Nunca houve um 7 de Setembro capaz de povoar o ambiente político com tantas inquietações
No Brasil, agosto é imbatível como pai de todas as crises.
Em agosto de 1954, Getúlio Vargas desferiu um tiro no coração, provocando uma onda de comoção que varreu o país. Em 1961, Jânio Quadros renunciou ao mandato e a guerra civil bateu às portas do Brasil. Em 1976, já sob a ditadura, o ex-presidente Juscelino Kubitschek morreu em estranho acidente na via Dutra. Em 2014, houve a queda do avião de Eduardo Campos, governador de Pernambuco e candidato à presidência. Em 2016, deu-se o impeachment sem crime de responsabilidade de Dilma Rousseff, primeiro ato de um processo de degradação institucional que atingiria o ápice com a inabilitação de Lula, abrindo caminho para a ascensão fascista.
Mas agosto passou e a preocupação agora chama-se setembro. Nunca houve um 7 de Setembro capaz de povoar o ambiente político com tantas inquietações. No meio das incertezas, algo parece certo: do 7 de Setembro não virá boa coisa. Na eventualidade de confirmação dos piores prognósticos, setembro desafiará agosto como o mês do desgosto.
Aconteça o que acontecer, este 7 de Setembro já se candidata a um nicho na lembrança. Até porque, o país registra somente dois 7 de Setembro memoráveis. O primeiro, obviamente, é aquele de 1822 tendo Dom Pedro I como protagonista. Dele temos gravada a imagem do príncipe, sabre erguido, montado sobre um corcel imponente. Tudo fruto da fantasia de outro Pedro, o Américo, que pintou essa imagem 66 anos após o fato ocorrido quando nem nascido era. No mundo real, foi um 7 de Setembro muito despretensioso com mulas em vez de corcéis, mau humor e distúrbios do intestino.
O outro 7 de Setembro com alguma pompa e circunstância foi o 1961. Quase ninguém fala dele. Foi aquele em que João Goulart tomou posse após a renúncia de Jânio e a implantação de um parlamentarismo tabajara para acalmar os golpistas. Presidente mas de mãos amarradas, Jango fez um pronunciamento conciliador.
“Prefiro pacificar a acirrar ódios, prefiro harmonizar a estimular ressentimentos”, discursou. “Tudo fiz para não marcar com o sangue generoso do povo brasileiro o caminho que me trouxe à Brasília”, disse. Algo bem diverso dos vapores imundos que sobem dos subterrâneos bolsonaristas e incitam o próximo 7 de Setembro.
Jango exaltou a imprensa (na maior parte, inimiga jurada do trabalhismo) dizendo que “com indomável bravura resistiu às ameaças e à violência contra a liberdade de manifestação de pensamento”. Elogiou a Igreja, os estudantes, os trabalhadores, os congressistas, os governadores, o Judiciário e até as forças armadas...
Sobre sua posse ocorrer justamente no 7 de Setembro, viu na coincidência um símbolo inspirador e avisou que, sob seu governo, todas as liberdades públicas estariam asseguradas. Falou sobre paz, união, harmonia, liberdade, respeito.
Bolsonaro, hoje, foge para a frente. Precisa informar à horda que ainda está vivo. Atônito, desvairado e, sobretudo, com medo, turbinou sua louca escapada nas últimas semanas. Teremos outro cardápio e outras falas no 7 de Setembro de 2021.
*Ayrton Centeno é jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017). Leia outras colunas.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo