O golpismo se tornou a solução mágica de Bolsonaro para qualquer problema
Olá! O exército fundamentalista avança. Mas para que o plano golpista dê certo, Bolsonaro terá que resolver alguns problemas no caminho: controlar a fome de poder do centrão, neutralizar o judiciário, enfrentar a popularidade de Lula e salvar seus próprios filhos da prisão.
.Todo mundo já sabe. O golpismo se tornou a solução mágica de Bolsonaro para qualquer problema. Mesmo depois do patético desfile militar na Esplanada e da derrota da PEC do voto impresso no Congresso, o capitão continua alimentando a paranoia de seus seguidores e subordinados dentro do governo. O seu mais novo alvo é o ministro do STF Alexandre de Moraes, que autorizou a prisão do bolsonarista Roberto Jefferson, presidente do PTB, a pedido da Polícia Federal. O 7 de setembro é a nova data que Bolsonaro escolheu para marcar uma espécie de virada na mobilização das hostes golpistas. Mas Bolsonaro não está sozinho. Ele conta com a ajuda de seu fiel escudeiro, o generanl Heleno, que andava desaparecido, e que ressurgiu para fazer ameaças com a possibilidade de uma “intervenção militar constitucional”, baseado num suposto “poder moderador” atribuído ao artigo 142 da Constituição. É bem possível que Heleno saiba que, na vida real, o artigo não fala coisa alguma sobre intervenção, mas tenha feito a declaração por mera “politicagem”, como afirma seu ex-colega de governo e também general Santos Cruz. Na visão de Sérgio Abranches, está em curso no Brasil um golpe híbrido, que combina a truculência típica dos nosso velho conhecido golpe militar, com uma estratégia de tipo “cavalo de Tróia” em que uma liderança autoritária chega ao poder por caminhos constitucionais e democráticos. E isso tudo é feito abertamente, pois pelo menos 57% dos brasileiros sabem que Bolsonaro quer dar um golpe, segundo pesquisa do Instituto Opinião.
.Primeira trincheira. Além de manter sua base mobilizada, os ataques ao STF e ao TSE também são alimentados pelo principal instinto de Bolsonaro, a paranoia. A prisão de Roberto Jefferson acendeu o sinal de alerta de que Carluxo acabe indo fazer companhia para ele e para Daniel Silveira na prisão. Além disso, o capitão acredita que o general Mourão conspira com Luís Roberto Barroso para ser desvinculado do julgamento da chapa presidencial no TSE e se tornar o plano B no caso de um impeachment. E como, para Bolsonaro, a melhor defesa é sempre o ataque, ele pressiona os ministros do STF, pedindo o impeachment de Barroso e de Alexandre de Moraes, para desespero de membros do governo que defendem uma trégua. Com razão, afinal até agora o único efeito do ataque foi mobilizar a solidariedade da maioria dos governadores e dos senadores ao STF. Além de avisar que não vai dar andamento aos pedidos de impedimento dos ministros, Rodrigo Pacheco botou a indicação de André Mendonça de novo em banho maria. O próprio judiciário também reagiu: mais importante do que ajudar a fechar a entrada de Bolsonaro no Patriotas foi o ataque do TSE à monetização dos canais bolsonaristas no YouTube, bloqueando financiamento e divulgação, exemplo seguido pela CPI na quebra de sigilo dos blogueiros. Já na Câmara, foi a vez do gen. Braga Netto tomar uma enquadrada e dar explicações sobre suas ameaças. Outro ponto de pressão é sobre Augusto Aras. Ainda sonhando com o STF, a subserviência de Aras às vezes beira o constrangimento, transformando a PGR na primeira trincheira de defesa de Bolsonaro. E o parecer negacionista da subprocuradora Lindôra Araújo, questionando a eficácia do uso de máscaras como prevenção à covid-19, só confirma a capilaridade do bolsonarismo na PGR. Ainda que outros procuradores queiram que Bolsonaro seja investigado por incitar as Forças Armadas contra a democracia. Mas, daí entende-se a pressão do Supremo,assim como do Senado sobre o Procurador-geral.
