Além dos brincos, os produtos mais procurados são as flores feitas com escamas
Escamas de peixe que iriam para o lixo viram brincos, colares, pulseiras nas mãos de um grupo de mulheres do bairro da Penha, em João Pessoa, Paraíba. São as Sereias da Penha.
O projeto começou em 2014, quando a prefeitura da cidade, em parceria com o Instituto Federal da Paraíba e o Sebrae, promoveu um curso de capacitação em biojoias para as mulheres do bairro. A ideia era criar um tipo de artesanato que fosse único de João Pessoa.
Joseane Izidro da Silva, que tinha acabado de ficar desempregada, resolveu participar do curso meio por acaso. Ela mora em uma comunidade vizinha, Jacarapé, mas os filhos estudavam na Penha.
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Como tinha que levar e buscar as crianças na escola, decidiu participar do curso em vez de ficar indo e voltando para casa. Ela conta que, no começo, as alunas estranharam a matéria-prima usada para o artesanato:
“No início do curso, a gente não sabia muito o que era. Era um curso de biojoias, e a pesquisa que a gente fazia só dava bijuteria com semente, com fios naturais. Quando a gente chega na aula, é escama de peixe”.
Após três meses de curso, elas fizeram uma oficina com o estilista mineiro Ronaldo Fraga. E essa parceria, além de proporcionar muito aprendizado, rendeu o nome “Sereias da Penha” e uma participação na São Paulo Fashion Week em abril de 2015, como lembra Joseane:
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“Quando a gente foi pra lá a gente foi Sereias da Penha. Porque ele chamava a gente de "sereia" porque era muito nome pra decorar. Então a gente já foi como Sereias. Quando a gente voltou, teve todo aquele boom, aquela procura. Tem peça que até hoje a gente não lembra que a gente fez, porque a gente terminava de fazer peça e o pessoal chegava para comprar. E aí a gente decidiu abrir uma loja e se juntar para trabalhar”.
Foi tanta exposição na mídia que Joseane conta que chegou a ser reconhecida num ônibus, e mais: pediram para tirar foto com ela. Foi uma virada e tanto na vida dessas mulheres, a maioria delas donas-de-casa e esposas de pescador.
O nascimento das Sereias da Penha proporcionou outra mudança profunda, desta vez no próprio bairro da Penha, que é um reduto de pesca tradicional da capital paraibana.
“Aqui tinha montanhas de escamas de peixe jogadas pelos cantos. Na vila, eles cavavam buracos e jogavam as escamas, os restos dos peixes lá, pra não ficar a fedentina e afastar os clientes. Hoje em dia, não mais. Hoje, todo mundo já aprendeu a lavar escama de peixe, então lava e guarda. Uma hora chega alguém pra comprar”, conta.
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Os produtos mais procurados são os brincos e as flores, feitos com escamas de peixes abundantes na região, como a pescada, a corvina e o bico-verde. Antes de virarem artesanato, as escamas têm de passar por um processo de limpeza para tirar o cheiro: elas ficam dois, três dias de molho com água e sabão.
A maioria das peças é feita com escama na cor natural, branca, mas as Sereias também fazem peças coloridas. E aí entra o tingimento natural com casca de cebola, café, canela e casca de árvores como a jaqueira e o barbatimão.
Ainda há peças feitas com couro de peixe e com conchas e búzios. Para um toque especial, são usados fios de cobre, que dão formato às peças.
Desafios durante a pandemia
Julia Mariane Izidro de Lima tem 12 anos e é filha da Joseane. Ela já está aprendendo o artesanato. Os brincos, ela consegue fazer sozinha. Já com os colares, tem uma certa dificuldade, porque é preciso fazer uma espécie de crochê com os fios de cobre. Mas Julia conta que o trabalho manual tem ajudado a manter a calma nos tempos de quarentena.
“Me ajuda bastante, porque é como se fosse uma terapia. Eu gosto de fazer. Quando estou um pouco estressada, eu começo a fazer e tranquiliza mais”, ressalta.
Como outros pequenos negócios, as Sereias da Penha têm sofrido com a pandemia. Das dez mulheres que trabalhavam todos os dias com artesanato no começo de 2020, só três mantiveram a mesma dedicação.
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A loja física, que ficava em um espaço alugado, acabou fechando. Só agora elas estão se reerguendo. Conseguiram um novo local para montar a loja e já têm data de reinauguração: 16 de setembro.
Quando a situação se normalizar, Joseane quer oferecer cursos para capacitar mais mulheres do bairro.
“Pela pesquisa que a gente fez, só a gente trabalha com escama de peixe e fio de cobre. E a gente começou aqui na praia da Penha, então a gente não quer deixar a técnica morrer com a gente”.
Quem quiser encomendar uma peça pode entrar em contato pelo Instagram do projeto: @sereiasdapenha. É só mandar uma mensagem e fazer seu pedido, que elas enviam as peças por correio para qualquer lugar do Brasil.
Edição: Douglas Matos