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Uma dupla que não vingou

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Mas aí começou o problema: o Ronaldo gostava de uma música e o Aflânio de outra. E não faziam concessões - Unsplash
Eram farristas, brincalhões e cantavam muito bem antes dos dez anos de idade

Meu assunto hoje é sobre dois amigos de infância, os irmãos Ronaldo e Aflânio. Na minha casa não tinha rádio e eu ia ouvir a novela Jerônimo, o herói do Sertão na casa deles

Eram farristas, brincalhões, e antes dos dez anos de idade cantavam muito bem. O pai deles, seu Alcino, tinha o maior orgulho, achava que tinham futuro, fariam uma dupla caipira das melhores. Já tinha previsto até o nome da dupla: Pitanga e Gabiroba.

Num final de tarde de domingo, eu voltava do campo de futebol com o meu pai, e o seu Alcino chamou:

— Antônio Cláudio, venha ouvir meus filhos cantarem uma moda de viola.

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Meu pai e eu fomos, com muito gosto. Entramos na sala, sentamos e ficamos esperando. Eles fizeram uma entrada triunfal, imitando as duplas famosas quando se apresentavam nos circos.

— Pra vocês o boa tarde do Pitanga — falou o Ronaldo, dando uma rasqueada na viola.

— E o boa tarde do Gabiroba — completou o Aflânio.

Meu pai fazia gestos de aprovação e seu Alcino mostrava a satisfação estampada no rosto.

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Mas aí começou o problema: o Ronaldo gostava de uma música e o Aflânio de outra. E não faziam concessões.

— Vamos cantar pra vocês “O filho do carpinteiro” — anunciou o Pitanga.

— Não, vamos apresentar o “Pé de Ipê” — contestou o Gabiroba, tirando sons da viola.

E começaram a discutir:

— Não! É “O filho do carpinteiro” mesmo!

— Essa eu não canto. Só se for depois do “Pé de Ipê”.

— “Pé de Ipê”, eu é que não canto...

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Depois de mais discussões, um deu uma violada no outro, seu Alcino ficou bravo, falou que ia dar uma surra neles, o “show” foi adiado e fomos embora sem ouvir música nenhuma.

No domingo seguinte, voltávamos novamente do campo de futebol e seu Alcino chamou:

— Antônio Cláudio, venha ouvir meus filhos cantarem. Dei um jeito neles durante a semana e agora não vão mais fazer feio na frente das visitas.

Fomos. E tudo se repetiu igualzinho ao domingo anterior.

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E outros domingos se repetiram.

Até que, finalmente, numa dessas voltas do futebol, quando passávamos em frente à casa do seu Alcino, já esperando o convite para mais uma tentativa de show, ele gritou da janela:

— Antônio Cláudio, se alguém precisar de um nome para uma dupla caipira, pode usar Pitanga e Gabiroba.

Meus filhos vão ser jogadores de futebol. Provavelmente em times adversários.

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir