Movimentos populares e organizações da sociedade civil lançaram, na manhã desta quarta-feira (1º), um documento com “10 medidas urgentes” para enfrentar a variante delta e proteger a vida dos mais pobres em São Paulo (SP) – em especial, da população negra.
As propostas foram elaboradas pelo movimento Coalizão pela Vida, pela Frente São Paulo pela Vida e pela Plenária de Saúde na Cidade de São Paulo.
Membro do Grupo de Prevenção Integrada da Covid (GPIC) e do movimento Coalizão pela Vida, Beto Gonçalves citou dados que mostram que periferias e áreas do centro com grande concentração de pessoas vulneráveis registram 3 a 4 vezes mais óbitos por covid do que os bairros mais ricos, proporcionalmente (mortes por cem mil habitantes).
Em paralelo, 70% dos testes no estado de São Paulo são realizados na rede privada – os dados do município não estão disponíveis. Além disso, a vacinação corre 2 a 3 vezes mais rapidamente nos bairros ricos da capital paulista.
“Na Nova Zelândia, por exemplo, quando há um caso confirmado, eles fecham a cidade inteira. Aqui, nós estamos normalizando as mortes. A gente não pode perder as vidas de ninguém, nem ricos nem pobres, mas o Estado precisa ter um olhar prioritário para quem está mais desprotegido.”
Gonçalves também criticou o “passaporte da vacina”, lançado pela Prefeitura nesta quarta, que permite que pessoas apenas com a primeira dose frequentem eventos com mais de 500 pessoas, mesmo em ambientes fechados, com pouca ou nenhuma ventilação natural.
“Qual o respaldo científico dessa medida?”, questionou, lembrando que a Coalizão aguarda há três meses uma reunião com o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que já recebeu três ofícios com a solicitação. “Estamos diante de uma variante sobre a qual a gente ainda não conhece totalmente seu impacto sobre as pessoas infectadas, muita gente enfrentando covid longa e as medidas necessárias não estão sendo implementadas.”
Maria José Menezes, representante da Coalizão Negra por Direitos na Coalizão pela Vida, afirma que as medidas sanitárias implementadas até o momento contribuem para que o estado tenha uma das maiores taxas de óbito por covid no mundo – e um quarto das mortes ocorridas no Brasil.
“Conhecemos nossos direitos. E, infelizmente, as políticas apresentadas e colocadas em prática no dia a dia são insuficientes”, reafirmou.
O Brasil de Fato apresentou à prefeitura de São Paulo os questionamentos feitos durante a coletiva de imprensa de lançamento das 10 medidas. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) respondeu às críticas sobre o “passaporte da vacina”. Confira ao final da matéria.
André Kwak, da Frente São Paulo pela Vida, que tem cerca de 500 entidades signatárias, ressaltou a importância da lista.
“Esses dez pontos são muito caros para a gente, porque a covid tem revelado e intensificado uma desigualdade que já existe há muito tempo na cidade.”
Beto Gonçalves explica que a Coalizão considera um “lockdown” rigoroso como a única política capaz de fazer despencar rápida e fortemente os índices de contaminação na cidade. Essa proposta foi incluída em um apelo enviado em 27 de abril a Ricardo Nunes – então, prefeito em exercício. Porém, o tema ficou de fora das 10 medidas apresentada nesta quarta.
“A ideia era apresentar medidas que eles não tenham como dizer não. Algo para ser aplicado em questão de dias, 2 a 3 semanas”, explicou.
1. Comunicação
A primeira medida apresentada nesta quarta é uma campanha de comunicação de massa sobre a variante delta do novo coronavírus. Segundo o documento, a prefeitura “precisa publicar diariamente dados detalhados sobre testagem, internações e vacinação. E disponibilizar séries históricas sobre estes dados no portal da Secretaria Municipal da Saúde.”
2. Testagem
As organizações também pedem uma campanha de testes de antígeno RT-PCR ou RT-LAMP orientada por estudos epidemiológicos e combinada com rastreamento de contatos para busca ativa de casos, incluindo assintomáticos.
3. Máscaras para todos
A terceira proposta é a distribuição gratuita de kits individuais de máscaras PFF-2 e similares, com uso obrigatório em locais fechados ou mal ventilados.
4. Ventilação
Outra medida listada pelas organizações foi um plano de melhoria da ventilação em transportes coletivos, escolas, unidades de saúde e prédios privados e públicos com janelas precárias, inexistentes ou ineficazes para oferecer segurança sanitária.
