Politicamente esse movimento representou a força ou a fraqueza de Bolsonaro? Vejamos
Olá! Bolsonaro demonstrou força, mas nem tanto. As instituições reagiram, mas nem tanto. Os caminhoneiros pararam, mas nem tanto. Bolsonaro recuou, mas nem tanto. E o país segue numa crise sem fim.
.Leão ou gatinho? Em três dias ouvimos falar de um golpe, da possibilidade de impeachment, de uma reação moderada dos demais poderes e de um novo recuo. Politicamente esse movimento representou a força ou a fraqueza de Bolsonaro? Vejamos. O dia 7 foi uma tentativa de sair da defensiva após derrotas no Congresso e ofensiva do STF. Perto das motociatas, as manifestações não foram nada desprezíveis. Mas levando em conta a expectativa dos organizadores, o resultado foi aquém do esperado. Já do ponto de vista daqueles que viam um golpe iminente, houve certo alívio: não foram atos avassaladores e também não houve registros de agressões físicas a pessoas ou instituições. A esquerda também entrou em campo: nas ruas, o Grito dos Excluídos foi o contraponto da marcha da insensatez, e nas redes, predominaram as críticas ao governo e ao golpismo. Já a paralisação dos caminhoneiros parece ter chegado atrasada e com baixa adesão. Qual é então o saldo geral? Carlos Melo avalia que a fraqueza de Bolsonaro são seus próprios seguidores: uma massa intolerante “disforme, sem organicidade, agenda, visão de longo prazo”, alguns dos quais comprados com uma nota de R$100. Na opinião dos cientistas políticos ouvidos pela Folha, a aposta na radicalização levaria o capitão ao isolamento, afastando-o de um setor mais moderado e “queimando pontes” com os demais poderes. Neste contexto, a nota lançada na quinta (9), escrita com a ajuda de Michel Temer, segue o mesmo método de avançar dois passos em direção ao golpe e recuar um em direção à pactuação. O problema é que as ameaças de Bolsonaro já não causam o mesmo efeito, porque parte de sua base está impaciente e outra desnorteada, os efeitos econômicos são mais graves e a margem para negociar com os demais poderes se reduziu.
.Bucha de canhão. Apesar do barulho, a paralisação dos caminhoneiros que teve início na quarta (8) não contou com adesão massiva da categoria nem com o apoio explícito de suas principais entidades. Houve registro de trancamento de estradas e protestos em pelo menos 15 estados e as ações foram mais intensas na região sul. Em Santa Catarina, Minas Gerais e Espírito Santo, caminhoneiros foram obrigados a parar, inclusive com o uso de violência. Mas na tarde de quinta (9) o movimento já tinha arrefecido. Predominaram as mesmas palavras de ordem da véspera: fim do ICMS sobre os combustíveis, voto impresso, intervenção militar, impeachment dos ministros do STF, etc. É surreal que o suposto líder, Marcos Antônio Pereira Gomes, vulgo Zé Trovão, seja um ex-caminhoneiro e atual YouTuber procurado pela Polícia Federal e que está foragido no México. Ele teve prisão requerida pela PF e autorizada pelo STF por incitar atos antidemocráticos. Mais surreal ainda é a bolha em que vivem alguns caminhoneiros, que acreditaram que Bolsonaro havia decretado Estado de Sítio e passaram vergonha em Brasília. Não está claro ainda se o movimento veio fora de hora e ganhou vida própria ou se Bolsonaro estava incitando nos bastidores e fazendo jogo duplo. Pressionado pelos efeitos negativos de uma ação desse tipo, que em algumas cidades causaram desabastecimento, Bolsonaro pediu o fim do movimento mas supostamente não foi ouvido. Mas não é só o capitão que está interessado no caos. Líderes dos caminhoneiros denunciam que quem está por trás de tudo isso é o agronegócio. Não seria de admirar que eles estivessem instrumentalizando o movimento dos caminhoneiros para pressionar o STF a aprovar o marco temporal.
