A agroecologia é vida, é amor. Ela pensa num todo, não apenas em pequena quantidade de pessoas
Um cliente de uma rede multinacional de supermercados pode passar horas em silêncio enquanto faz as compras. O ambiente, muitas vezes batizado pelo sobrenome de uma família proprietária, pode render distâncias entre o sabor e o saber do que se come.
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Por outro lado, um sugestivo estabelecimento em Bonito (PE), município localizado em área de transição entre as mesorregiões da zona da mata e o agreste pernambucano, aproveita o barulhamento da oralidade para trocar conhecimentos agroecológicos. É o Mercado da Vida.
O estabelecimento surgiu em dezembro de 2016, ocupando um antigo mercado público de carnes. A mudança foi organizada por processos autogestionários de mais de vinte famílias agricultoras.
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O alimento produzido no campo é transportado por poucos quilômetros, configurando a sustentabilidade alimentar e econômica dos chamados circuitos curtos de comercialização.
As famílias agricultoras que comercializam no Mercado da Vida conquistaram o certificado de Organização de Controle Social (OCS) para produção orgânica emitido pelo Ministério da Agricultura / Divulgação - Mercado da Vida
O Mercado da Vida surgiu de um contexto amplo que junta movimentos populares, academia e entidades públicas. O protagonismo das famílias na transição agroecológica foi acompanhado de cursos, oficinas e capacitações.
A própria movimentação do Mercado da Vida abriu outras iniciativas. Um exemplo é a busca constante da ampliação da troca de conhecimentos agroecológicos. Assim, foi criada a Associação Vida Agroecológica, em que as próprias famílias multiplicam seus saberes em 11 comunidades locais.
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Na educação, a agricultora Célia da Silva participa do curso técnico de agroecologia ministrado pelo Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta). Ela faz parte do Mercado da Vida e identifica esse sentido do nome nas próprias vivências.
"A agroecologia é vida, é amor. Ela pensa num todo, não só numa pequena quantidade de pessoas. Na minha opinião as crianças devem desde pequenas aprender sobre a agroecologia. Não que ela venha a ser uma matéria, mas que todas as matérias falem um pouco sobre a agroecologia, porque, desde crianças, elas vão aprendendo a cuidar da natureza e a se alimentarem bem e com qualidade", defende.
O olhar transdisciplinar de Célia da Silva para a educação agroecológica também tem sido enxergado nas práticas dentro município, localizado a cerca de 130 quilômetro da capital, Recife.
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No dia 7 de julho de 2021, Bonito se tornou a primeira cidade pernambucana a instituir como lei uma política municipal para transição agroecológica. Após aprovação por unanimidade na câmara, a Lei 1.257/2021 foi sancionada pelo prefeito Gustavo Adolfo (PSB).
A agricultora Célia da Silva é uma das participantes das sessões de audiências públicas para elaboração do Plano Municipal de Agroecologia de Bonito / Divulgação - Mercado da Vida
O processo foi estabelecido após rodadas de audiências públicas. Agora, na elaboração do Plano Municipal de Agroecologia, foram formados cinco grupos temáticos GTs (associações da agricultura familiar; consumidores; educação; hotelaria; além de saúde e assistência social) para contemplar a diversidade presente na elaboração da política.
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Paulo Santana, pesquisador e professor do curso técnico de Agroecologia do Serta, afirma que as movimentações no município vão para além de um olhar restrito ao instrumental. Para tanto, ele recorda os postulados do professor Francisco Caporal.
"Há uma discussão e um esforço coletivo das organizações que estão atuando em Bonito, além dos agricultores, em tentar explicitar que a transição agroecológica vai além do plantar e do colher, do cultivar com veneno ou sem veneno, com práticas ou sem prática. A transição agroecológica, segundo o professor [Francisco] Caporal, chega ao alcance de uma perspectiva de soberania alimentar e nutricional, de resgate dos valores e das crenças ancestrais. [A agroecologia] chega na perspectiva de tentar propor um projeto de sociedade que cultive o Bem Viver, que cultive o fornecimento de alimentos de base agroecológica", destaca.
Semente agroecológica
A Lei 1.257/2021 sancionada em Bonito bebe das referências da Política Nacional de Agroecologia, estabelecida em 2012. Ou seja, quase uma década depois, diante de desafios para novas conquistas agroecológicas no âmbito nacional e aumento da fome no Brasil, a experiência municipal se apresenta como uma das sementes políticas que aguardam novas oportunidades para se espalhar pelo país.
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Para Paulo Santana, essa integração em Bonito envolve consciência e sensibilização que não podem ser deixadas de lado com as conquistas recentes no setor público.
"Todo esforço é fazer com que a política não fique restringida apenas a uma secretaria municipal, a um setor, a uma coordenação, a uma gerência. À princípio ela pode partir de uma secretaria ou de um setor, de uma gerência, mas que a responsabilidade da execução possa ser ampliada, compartilhada e desenvolvida pelo conjunto de organizações que vem atuando no município", ressalta.
Propriedade de Célia da Silva tem produção de mudas entre uma diversidade de atividades / Divulgação - Mercado da Vida
A autoria do projeto é do prefeito Gustavo Adolfo (PSB). Algumas das organizações que fazem parte da movimentação agroecológica em Bonito, além das que já foram citadas, são o Movimento Camponês Popular (MCP), o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) e a UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco).
Além da Lei Municipal 1.257/2021, também foi sancionada a Semana Municipal da Agroecologia Bonito (Lei 1.259), de autoria do vereador Paulo Sergio (PSB). Assim, serão realizadas para a promoção da agroecologia anualmente na última semana de maio.
Edição: Douglas Matos