.Não demora, é o natal e eleições. O plano golpista de Bolsonaro passa invariavelmente pelas eleições de 2022, vencendo-a ou não reconhecendo o resultado. E em qualquer cenário, poderá contar com os serviços de Steven Bannon, o mago da nova direita e marqueteiro de Donald Trump. Além disso, avalia Alberto Aggio, as duas condições que poderiam derrubar o governo parecem enterradas: a formação de uma “frente democrática” de oposição e um impeachment. O que acelera os movimentos da natimorta “terceira via” eleitoral. João Dória abandonou as medidas restritivas por motivos políticos, distribuiu verbas para seus aliados, trouxe Rodrigo Maia para a articulação política e ganhou o apoio de FHC para as prévias do PSDB. Porém, avisa Helena Chagas, o candidato da direita pode ser o presidente do Senado Rodrigo Pacheco. Enquanto isso, Lula foi ao nordeste, aproveitando para fortalecer suas bases, aproximando-se de deputados do PDT de Ciro Gomes e consolidando sua aliança com o PSB. O centrão e o PP de Ciro Nogueira, recém acomodados no Planalto, são o próximo alvo. Já, em relação ao centrão fardado, Lula sonda os generais nos bastidores, mas em público, diz que não quer diálogo. O que, na opinião de Bruno Boghossian, favorece o monopólio de Bolsonaro sobre as Forças Armadas. Surfando na boa fase, Lula vê sua popularidade aumentar quase naturalmente. Na última pesquisa ele aparece batendo Bolsonaro por 51% a 32% das intenções de voto. O favoritismo e a campanha antecipada podem enfraquecer as mobilizações previstas para o impeachment e já despertam preocupações na esquerda sobre o que seria um futuro governo. Afinal, observa Luis Felipe Miguel, a busca de governabilidade poderia inviabilizar mudanças estruturais, normalizando as condições pós-golpe de 2016.
.Aqui embaixo é diferente. Não se sabe, porém, se haverá país a ser governado em 2022. Enquanto o setor financeiro liga o sinal de alerta para o descontrole das contas públicas e para o “populismo eleitoral”, o problema no andar de baixo é a inflação em alta que está literalmente tirando a comida do prato dos trabalhadores. No acumulado de doze meses, o arroz teve alta de 39,69%, o feijão preto, de 19,13% e as carnes vermelhas, de 34,38%. Assim, segundo pesquisa do Dieese, o valor da cesta básica custou em julho mais que a metade do valor do salário mínimo. Um índice que tem crescido desde o ano passado e que não deve desacelerar graças à política cambial do governo, que estimula a exportação de alimentos, e do preço dos combustíveis cotados no mercado internacional. Soma-se a isso a crise energética, com escassez de chuvas, e já se prevê que no ano que vem a inflação deve se agravar. Se não fosse suficiente, o auxílio emergencial é menor e o desemprego se mantém no patamar recorde de 14,8 milhões de pessoas. A alta dos combustíveis também está afetando os motoristas de aplicativos, um dos ramos ultra precarizados que contribuiu para amortecer a crise social no último período. Um em cada quatro motoristas já desistiu de trabalhar com aplicativos. Uma situação que só deve se agravar com as políticas do governo: a minirreforma trabalhista, agora no Senado, segue no aprofundamento da precarização, enquanto a reforma administrativa vai transformar funcionários públicos, literal ou simbolicamente, em “motoristas de Uber”, e o substituto do Bolsa Família é um emaranhado de problemas e lacunas. O desmonte vale para a educação também, onde o pastor Milton Ribeiro é mais discreto, mas tão incompetente, elitista e preconceituoso quanto seus antecessores olavistas. Argumentos para a deputada Maria do Rosário pedir seu impeachment por crime de responsabilidade.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.Radiografia da nova contrarreforma trabalhista. No Outras Palavras, José Álvaro de Lima Cardoso disseca a MP 1045 e mostra porque ela representa a redução de salários e a retirada de direitos.
.Austeridade fiscal e clientelismo no orçamento público. Artigo dos economistas Bruno Moretti, Francisco R. Funcia e Carlos O. Ocké-Reis demonstra como funciona a “austeridade seletiva” e “clientelismo no varejo” do governo na área da Saúde.
.A íntima relação entre cocaína e madeira ilegal na Amazônia. Ciro Barros demonstra como, cada vez mais, as rotas entre as facções criminosas do narcotráfico estão vinculadas aos grupos ligados aos crimes ambientais.
.WikiLeaks aponta que grupo antidireitos europeu tem mais de 200 sócios brasileiros. Na Agência Pública, veja quem são os empresários brasileiros que financiam a “Rede da Intolerância” espanhola que luta contra o aborto legal e contra pautas LGBTQIA+.
.Presença nazista no Brasil cria raiz histórica para adesão à extrema direita, diz historiadora. A historiadora Heloísa Starling mostra que a presença do partido nazista alemão no Brasil dos anos 1930 foi maior do que se imagina. Por Fernanda Mena na Folha de S.Paulo.
.De alvo de racismo a manual do rap: livro celebra 'Sobrevivendo no Inferno'. Marco histórico da música nacional, o álbum dos Racionais MCs ganha um livro comemorativo no seu aniversário de 24 anos.
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Edição: Vivian Virissimo