.O arquirrival. Além da carta de Temer, o “passa moleque” em Bolsonaro incluiu uma ligação para Alexandre de Moraes, afinal a obsessão do capitão com o ministro convenceu 59% dos manifestantes que estiveram na Paulista que o STF é o principal inimigo. Mas, se Bolsonaro gosta de mostrar força, ele encontrou um rival à altura: enquanto as instituições dizem “vamos conversar”, Moraes encaminha a prisão aos membros das milícias digitais e reais. Na segunda-feira (6), o ministro do Supremo determinou, a pedido da PGR, a prisão do ex-PM Cássio Rodrigues Costa Souza, por ameaças aos membros da corte, e diversas buscas e apreensões. No dia seguinte, o empresário estadunidense Jason Miller, próximo a Donald Trump, foi detido temporariamente pela Polícia Federal no aeroporto internacional de Brasília. E para provar que não se intimidou, um dia depois de ser ameaçado pelo capitão, “Xandão” devolveu para o plenário do STF os processos sobre a política armamentista do governo que estavam parados. No Valor, Maria Cristina Fernandes argumenta que Moraes está desarmando o esquema de financiamento dos atos bolsonaristas, e isso levou Bolsonaro a um recuou. Teria sido por isso também que Zé Trovão, que teve a prisão decretada pelo Supremo, simula um afastamento do capitão. E perto da proatividade de Moraes, as respostas dos demais ministros parecem chá com bolo. Mesmo assim, o ultimato de Fux e o discurso mais contundente de Barroso, chamando o capitão de farsante e fracassado, parece ter surtido efeito. O STF demarcou as fronteiras de jurisdição entre os poderes, fincou pé na guerra de posição e, neste episódio, ganhou a rodada, mesmo sem confiar no recuo de Bolsonaro.
.Agora vai? Se Bolsonaro havia enterrado a possibilidade do impeachment demonstrando força na votação do voto impresso, ele mesmo a ressuscitou com os discursos golpistas do dia 7. No mesmo dia, PSDB, PSD, Solidariedade e MDB cogitaram apoiar um pedido de destituição. O fato é que Bolsonaro demonstrou que ainda tem força suficiente para chegar ao segundo turno e que se a outra direita quiser ocupar o seu lugar, terá que se apressar. O caminho espontâneo de um nome com adesão popular fracassou até agora. Especialmente depois que Bolsonaro colocou mais de 100 mil no quintal de João Dória. E aí, surge novamente o caminho do impeachment. Para que esta possibilidade ganhe força, é determinante o sucesso dos atos do MBL no fim de semana. Se tiverem adesão e sinalizarem que a direita pode dirigir o “Fora Bolsonaro”, até aqui uma bandeira unicamente da esquerda, a turma da “terceira via” pode embarcar mesmo num processo de impeachment. Porém, há dois obstáculos óbvios. O primeiro é o general Mourão. Rara unanimidade num país polarizado, Mourão consegue a proeza de não ter a confiança nem de militares, nem da esquerda, nem da direita. O segundo é Arthur Lira e o centrão. É verdade que Lira já se cansou dos arroubos de Bolsonaro e do descumprimento dos acordos do Planalto, mas também é verdade que um presidente sangrando é garantia de emendas e recursos fartos. Por isso, nos radares está também a possibilidade da cassação da chapa Bolsonaro-Mourão no TSE, que seria uma saída mais rápida que o impeachment, descartaria o incômodo com o vice e talvez garantisse a inelegibilidade de Bolsonaro para abrir caminho para a outra via da direita.