5. Mais frota
A quinta medida pede aumento da frota de transporte público, permitindo limitar o número de passageiros para evitar superlotação. A proposta também ressalta a necessidade de estimular ações voluntárias e determinar normas compulsórias para o escalonamento dos horários de entrada e saída das empresas por setores econômicos.
“As pessoas estão amontoadas. Mas, como o prefeito não pega ônibus, só anda de carro, de motorista, ele não vê o que acontece na cidade, com os trabalhadores”, disse Graça Xavier, da União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e uma das coordenadoras da Coalizão pela Vida.
6. Investimento na atenção primária
Os movimentos pedem “apoio material e institucional” para aprimorar o treinamento técnico dos agentes comunitários de saúde, de forma a prepará-los para o enfrentamento da variante delta.
“Isso inclui o atendimento dos grupos mais vulneráveis, a testagem e a orientação da população a respeito dos sintomas, da prevenção, do tratamento, da vacinação e dos sintomas pós-covid”, acrescenta o documento.
7- Vacinas na periferia
As organizações pedem a implementação imediata de um programa de unidades móveis. A ideia é ampliar a rede de postos de vacinação e realizar busca ativa de pessoas faltantes à vacinação ou vacinadas apenas com a primeira dose.
8. Cuidado integral
Outra medida diz respeito ao apoio à população pobre afetada direta e indiretamente pela pandemia. “Deve contemplar a saúde física e mental e ações socioeconômicas, como apoio alimentar e de renda aos mais pobres, além de reforço escolar para crianças e adolescentes das escolas públicas e do uso de áreas verdes públicas e privadas para a recuperação da saúde física e mental da população afetada pela pandemia”, diz o documento.
9. Zero despejos
As organizações pedem a suspensão urgente dos despejos, reintegrações de posse e uma ampliação do programa de aluguel/locação social de famílias em situação de alta vulnerabilidade.
“Tivemos 36 mil pessoas despejadas na pandemia em São Paulo. É inadmissível”, ressaltou Graça Xavier.
10. Segurança alimentar
Por fim, a lista pede o fornecimento de cestas básicas a famílias de estudantes que não retornaram às aulas ou prosseguem no ensino remoto. Outra proposta é “ampliar a rede de restaurantes populares e cozinhas comunitárias para além do centro expandido, com maior oferta de alimentos orgânicos.”
Os movimentos também pedem que o programa Cidade Solidária seja inserido em uma política de segurança alimentar, social e sanitária mais abrangente, construída e implementada com participação das organizações acadêmicas e da sociedade civil que atuam na área.
A décima medida foi incluída na lista por sugestão de pesquisadores do Observatório Covid-19 Br que participaram da revisão do documento.
Resposta da SMS sobre o Passaporte da Vacina
A Secretaria Municipal de Saúde informou à reportagem que o Passaporte da Vacina foi implementado dentro do aplicativo e-saúdeSP, do programa Avança Saúde, e visa a auxiliar os organizadores de eventos da cidade a comprovarem que os munícipes tenham se vacinado com pelo menos uma dose do imunizante antiCovid. "A iniciativa surgiu para garantir mais segurança às pessoas contra a disseminação da Covid-19 na cidade de São Paulo."
"A SMS ressalta que é recomendado que cada munícipe verifique as condições de uso da máscara individual, como fazer a limpeza adequada das mãos com álcool em gel antes de manusear a máscara, cobrir totalmente a boca e o nariz, evitar toques na máscara durante o uso, e não utilizá-la por grandes períodos de tempo", disse a pasta, por meio de nota.
Com o lançamento do Passaporte da Vacina, que passa a ser exigido a partir desta quarta, o aplicativo e-saúdeSP registrou ontem (31) 37 mil novos cadastros. A plataforma, que reúne todo o histórico do paciente do Sistema Único de Saúde (SUS) na capital paulista e dispõe de recursos de telemedicina, contabiliza agora 611.148 mil usuários cadastrados desde que foi disponibilizada pela SMS, em agosto do ano passado.
Para ter acesso ao app, é preciso entrar na loja de compras do celular, baixar o e-saúdeSP de forma gratuita, aceitar os termos de uso e fazer um cadastro com Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), data de nascimento, nome completo, e-mail, telefone com DDD e criar uma senha. O app também está disponível neste link.
Não houve resposta objetiva ao questionamento sobre a falta de respaldo científico na implementação do Passaporte.
Edição: Leandro Melito