O Brasil é medalha de ouro em desigualdade, aproveitando os tempos de Paralimpíadas para a metáfora. No Brasil, cerca de 1% dos donos de terra concentram 50% das terras agricultáveis, enquanto 1% dos mais ricos ficam com cerca de 30% da renda. Somente 0,16% dos investidores concentram mais de 1/3 dos investimentos. E apesar de muitos deles clamarem por mudanças, usar os instrumentos do mercado para financiar o sonho de um futuro mais justo parece algo inusitado.
Um vegano ao aplicar sua poupança pode estar financiando a construção de um frigorífico sem saber. Ou um militante pacifista pode estar investindo em uma fábrica de armas sem consciência. Um ambientalista pode colocar seu dinheiro em uma empresa que desmata e polui. Essa é uma realidade muito mais comum do que se poderia (ou gostaria) imaginar.
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Foi pensando nisso que algumas instituições no mundo, como o Triodos Bank, passaram a incentivar a pergunta: “Que mundo você financia com seu dinheiro?”. O slogan do banco holandês não deixa dúvidas: “Financie a mudança, mude o mundo das finanças” (Finance change. Change Finance). Esse questionamento deixa bancos e grandes corporações de cabelos em pé. Mais até do que armas e ameaças terroristas. Esse questionamento pode mudar a estrutura do sistema e empoderar toda uma população para escolher de verdade o mundo que deseja.
No Brasil, esse debate é bastante embrionário. A desigualdade social se expressa também no mercado de capitais. A distância entre os pequenos investidores, que têm aumentado em número, e os milionários, que sempre estiveram no mercado, é gigantesca. Enquanto os mais ricos diversificam as aplicações, investindo 60% da renda em ações e fundos, o correntista médio aplica mais de dois terços de seus investimentos na poupança (Anbima fev/2021).
No entanto, com a recente popularização dos investimentos, ampliando a competição entre bancos e corretoras pelos calouros, coloca-se a necessidade também de diversificar as possibilidades de instrumentos. No Brasil, por exemplo, foi inaugurado no ano passado o Finapop (Financiamento Popular da Agricultura Familiar) para reunir investidores que busquem investimentos que não serão julgados unicamente pela taxa de retorno financeiro que prometem, mas pelo mundo que constroem.
Na primeira operação que ajudou a impulsionar, o Finapop financiou a conclusão de uma agroindústria que fornece arroz orgânico e carne suína para quase 400 mil pessoas na região da grande Porto Alegre. Os investidores tiveram um retorno oferecido superior ao da caderneta de poupança; e os camponeses conseguiram pegar empréstimos com uma taxa inferior à oferecida pelos bancos comerciais. É um marco.
Chama a atenção que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que se notabilizou como o maior movimento popular do mundo com as ocupações de terras, tenha aderido ao Finapop para fortalecer a produção de alimentos saudáveis em assentamentos e financiar a expansão das cooperativas, em um momento de desmonte das políticas públicas para a agricultura familiar.
“Mas cooperativas de agricultores familiares ligados ao MST acessarem o mercado de capitais não seria um contrassenso?”, perguntam alguns. Contrasenso é ter um sistema financeiro que nada produz e tem os maiores lucros no mundo. Contrasenso é ter pessoas que trabalham e têm a renda corroída por juros de 300% ao ano. Contrasenso é ter programas multibilionários para estimular a produção de commodities que vão virar ração de animais no exterior. Contrasenso é não fazer nada e esquecer os agricultores familiares que produzem alimentos saudáveis para nossas refeições. Contrasenso é não reagir a lógica atual do sistema.
*Eduardo Moreira, empresário, engenheiro e ex-banqueiro de investimentos, é autor dos bestsellers Desigualdade, O que os donos do poder não querem que você saiba e Encantadores de Vidas.
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo