos populares e até setores da Igreja Católica se envolveram na coleta de assinaturas, o que permitiu ampliar a adesão.
“É como se a gente estivesse enxergando na cidade uma virada de hegemonia. Até então, temos o domínio de um grupo mais provinciano, e talvez esteja acontecendo uma virada para um campo mais popular”, projeta Nascimento.
O trabalhador enfatiza a importância da Proguaru para o município, em um contexto de aumento do desemprego no país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil superou os 14,8 milhões de desempregados em julho.
“Essa empresa é a porta de entrada para pessoas de baixa renda [no mercado de trabalho], o pessoal da varrição. E não tem distinção de credo, raça, gênero”, elogia.
“É a maior empregadora da cidade, com quase 5 mil trabalhadores. É muita gente. Em todo lugar que você vai, alguém trabalha lá.”
Nascimento ressalta que a mobilização ocorreu em plena pandemia de covid-19, e faz uma analogia com a famosa frase do então ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, durante reunião ministerial em 2020.
“O Salles disse que queria aproveitar a pandemia para passar a boiada. Nós aproveitamos para fechar a porteira”, finaliza.
Edição: Vivian Virissimo