Os protestos convocados por Jair Bolsonaro serviram para mobilizar a classe política para o impeachment. Bolsonaro se expôs sem filtro ao país, dissipando qualquer dúvida sobre suas intenções golpistas e messiânicas. Na tarde de 7 de setembro, as redações já operavam incrédulas diante do mergulho suicida de um presidente disposto a tudo.
Mas os acontecimentos foram mais complexos do que isto. Houve uma tentativa clássica de golpe frustrada pela Suprema Corte em madrugada de altíssima tensão.
Aos fatos e perguntas prévias
O que teria dado errado para que Bolsonaro não concretizasse seu tão sonhado golpe? O que efetivamente aconteceu para que os planos golpistas fossem frustrados? Seria apenas um erro de cálculo de Bolsonaro? Seria o fato de o Brasil ter “instituições fortes”?
É consenso que o que ocorreu no dia 7 de setembro foi uma tentativa de golpe. É em função desta fatalidade que jornais e partidos enunciaram o “fim” de Bolsonaro – a tentativa fracassada, no entanto, não freou nem freará o ex-capitão.
Esse problema é de Arthur Lira.
Para entender o que de fato ocorreu, a rigor, é preciso olhar para a noite de 6 de setembro. O que se sabe até aqui permite ligar alguns pontos.
Desde o início da semana, os hotéis de Brasília foram sendo tomados – especialmente os mais baratos. Isso indicou o deslocamento antecipado de número razoável de pessoas com alguma capacidade financeira – ou contempladas com algum financiamento.
No dia 6, quase todos os hotéis mais baratos de Brasília estavam lotados. Esse movimento não passou despercebido pelo STF e por todo o aparato de inteligência por ele montado – já que PF e a Abin foram sequestradas por Bolsonaro.
A partir das 12h do dia 6, a PM do Distrito Federal iniciou os planos de isolamento da região central da cidade (a Esplanada dos Ministérios) como parte do plano de segurança que é imposto compulsoriamente em dia de manifestações.
Nota: Brasília, sabemos, é uma cidade planejada
E da forma como foi planejada, o ‘fechamento’ à entrada do povo nas fachadas de poder é das tarefas mais fáceis e elementares (apesar de ser planejada por um comunista [Oscar Niemeyer], essa é uma característica urbana de Brasília propícia a ditadores – basta que a PM coloque barreiras para que o povo seja excluído do protagonismo social).
Por volta das 18h, numa ação claramente planejada em moldes militares, bolsonaristas resolveram “testar a água”. Um grupo de cerca de 600 pessoas passou a retirar as barreiras e abrir espaço para que os grandes caminhões, que já estavam na cidade, rompessem o bloqueio.
Esse “destacamento avançado”, com missão de reconhecimento, foi abrindo espaço sem a resistência da PM do Distrito Federal – uma das polícias mais bolsonaristas do país.
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Do lado ‘de cima’, o governador do DF, Ibaneis Rocha Junior (MDB) – bolsonarista e supostamente envolvido com as ilegalidades do Ministério da Saúde juntamente com a Precisa e Ricardo Barros – convenientemente não estava presente no DF.
Ou seja: estava tudo armado para uma “pequena” indisciplina da PM de Brasília, pretexto para que se incendiasse o país inteiro. Tudo passaria como uma azarada “falta de ordenamento” em função da ausência do governador.
Brasília e a manhã do 7 de setembro
Brasília, pela manhã, daria o tom do golpe. Caso as mobilizações prometidas em número chegassem a Brasília, Bolsonaro faria da Paulista apenas seu palco de completo sucesso. O presidente contava com pelo menos um milhão de pessoas em Brasília e, com isso, a pressão sobre as outras polícias dos estados seria insustentável.
Para entender o que deu errado, é preciso voltar novamente à madrugada do dia 6.
Percebendo a fúria com que os bolsonaristas progrediam destruindo as barreiras na Esplanada, seguidos da complacência inicial da PM, vários atores políticos – como o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) e o jornalista Ricardo Noblat – passaram a ligar incessantemente para o governador Ibaneis, e a usar as redes sociais para denunciar o estopim do golpe.
Essa “grita” inicial chegou ao presidente do Supremo, Luiz Fux, que, com a corte em uníssono, entrou em contato direto com a PM do DF exigindo providências.
A resposta inicial da PM foi protocolar. O STF não é a autoridade imediata a quem a PM seria obrigada a responder.
Eis o ‘golpe de mestre’ do STF
Fux ligou direto para os comandantes militares, ainda durante a madrugada, avisando que caso as PMs seguissem o comportamento leniente, ele (Fux) chamaria a GLO e convocaria as Forças Armadas para deter os manifestantes.
O que o STF fez foi adiantar uma tomada de decisão do Exército Brasileiro. As Forças Armadas esperavam primeiro a mobilização popular prometida, para então apoiarem o levante. Estavam naquela madrugada, portanto, aguardando. O STF, contudo, exigiu uma posição imediata do Exército.
Do ponto de vista do STF, a ação era simples. Negasse o Exército a ordem de Fux e o golpe estava consumado. Não haveria necessidade da pantomima do 7 de setembro. Por outro lado, ao adiantar a tomada de decisão, o STF elevava exponencialmente o custo desta ação para os militares.
Na prática, tivessem os militares desobedecido Fux e no dia 7 de setembro as manifestações “flopassem”, os comandantes militares seriam processados por insubordinação e sairiam culpados de sedição. O preço era alto demais. A exigência da decisão ainda no dia 6 quebrava o plano bolsonarista.
No meio desse imbróglio, duas figuras trabalhavam. De um lado, Alexandre de Moraes, de posse das informações de inteligência, mapeava o financiamento dos movimentos e bloqueava as contas certas e as chave-pix, asfixiando os financiadores de Bolsonaro.
Muitas “caravanas” de locais perto de Brasília não puderam sair por conta da falta de dinheiro. O resultado foi o número reduzido de apoiadores.
*Gustavo Conde é linguista e editor do Brasil 247.
**Fernando Horta é professor de história na Universidade de Brasília (UnB).
***Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.