Coluna

Mudanças climáticas: sedução e morte na sociedade de consumo

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Extremos de temperatura alcançam todas as regiões do planeta. Inundações, secas, frio e calor extremos. Pandemias. Chegamos ao Antropoceno: a era do colapso ambiental. - Corbari
A velocidade sempre foi o diferencial estratégico a ser alcançado, nas guerras e nas caçadas

O caos climático, previsto para chegar no futuro, já é uma realidade no presente. As mudanças climáticas estão acontecendo agora.

Extremos de temperatura alcançam todas as regiões do planeta. Inundações, secas, frio e calor extremos. Pandemias. Chegamos ao antropoceno: a era do colapso ambiental.

É a era geológica na qual a intervenção humana altera, de forma irreversível, as condições da vida sobre a Terra. O crescimento da população e do consumo ultrapassa a capacidade de regeneração. Instala-se a entropia. O sistema colapsa. Não há o que fazer.

Ou há?

As coisas começaram a dar errado antes da descoberta do fogo. Um grupo de marmanjos caçadores descobriu que seria mais rápido se usasse mulheres como bestas de carga. Teriam eles, os caçadores, mãos livres para matar. E teriam também mais velocidade, enquanto as mulheres carregavam tudo nas costas.

E lá se vão sete mil anos. Parece que foi ontem. Qualquer semelhança com a atualidade é mera realidade.

A velocidade sempre foi o diferencial estratégico a ser alcançado, nas guerras e nas caçadas, fartamente aproveitada pelo capitalismo. A aceleração da vida tornou-se nosso maior pesadelo. Estamos sempre atrasados, precisamos trabalhar mais para consumir mais.

Será, sem dúvida, nosso epitáfio: “aqui jaz o humano, vitimado pelo próprio empreendimento”.

Lá atrás, no passado remoto, cavaram um tronco, fizeram um barco e singraram os mares em busca de velocidade estratégica. Depois, inventaram o motor. E por fim, a ciberespaço.

Hoje, cruzamos esses mesmos mares à velocidade da luz, sem sair do nosso bunker de alta tecnologia. Estamos em todos os lugares ao mesmo tempo. E em e nenhum lugar, de fato. Objetivo: consumir.

Consumir mercadorias. Consumir vidas. Consumir corpos. Consumir. O shopping center é o templo. A mercadoria é o gozo. O consumo é o sagrado, a nos seduzir para a inclusão no seleto mundo dos que podem, dos que têm e dos que fazem da posse o sentido da existência.

Consumir, consumir, consumir. Rumo à pilhagem do bem comum, pela suposta dominação sobre a natureza. Consumir produtos novos e cada vez mais rapidamente defasados. Não importa o preço. Não importa quantas vidas sejam precocemente interrompidas pela poluição, pelo desmatamento, pela exaustão, pela escravidão em jornadas indignas e insalubres.

Nada importa. Mas nem tudo é tragédia. A boa notícia é que o planeta já passou por cinco extinções em massa, mas não mudou seu curso rumo ao centro da galáxia, onde finalmente será tragado pelo buraco negro que habita as fronteiras de Sagitário e Escorpião.

Enquanto isso, por aqui, somos enrolados com o doce cantarolar do bom mocismo. Empresas, ONGs, partidos políticos, governos e até sindicatos de esquerda falam as mesmíssimas tolices sobre a falaciosa ideologia da “sustentabilidade”.

Ou tem alguém aqui que acredita que salvaremos a nós mesmos reciclando latinhas? Sem uma profunda e radical mudança no modo de conviver e consumir? Eu duvido.

As redes sociais da próxima geração serão em realidade aumentada. O físico será desnecessário, diante da obsolescência do corpo. É no virtual que se darão as trocas e os desacertos. Plena e Integral instrumentalização do humano.

Horkheimer chamaria o fenômeno de processo de ajustamento, no qual a autopreservação do indivíduo requer seu empenho para preservar a própria estrutura que o domina. É a plena liquidação do sujeito. A dominação não pela repressão ou violência física, mas pela “liberdade”.

Somos livres para fazer tudo o que queremos, desde que façamos a coisa certa: não atrapalhar os negócios.

Nietzsche, do além, solenemente anuncia: eu avisei.

 

*Marques Casara é jornalista especializado em investigação de cadeias produtivas. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Anelize Moreira