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Quando entrar setembro...

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Neste ano há um espectro pairando no ar, que dificulta nossa percepção da boa nova da poesia de Beto Guedes - Alan Santos / PR
É preciso dizer que a mesma data de 7 de setembro é histórica para os movimentos sociais

O primeiro dia do mês da primavera no Brasil costuma evocar sentimentos de expectativas. Neste ano há um espectro pairando no ar, que dificulta nossa percepção da boa nova da poesia de Beto Guedes.

Após transformar o país em um imenso cemitério com seu projeto de disseminar o vírus da covid-19 para garantir imunidade pelo contágio, depois de ser obrigado a recuar de sua postura antivacina e assistir à revelação pela CPI da pandemia de corrupção no Ministério da Saúde na compra de imunizantes, derrubando seu último esteio do discurso vazio eleitoral anticorrupção, Jair Bolsonaro entrou em confronto direto com a cúpula do poder Judiciário.

Ele forçou a pauta do voto impresso para as eleições de 2022 e distribuindo acusações contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), culminando em um pedido de impeachment ao Senado do ministro Alexandre de Moraes.

Retomou com força uma postura agressiva que já vinha se acentuando com a organização de passeios de moto pelo país, provocando aglomerações e sendo multado em vários estados por descumprimento dos decretos de governadores de contenção da disseminação do coronavírus. As sucessivas ameaças feitas por Bolsonaro e seus apoiadores deflagraram a maior crise entre as instituições desde a redemocratização do país após a ditadura civil-militar.

Um desfile de blindados na Esplanada dos Ministérios, falas e desmentidos de generais do governo sobre ruptura, a derrota da PEC do voto impresso na Câmara, a inclusão de Bolsonaro no inquérito das fake news e a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson, além das revelações cotidianas da CPI da Pandemia, determinaram a convocação da base bolsonarista para o 7 de setembro e o tom de ameaça de autogolpe que, propositadamente, paira no ar.

Grupos de apoiadores do presidente pretendem demonstrar seu radicalismo e seu desacordo com o funcionamento das instituições, apoiando medidas antidemocráticas sob o lema “intervenção militar com Bolsonaro no poder”, buscando amparo, como é de praxe, nos movimentos de tipo fascista, nos inimigos imaginários, na conspiração de uma “ameaça comunista”, onde cabe desde chineses e venezuelanos, até os ministros do STF.

O Brasil é hoje um país fragilizado pela pandemia de covid-19, marcado pelo negacionismo com que foi conduzida a emergência sanitária, com um número de mortos aproximando-se dos 600 mil, atraso na vacina, um imenso retrocesso em diversos direitos sociais, elevado índice de desemprego, preços de alimentos em alta, preço dos combustíveis disparados, além da ampliação de injustiças e desigualdades históricas e as ameaças frontais aos direitos dos povos indígenas no Judiciário e no Congresso Nacional.

A queda da popularidade de Bolsonaro é real, o que não significa que o grupo que o apoia não seja significativo o bastante para fazer barulho e estragos na democracia. Sim, há quem ignore os quase 600 mil mortos ou que não faça qualquer encadeamento dos dados da pandemia com a política do governo; e que permaneça fiel ao presidente apesar de todos os horrores perpetrados, do preço dos combustíveis, da destruição da Amazônia, do desmonte das políticas públicas de educação, de cultura, da derrocada dos direitos trabalhistas, da crise hídrica ou da inflação.

Eles persistem e não vão sumir, não vão recuar, não vão modificar sua forma de atuar. A questão, desde sempre, é como operar a disputa com eles. Não há qualquer certeza se a queda de Bolsonaro é suficiente para que ele seja eliminado do processo eleitoral de 2022.

Ignorar a possibilidade de sua reeleição é irresponsabilidade política tanto quanto se dizia que ele era o melhor adversário para o segundo turno em 2018. Portanto, a luta é árdua e permanente, sem trégua.

Nesse sentido, é preciso dizer que a mesma data de 7 de setembro é histórica para os movimentos sociais. O Grito dos Excluídos ocorre nesse dia desde o ano de 1994, fazendo um contraponto ao “grito da independência”. O Grito é uma manifestação popular carregada de simbolismo que integra diversos atores sociais, pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos que denunciam a exclusão de parte da população, tentam refletir e buscar caminhos para um Brasil mais justo e mais digno para todos os cidadãos e cidadãs.

A discussão que se operou no seio dos movimentos sociais de não ir às ruas na mesma data dos bolsonaristas, para evitar confrontos, é legítima. Em última instância, trata-se de temer a violência, inclusive extrema. O clima de terror nas hostes bolsonaristas pretende se confirmar como demonstração de força a legitimar medidas antidemocráticas.

Não há fórmula capaz de garantir certeza em uma ou outra posição que seja mais eficaz, mais correta ou mais coerente. É preciso apostar em um caminho e o recuo, nesse caso, não me parece uma opção. Não haveria tempo para ele. Não enxergaremos o sol de primavera sem que afastemos as nuvens carregadas.

Nessa linha, agiram corretamente as frentes populares ao manter a manifestação do campo democrático no dia 7 de setembro, já anteriormente marcada, com alteração de horário e local, para evitar confronto com bolsonaristas. Não é sobre disputa de data, é sobre nós, sobre a sociedade que queremos, sobre o mundo que nos cerca, sobre o resgate de nosso país, sobre a democracia.

Agora é preciso intensificar o chamamento às ruas. O dia será complexo, não apenas pelos números e pela disputa de narrativa. Serão necessários cuidados redobrados, com a perspectiva de segurança em alta e sem provocações. Transformar o medo em combustível de autoproteção. Nada que os coletivos sociais, historicamente perseguidos, já não tenham em conta.

Voltando à canção: “A lição sabemos de cor. Só nos resta aprender”.

*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da Unb - GCcrim/Unb. Membra da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD. Leia outros textos.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

 

 

Edição: Anelize Moreira