.Congresso fechado. O caminho do impeachment passa necessariamente pelo Congresso e é justamente lá que Bolsonaro poderá colher os primeiros efeitos colaterais de seus ataques. Antes dos atos, a ministra de Articulação Política Flávia Arruda (PL-DF) já reclamava das dificuldades em tratar com o parlamento sob constante tensão do discurso bolsonarista, cogitando inclusive a própria demissão. E, mais uma vez, as respostas mais duras devem vir do Senado. Começando pela rejeição imediata da MP das Fake News. O governo mudou o Marco Civil da Internet para impedir a remoção de postagens, uma forma de proteger o próprio Bolsonaro e seu entorno. A devolução da MP de imediato seria a primeira reação ao discurso de 7 de setembro. Mas não parou por aí. Ao elevar o tom, Bolsonaro pode ter fechado também a porta que injetaria dinheiro nos cofres públicos em ano de eleições e naufragado a ideia de adiar o pagamento de precatórios para financiar o novo Bolsa Família. A negociação deve travar no Senado. Evidentemente, a corrente arrebenta no elo mais fraco: a raquítica candidatura de André Mendonça para o STF vai continuar na geladeira. E mesmo a CPI da Covid, que parecia caminhar para um triste encerramento, ganhou um novo fôlego com a lambança do governo e da CBF no jogo contra a Argentina, topando com as digitais de Ciro Nogueira no episódio, e com a proximidade do lobista Marconny de Faria com a família Bolsonaro.
.E o mercado, hein? Enquanto o agronegócio se jogou de corpo e alma em financiar e participar dos atos bolsonaristas, a Faria Lima, que também nunca se incomodou com o discurso golpista, parecia indiferente aos arroubos de terça-feira. Como demonstram os especialistas ouvidos pela XP na semana anterior, quase entediados com a possibilidade de um golpe e reafirmando que na Bovespa, não mudaria nada fosse qual fosse o discurso de Jair. Mas o dia 8 de setembro provou o contrário: o dólar disparou e a bolsa caiu. Na prática, os investidores estrangeiros já entenderam que aqui não é lugar para deixar seus dólares. E como resume Thomas Traumann, “dinheiro gosta de previsibilidade, tudo o que o Brasil de Bolsonaro não oferece. Sinal disso é que a inflação para o mês de agosto foi a pior dos últimos 21 anos. Há sinais de descontentamento também no varejo, onde menos de 200 empresas aderiram à versão patriótica do “black friday” proposta pelo governo - em 2019 eram 3 mil participantes. No mercado financeiro, o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale, tem declarado que desse governo não sairão reformas, nem crescimento do PIB e sua preocupação é apenas a própria reeleição. E Thomas Traumann calcula que a Faria Lima ainda não engoliu a queda de braço dos manifestos da semana passada e a ameaça de enfraquecimento da Febraban, e o governo pode esperar uma vingança do setor bancário.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.Mano a Mano. No segundo episódio do seu podcast, um Mano Brown sem medo de pôr o dedo em feridas recebeu um Lula disposto a debater sobre tudo, de religião à autocrítica da esquerda.
.YouTube é palanque golpista para o 7 de setembro. O Intercept demonstra como o Google continua lucrando com canais de fake news descumprindo a justiça.
.Há 16 anos Brasil espera por regras para controlar transgênicos. Na Rede Brasil Atual, como as ligações dos ministros do STF com o agronegócio barram a regulação dos transgênicos no país.
.A espantosa privatização das águas brasileiras. No Outras Palavras, como especuladores sem experiência na gestão hídrica são beneficiados na privatização da água em Alagoas.
.Independência das patroas ou morte das empregadas: a ‘coach de sinhá’ e as ruas neste 7 de setembro. O Intercept demonstra como a abolição da escravidão ainda é um horizonte distante para as empregadas domésticas.
.América Latina em busca da soberania perdida. As ações de México e Peru e o esvaziamento do Grupo de Lima renovam os movimentos progressistas no continente.
.Conheça a MPB, a música popular bolsominion, e seus principais artistas. Muito além de Sérgio Reis e dos sertanejos, Gustava Alonso elenca na Folha de S.Paulo os artistas que aderiram ao bolsonarismo.
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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Vivian Virissimo