Coluna

O que a situação de entregadores chineses e da Amazon diz sobre conter a precarização

Trabalhador em armazém na capital chinesa, Pequim - AFP
Enquanto o Brasil aposta na perda de direitos trabalhistas, exemplos apontam para outra direção

Bruna Belasques, Hanna Campeche, Leonardo Poletto, Nicolas Modesto e Giorgio Romano

O mundo vive uma grande preocupação com a degradação do trabalho, considerada não somente problema social, mas também um fator que enfraquece a capacidade de um país reagir aos desafios da competitividade internacional.  No Brasil, desde 2017 o governo vem apostando na fragilização dos sindicatos e fortalecendo as empresas nas relações com seus trabalhadores. A pandemia aumentou ainda mais o desemprego e a informalidade, mas a reforma trabalhista, realizada via desoneração do setor privado, foi capaz de gerar novos postos de trabalho em setores qualificados, conforme prometido? Apesar da precarização das relações trabalhistas ter se intensificado nas últimas décadas por todo o mundo, o processo não parece estar concluído e há tentativas de reversão desse cenário nos Estados Unidos da América (EUA) e China, exemplos relevantes por sua importância geopolítica e econômica na atualidade.

Os EUA são conhecidos pelo mercado de trabalho com poucas regras formais, o que facilita a demissão e contratação dos trabalhadores. Chama atenção, porém, as recentes sinalizações do presidente Joe Biden aos trabalhadores e sua organização em sindicatos. Em março deste ano, Biden demonstrou apoio aos funcionários da Amazon que votaram pela criação de um sindicato na região do Alabama – o processo não teve sucesso.  Após mais essa demonstração do poder empresarial, o governo encaminhou um projeto de lei para facilitar a formação de sindicatos nas empresas, chamado “Proteger o Direito a Organização'', conhecido como PRO Act. Mais recentemente, ao ser questionado sobre as dificuldades dos empresários em encontrar trabalhadores no mercado, Biden respondeu “pague-os mais”

A China, país mais populoso do mundo com quase 1,5 bilhão de habitantes, tem uma taxa de 5% de desemprego, com uma fatia dos empregos associados a condições precárias ou a longas jornadas de trabalho. Contudo, recentemente, o país tem apresentado discussões e avanços que podem ser positivos para os trabalhadores. Destacam-se as recentes normativas para o setor de entregas: o Ministério de Recursos Humanos e Previdência Social (MOHRSS) emitiu pareceres para que as empresas garantam direitos básicos como seguridade social e comercial e em caso de acidentes ou doenças, salário mínimo. Além disso, o governo chinês tornou obrigatório que sejam criados sindicatos para o setor, com a sindicalização opcional.

É importante também destacar que China e EUA possuem uma parcela expressiva do PIB decorrente do setor industrial. O quadro abaixo indica a % que cada país desempenha na indústria de transformação mundial: 

 


Valor adicionado mundial da indústria de transformação: 16 maiores produtores em 2019 / CNI (2020), com base nas estatísticas da UNIDO

 

Além disso, China e EUA – mas não só – têm procurado direcionar investimentos para a criação de empregos que tornam mais complexa a estrutura produtiva. O Plano Biden investirá cerca de US$1,2 trilhão em infraestrutura e o 14º Plano Quinquenal chinês tem como foco desenvolvimento tecnológico, política industrial e melhorias na vida da população. Políticas parecidas estão sendo adotadas também na Europa.

 

Qual o cenário no Brasil?

De acordo com a Pnad-Contínua, em julho de 2021, cerca de 14,6% da população economicamente ativa estava desempregada. A porcentagem de desempregados, contudo, pode ser ainda maior. Isto porque a pesquisa desconsidera em seu cálculo a população em desalento (aqueles que desistiram de procurar emprego), aqueles que estão em posições de subemprego e na informalidade.

Em 2017, durante o governo Temer, o Brasil realizou uma reforma trabalhista que tinha como promessa reduzir os encargos para os empresários e, com isso, aumentar o número de empregos no país. Na prática, o que foi visto foi a redução dos direitos dos trabalhadores, sem aumento substancial dos postos formais de empregos, além do enfraquecimento dos sindicatos. 

Agora, em agosto de 2021, a tese de que, para que haja um aumento na produtividade e redução do desemprego no Brasil, é necessário reduzir direitos trabalhistas voltou à cena por meio da MP 1045/21. Dentre as proposições da reforma apresentada pelo governo federal, destaca-se a criação do Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip), que permite a contração de jovens fora do regime da CLT, sem direitos trabalhista e previdenciário e com uma bolsa auxílio máxima de R$ 550. 

Chama a atenção também o trabalho precário realizado por entregadores de aplicativos de refeição. Ano passado, em meio à Covid-19, estes trabalhadores realizaram manifestações denunciando a ausência de políticas de assistência sanitária necessárias (distribuição de álcool em gel e máscaras). Também não possuem direitos trabalhistas, como férias, assistência médica, direito à local para refeição, etc, mas com a ausência de postos de trabalhos formais, a informalização via aplicativo torna-se cada vez mais comum.

Vemos, no Brasil, um processo de deterioração das normas de trabalho. É verdade que a pandemia do Covid-19 impactou no aumento do desemprego e da informalidade, contudo, é verdade também que a reforma trabalhista realizada, via desoneração do setor privado, não foi capaz de criar novos postos de trabalho, ainda menos em setores qualificados, conforme havia sido prometido.

Inserção brasileira no mundo em transformação

Como vimos, tanto os EUA como a China estão atuando de diferentes formas para maximizar efeitos positivos e se aproveitar dessas transformações. São estes também os países que estão na disputa da fronteira tecnológica, do 5G, Inteligência Artificial e automatização de processos produtivos. Isso só pôde ser obtido com muito investimento, sobretudo público, mas também privado.

O Brasil, mesmo com possibilidades mais limitadas frente a estes países, está, inequivocamente, alheio às transformações tecnológicas e produtivas contemporâneas.  Não estamos apenas a reboque pela posição periférica estrutural que o país ocupa no mundo, mas também pelas políticas econômicas e tecnológicas, que nos impedem de aproveitar oportunidades geradas por estas transformações e nos deixam ainda mais vulneráveis aos seus efeitos negativos. Pior, continua a aposta no enfraquecimento dos sindicatos e a suspensão dos direitos dos trabalhadores como solução. 

No âmbito das relações trabalhistas e direitos, até países historicamente guiados pelo livre mercado nas relações trabalhistas e com pouca seguridade social, como os EUA, têm mudado de orientação ao longo dos últimos anos. Na China, a garantia de salários mínimos e direitos trabalhistas que as empresas de entrega devem fornecer aos trabalhadores também merece nossa atenção, uma vez que tem crescido exponencialmente o número de brasileiros que dependem desse tipo de trabalho para sobreviver.

Assim, seria importante pensar em políticas similares para o contexto brasileiro. Contudo, o que vemos é o Brasil caminhando na contramão com políticas de precarização e liberalização nas relações trabalhistas combinada com a queda constante do investimento público. O resultado deste processo já pode ser visto no aumento do desemprego, pobreza e fome.

 

*O OPEB (Observatório de Política Externa Brasileira) é um núcleo de professores e estudantes de Relações Internacionais da UFABC que analisa de forma crítica a nova inserção internacional brasileira, a partir de 2019. Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Durão Coelho