Um estudo do Ministério da Agricultura projeta que a área de cultivo de arroz no Brasil seja reduzida em quase 60% até 2030. A área cairia de 1,5 milhão de hectares para 600 mil hectares. Já o feijão teria uma redução em um terço, de 2,7 milhões de hectares para 1,8 milhão. Azar também da mandioca, que perderia 11% da área cultivada.
Juntos, os três cultivos podem perder mais de dois milhões de hectares na comparação com a área atual. Em relação a 1994, ano que o relatório governamental adota como ponto inicial, se confirmadas as estimativas, a área terá se reduzido a um quarto do total, numa perda total de oito milhões de hectares.
Os números constam do relatório “Projeções do Agronegócio”, produzido desde 2010 pelo Ministério da Agricultura. A última edição foi lançada no final de julho deste ano. O estudo cruza uma série de informações, como o crescimento econômico, as estimativas de exportação, o uso da terra, o tamanho da população e o consumo.
“Se a gente comparar a projeção com os resultados, o consumo não muda muito, a área não muda muito. A variação maior é nas exportações, isso muda, é uma variável que você tem menos controle. E fatores climáticos”, comenta José Garcia Gasques, coordenador do estudo.
A partir disso, a equipe traça três cenários para cada um dos cultivos. No pior dos casos, o cultivo de arroz no Brasil cairia a um terço do que é hoje, e seria necessário importar quase sete milhões de toneladas. No cenário intermediário, a produção se mantém. E, no melhor, quase dobra.
Não é difícil entender para onde a produção se desloca: a Secretaria de Política Agrícola aposta na manutenção do reinado do milho e da soja. O ímpeto é tanto que até mesmo o boi, o principal ator da grilagem de terras no Brasil, começa a ser criado em confinamento, na análise do ministério.
“Essas lavouras [arroz e feijão] não têm a mínima condição de entrar numa rota de crescimento de milho e soja”, diz Gasques. Ele acredita que, pelo fato de o feijão ser um cultivo rápido, pode acabar sendo plantado em rodízio à soja e ao milho. “Os colegas nossos da Embrapa que olham arroz e feijão falam que o arroz pode dar uma virada, uma mudança de patamar se o Brasil começar a exportar arroz. Porque a qualidade do arroz brasileiro é muito boa. Se for mais relevante na exportação, isso deve trazer várias mudanças na cultura em termos de tecnologia.”
O estudo indica que a redução da área de arroz e de feijão será compensada por um forte aumento na produtividade. No caso do arroz, seria preciso quase triplicá-la no intervalo de uma década. Olhamos os dados da pesquisa Produção Agrícola Municipal, do IBGE, e vimos que a produtividade do arroz de fato triplicou no Brasil, mas num intervalo bem maior: entre 1994 e 2019.
Gasques faz a ressalva de que a situação de perda de área do arroz pode não ser tão drástica. A boa notícia é que, por se tratar de um cruzamento muito complexo de dados, e de situações que se alteram com o tempo, as projeções por vezes podem não se concretizar.
A má notícia é que, dez anos atrás, as projeções apontavam para uma situação melhor para os alimentos-chave dos brasileiros. O feijão a essa altura teria 3,6 milhões de hectares – contra 2,7 milhões, na realidade. O arroz teria 1,9 milhão – temos 1,5 milhão. Na época, a estimativa era de que soja e milho teriam uma produção consideravelmente menor do que têm na vida real.
Nos casos do arroz e do feijão, a notícia para a agricultura familiar tampouco é boa, segundo o documento: “Conforme os dados do Censo Agropecuário 2017 já demonstram, está havendo um processo de transição, onde pequenos produtores, em geral com nível tecnológico mais baixo, deixam esta atividade, que tradicionalmente era feita com grande participação de pequenos estabelecimentos produtivos, e aumenta a proporção da produção oriunda de estabelecimentos maiores e mais tecnificados.”
Em alguns casos, as estimativas são corroboradas pelas projeções do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, que estima, por exemplo, que o Brasil fornecerá 55% da soja mundial em 2030. Segundo o documento, “a utilização desses modelos no Brasil, para a finalidade deste trabalho, é inédita. Não temos conhecimento de estudos publicados no País que tenham trabalhado com esses modelos”.
Redução histórica
As projeções vêm no momento em que o país se vê assolado pela inflação, que se aproxima de 10% no acumulado em doze meses, segundo o IPCA. Em especial no último ano, os preços do arroz e do feijão passaram a ser uma grande preocupação das famílias. Em parte, o problema foi causado pelo aumento das exportações.
Nas projeções do Ministério da Agricultura, o consumo não seria um receio por causa do ganho de produtividade. Um dos problemas é que o estudo leva em conta que a população do Brasil será de 208 milhões de pessoas em 2030. Essa é uma projeção feita em 2012 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A projeção mais recente é do IBGE, e fala em uma população bem maior em 2030: 226 milhões de pessoas.
Cruzando a estimativa do Ministério da Agricultura com essa projeção populacional, mais uma má notícia: no melhor dos cenários, cada brasileiro teria de abrir mão de dois quilos de arroz e feijão ao ano.
Se confirmadas as estimativas do Ministério da Agricultura, a área plantada com arroz terá sido reduzida em sete vezes entre 1994 e 2030. No caso do feijão, em três vezes. A derrota amarga chega também para a mandioca, que aparentemente continuará no longo processo de declínio, acelerado na última década. A estimativa é de uma produção de 16,6 milhões de toneladas em 2030, oito milhões de toneladas a menos na comparação com 2010. A área cultivada terá caído pela metade desde os anos 1970.
De acordo com a Secretaria de Política Agrícola, a finalidade do estudo é fornecer subsídios para formuladores de políticas públicas e agentes privados, “bem como estruturar visões de futuro do agronegócio no contexto mundial para que o país continue crescendo e conquistando novos mercados”.
Amazônia, foi bom te conhecer
Atualmente, o Brasil tem 116 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar e nutricional. A estimativa é de um estudo publicado em abril de 2021 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Ao mesmo tempo, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta um novo recorde da safra de grãos, com 289 milhões de toneladas.
Como mostramos recentemente no Joio, a maior parte da produção de milho vai para ração animal – uma tendência que se manterá no decênio, segundo o Ministério da Agricultura, havendo inclusive competição entre alimentação animal e alimentação humana. A situação fica ainda mais complexa pela projeção do governo de que aumente o uso de milho para a produção de álcool combustível.
Na visão do Ministério da Agricultura, a década atual manterá um ritmo acelerado de crescimento da produção de grãos, em 2,4% ao ano, até atingir 333 milhões de toneladas – 27% a mais do que a safra do ano passado. Por grãos, entenda-se: soja e milho, já que arroz e feijão saem perdendo, e o trigo avança pouco, em torno de 1,5 milhão de toneladas. Dos 80,8 milhões de hectares cultivados em 2030, 70,8 milhões iriam para as duas culturas.
Quem também tem motivos para ficar com a copa em pé são as árvores da Amazônia e do Cerrado. A expectativa é de que boi, soja, milho e cana-de-açúcar continuem a grande marcha rumo ao Norte. A projeção é de que o Mato Grosso continue a responder por boa parte da expansão. No caso da soja, Rondônia e Pará devem corresponder aos maiores aumentos proporcionais. E toda a região de Cerrado do Matopiba, uma enorme área que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, seguirá perdendo matas para o avanço dos grãos.