O Brusque Futebol Clube (SC) emitiu uma nota oficial na noite do último domingo (29) acusando o meia Celsinho, do Londrina (PR), de "falsa imputação de crime". Um dia antes, no intervalo do jogo entre os dois times, Celsinho afirmou que foi alvo de injúria racial por parte de um dirigente do clube da casa.
Conforme registrado na súmula pelo árbitro Fábio Augusto Santos Sá Junior, o presidente do conselho deliberativo do clube, Julio Antônio Petermann, teria dito: "Vai cortar esse cabelo, seu cachopa de abelha”. Celsinho relatou à imprensa que também foi chamado de “macaco”.
A nota do Brusque nega qualquer ato de racismo e diz que o jogador "é conhecido por se envolver neste tipo de episódio". A diretoria do clube catarinense informa ainda que vai tomar medidas cabíveis contra o meia do Londrina.
Celsinho foi vítima de racismo três vezes nesta edição da Série B do Campeonato Brasileiro. Na primeira, em 17 de julho, um narrador e um comentarista da Rádio Bandeirantes Goiânia usaram os termos "cabelo pesado” e "negócio imundo" ao descrever o cabelo do atleta em partida contra o Goiás.
Contra o Remo, na rodada seguinte, o meia do Londrina também foi atacado por conta do corte black power: “Vai com seu cabelo meio ninho de cupim para bater na bola”, disse o narrador da Rádio Clube do Pará.
Conforme levantamento do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, os casos de racismo no futebol brasileiro cresceram 235% em seis anos.
Culpabilizar a vítima, como fez a diretoria do Brusque, também é uma prática comum. O Brasil de Fato resgatou outros cinco casos semelhantes envolvendo atletas ou clubes brasileiros. Confira:
“Mimimi”
Em janeiro deste ano, o Brusque estava do lado oposto da polêmica. Um atacante do clube catarinense, Jefferson Renan, disse ter sido chamado de “macaco” por um dirigente do Vila Nova (GO).
Na delegacia, após o jogo, o presidente do Vila Nova, Hugo Jorge Bravo, classificou a atitude como "mimimi". Ele disse ainda que pretendia processar o Brusque por calúnia e difamação.
“O brasileiro, de uma forma geral, está ‘mimizento’. Ele se preocupa com coisas ridículas e se esquecem de coisas importantíssimas, que são as questões morais de uma sociedade. Vocês vão me desculpar: racismo hoje é dinheiro, gente. (...) O futebol brasileiro está acabando por causa disso: é jogador ‘mimizento’, é imprensa ‘mimizenta’, é diretor ‘mimizento’. O povo não está preocupado com o que realmente importa. (...) Hoje a família está perdendo a essência, as pessoas estão se preocupando menos com Deus, nossos valores estão estraçalhados e vem uma piada dessa”, disse Bravo à Rádio Bandeirantes.
“Pessoa perigosa”
As injúrias proferidas pela torcida do Grêmio contra o goleiro Aranha, do Santos, em 28 de agosto de 2014, se tornaram um símbolo do racismo no futebol.
“Macaco”, “preto fedido”. As palavras que o atleta lembra até hoje com indignação foram minimizadas pela diretoria do clube gaúcho.
O Grêmio realizou campanhas educativas e dialogou com suas organizadas para abolir o termo “macaco” dos estádios, mas nunca “perdoou” as denúncias feitas por Aranha.
Três anos depois, quando voltou à Porto Alegre para enfrentar o Tricolor com a camisa da Ponte Preta, o atleta foi recebido com vaias. Para completar, naquele dia o Grêmio mandou instalar câmeras focadas exclusivamente no goleiro da Macaca:
"O episódio com o Aranha precisa ser superado. Aranha é um homofóbico declarado. Teve problemas em São Paulo por isso. Ele é uma pessoa perigosa e difícil”, declarou o então diretor jurídico do Grêmio, Nestor Hein, à Rádio Bandeirantes.
“Armação”
Outro caso emblemático de racismo nos gramados brasileiros ocorreu em 2005, na Copa Libertadores. O atacante Grafite, então no São Paulo, denunciou o zagueiro Leandro Desábato, do Quilmes, por injúria racial. Os insultos foram registrados por vários ângulos.
Imediatamente, o presidente do clube argentino reagiu. Segundo Daniel Razzeto, o zagueiro foi vítima de uma "armação".
“A acusação de Grafite é sustentada apenas na declaração de dois telespectadores que dizem ter lido os lábios do jogador argentino, dizendo ‘negrito’”, disse o presidente ao canal de TV argentino TN. “Isso não pode ser sério, não é suficiente para nenhum tipo de acusação".
O treinador Gustavo Alfaro seguiu a mesma linha: “Infelizmente, montaram uma farsa”.
“Não foi correto”
O craque Neymar também já foi culpabilizado após denunciar racismo em campo. Em setembro de 2020, o brasileiro acusou o zagueiro espanhol Álvaro González, do Olympique de Marselha, da França, de injúria racial.
Após dar um tapa no zagueiro e ser expulso, Neymar foi questionado várias vezes pela imprensa local se estaria arrependido.
“Único arrependimento que tenho é por não ter dado na cara desse babaca”, respondeu em sua conta no Twitter.
Único arrependimento que tenho é por não ter dado na cara desse babaca
— Neymar Jr (@neymarjr) September 13, 2020
André Villas-Boas, técnico do Olympique de Marselha, saiu em defesa de seu jogador e criticou a atitude de Neymar.
“O Neymar já sofreu acusações falsas. Ele sabe o impacto que isso pode ter. Ele não foi correto com o Álvaro [González]”, declarou, em coletiva de imprensa.
O Olympique não atribuiu nenhuma credibilidade às palavras de Neymar e insistiu que o craque brasileiro havia mentido.
Em nota oficial, disse que “Álvaro Gonzalez não é racista” e que “mostrou isso por meio de seu comportamento diário desde que chegou ao clube.”
“Discussão normal”
Em 2009, o volante Elicarlos, então no Cruzeiro, disse ter sido chamado de “macaco” pelo atacante Maxi López, que vestia a camisa do Grêmio. A diretoria tricolor acusou o jogador cruzeirense de ter mentido.
“Ele [Maxi] disse que não fez nada e que nem sabe o que significa 'macaco'”, disse o dirigente André Krieger.
O argentino falou com a imprensa antes de ir à delegacia e acusou Elicarlos de “querer criar polêmica”.
O técnico Paulo Autuori, do Grêmio, também saiu em defesa de Maxi López e minimizou o caso: “O país precisa discutir coisas mais sérias e ser mais sério”.
Edição: Leandro Melito