Nesta terça-feira (31), a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), composta por 14 nações que representam 40% da produção mundial, reuniu-se no 54o encontro do Comitê Técnico Conjunto para discutir os destinos do mercado do petróleo. Os dados ali apresentados serão base para as decisões do Comitê Ministerial da organização que se reúne na quarta (1o de setembro) para decidir metas de produção para 2022.
O que sair dali impacta diretamente o preço do combustível fóssil em todo o mundo. Enquanto os Estados Unidos, maior produtor mundial, defendem aumentar a oferta para diminuir os preços, o ministro de Petróleo do Kuwait, que preside a OPEP, declarou que a perspectiva era reduzir a produção.
“A OPEP deve manter sua coerência, já que necessita manter a receita petroleira das nações no pós-pandemia. Já os Estados Unidos foram inimigos permanentes da OPEP, sempre buscaram destruí-la”, analisa o professor de Relações Internacionais da Universidade Central da Venezuela (UCV), Edgardo Ramírez.
A pandemia ocasionou a diminuição da produção mundial em 2020, no entanto a demanda de 2021 já ultrapassa a do ano passado, com previsão de 96,6 milhões de barris diários necessários para abastecer a demanda global. O preço do barril do petróleo também é o maior desde outubro de 2018, com uma média de US$ 73 (cerca de R$ 400).
“Os EUA certamente irão defender uma superprodução, uma estratégia antiga para diminuir os preços do petróleo pelo aumento da oferta no mercado”, comenta o doutor em geopolítica do petróleo, Miguel Jaimes.
Segundo especialistas, por ser o primeiro país a explorar o petróleo na região, há cerca de 160 anos, os Estados Unidos enfrentam um esgotamento dos seus poços. Por isso, além de desatar guerras em vários países do Oriente Médio desde o início do século, nos últimos oito anos optaram pela técnica do fracking (fraturamento hidráulico) para manter seus níveis de produção. O procedimento consiste em extrair combustíveis fósseis a partir do gás de xisto, extraído com jatos de água e outros químicos lançados no subsolo.
Além caro, o procedimento também é altamente poluente. Durante a administração de Donald Trump, o fracking tornou-se a alternativa logo depois que a Casa Branca deixou de importar petróleo venezuelano como parte do bloqueio econômico.
A medida, no entanto, contribuiu para o aumento da dívida externa do país, hoje em US$ 24 trilhões, superior ao Produto Interno Bruto de US$ 20,9 trilhões, que sofreu uma queda de 3,5% em 2020.
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“Estados Unidos, assim como o México, estão num estágio de um esgotamento das suas reservas. A posição que toma o governo mexicano tem a ver com resguardar a satisfação das necessidades energéticas nacionais. As reservas disponíveis no México já são escassas para atender essa demanda, o que coloca em risco a soberania energética nacional”, analisa Ramírez.
Para Jaimes, a situação de crise atual dos EUA os obriga a priorizar o levantamento das sanções relacionadas à Petróleos de Venezuela S.A (PDVSA) para retomar o comércio petroleiro entre os dois países. Esta seria uma das expectativas em relação à Mesa de Diálogo Nacional entre governo e oposição venezuelanos.
Blocos alternativos
Na última semana, o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador afirmou que o país não iria mais exportar petróleo cru e se voltaria a atender a demanda nacional.
A medida também busca desenvolver a estatal Petróleos do México (Pemex) a aumentar sua capacidade de refino e produção de derivados do combustível. Obrador deixou claro que sua decisão busca abandonar as políticas neoliberais dos seus antecessores.
“Já estamos extraindo petróleo a um custo de US$ 4 o barril, enquanto a média é de US$ 12, US$ 13 por extração. Pelo mau planejamento, o que lhes importava não era extrair o petróleo, mas entregar contratos a empresas e fazer negócio, o que fazia predominar a corrupção”, denunciou o chefe de Estado.
O México produz cerca de 1,94 milhão de barris por dia e pretende limitar sua produção a 2 milhões por conta do esgotamento do recurso. A decisão afeta diretamente a relação comercial com os vizinhos do norte.
Mais de metade do território mexicano foi anexado pelos Estados Unidos na metade do século XIX. A região é rica em petróleo, compreende os estados do Texas, Oklahoma, Utah, Nevada, Califórnia, Arizona, Novo México, Wyoming e Colorado.
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Para o professor Miguel Jaimes, o presidente López Obrador deu um primeiro passo para criar blocos que promovam a cooperação científica, tecnológica e econômica das nações, sem a dependência de Washington.
“Ninguém irá se sacrificar pelas marcas impostas pelos Estados Unidos para produzir um artigo X ou Y. O mundo mudou. Se nós fizermos uma aliança entre a indústrias de petróleo de Venezuela, México e Brasil com a Rússia, o que importaria à Federação russa as ameaças de sanções dos Estados Unidos?”, defendeu o analista venezuelano.
Alianças como essas foram discutidas pelo BRICS, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, no passado. No entanto, desde o início do governo de Jair Bolsonaro e do primeiro-ministro indiano Narendra Modi as relações do grupo se distanciaram.
“Como os EUA sabem que suas reservas estão sendo esgotadas, eles querem ter garantias da compra do petróleo no futuro. Então exigem à OPEP que não aumente o preço para que possam ter maior capacidade de compra”, analisa Edgardo Ramírez.
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Os Estados Unidos são o maior produtor de petróleo do mundo, extraindo 17,8 milhões de barris por dia, seguido da Rússia, com 10,7 milhões, e Arábia Saudita, com 9,4 milhões barris diários, de acordo com dados do relatório de agosto da OPEP.
Por outro lado, os EUA também são os maiores consumidores do combustível fóssil, com uma demanda de 20,76 milhões de barris diários, seguido da China, com 14,7 milhões de barris, e da União Europeia, com 13,4 milhões de barris.
O mercado petroleiro se movimenta a partir da lógica de “mercados futuros”, portanto os valores discutidos hoje são previsões e devem impactar nas compras e vendas realizadas nos próximos meses.
“Os mercados futuros são uma grande invenção do imperialismo, que são as compras antecipadas no mercado petroleiro. Há uma política do fundo de investimento da elite financeira global e eles organizam o mundo segundo os seus interesses. Esta elite não considera a oferta e demanda do mercado, consideram apenas seus interesses”, analisa o internacionalista Edgardo Ramírez.
Na América Latina, os líderes de produção são o Brasil, com 2,90 milhões barris diários, e o México, com 1,94 milhões de barris por dia. Em julho, a produção brasileira reduziu em 13 mil barris diários.
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As privatizações de refinarias da Petrobrás e a nova política de preços, que se mede a partir das variações no mercado internacional, fizeram com que o país atingisse o recorde de R$7 por litro de gasolina e R$ 4,60 o litro de diesel.
Por isso a decisão da OPEP afeta diretamente também o bolso de brasileiros e brasileiras.
Edição: Arturo Hartmann