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Por que tantos boleiros são de direita?

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Em um ambiente repressivo como este, a ideia de disciplina na vida política e no esporte é valorizada, enquanto o contrário é reprimido - Twitter/divulgação
O ambiente do futebol é também um espaço muito militarizado

Quando pensamos em jogadores de futebol de esquerda, os exemplos não enchem uma mão: Afonsinho, Sócrates, Wladimir, Casagrande… Porém, quando se tratam de manifestações bolsonaristas ou discursos conservadores, não faltam exemplos. Afinal, por que há tantos jogadores de futebol de direita?

Em primeiro lugar, é preciso pensar como é a formação do “pé de obra”, do trabalhador da bola. O jogador de futebol entra no “mercado de trabalho” muito jovem, normalmente com pouca escolaridade e é submetido a um ambiente em que há pouco incentivo ao estudo, à leitura e ao acompanhamento dos temas sociais e políticos.

Mais do que isso, o jovem jogador é apartado de outros espaços de sociabilidade, como a própria família ou a escola.

O ambiente do futebol é também um espaço muito militarizado. O jogador é visto como uma pessoa que precisa ser constantemente disciplinada e vigiada. Tanto que ao contrário da Europa, aqui os jogadores são concentrados para as partidas com até três dias de antecedência.

Confinados como se não fossem capazes de ter responsabilidade e de cumprir seu contrato de trabalho. São comuns nas seleções e nos clubes normas que disciplinam desde o comportamento até a apresentação pessoal.

Este ambiente também impede que os jogadores expressem suas opiniões pessoais sobre a política ou a vida social. Muitos jogadores sofrem repressões e coerções dos próprios clubes e dirigentes e não são poucos os que temem represálias em se expressarem mesmo sobre temas que conhecem na pele como a pobreza ou o racismo.

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Essa é uma herança da estrutura do nosso futebol. Normalmente, as direções de clubes são formadas por elites, conservadoras. E já na década de 1950 se adaptou para o futebol uma ideia racista e preconceituosa que entendia que os problemas nacionais eram originados da miscigenação e da composição racial do povo brasileiro.

Cabia, na política e no futebol, a uma elite branca a tarefa de disciplinar este povo pouco confiável. O jogador, como todos os trabalhadores, era visto como um subcidadão, sem direito a exercer a cidadania plenamente.

Em um ambiente repressivo como este, a ideia de disciplina na vida política e no esporte é valorizada, enquanto o contrário é reprimido. Basta lembrarmos da iniciativa do movimento Bom Senso FC que pretendia organizar os jogadores por seus direitos e aumentar a participação dos boleiros nas decisões do esporte como o calendário dos campeonatos.

O Bom Senso foi sabotado por dentro e o zagueiro Paulo André, um dos líderes, foi vendido pelo Corinthians para a China para enfraquecer o movimento.

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Em qualquer categoria profissional, a consciência não se desenvolve espontaneamente. Ela depende do acesso à teoria, a espaços de cooperação entre os trabalhadores e se colocar em movimento, participando coletivamente de lutas.

Os boleiros só poderão recuperar sua condição de cidadão se as condições de seu trabalho forem transformadas.

Na medida em que tenham mais acesso à educação e a espaços culturais, à sociabilidade com outros trabalhadores, assim como tenham solidariedade dos torcedores para suas causas e sejam cobrados não só pelo seu desempenho esportivo, mas a se posicionarem sobre as questões relevantes de nossa sociedade.

 

*Miguel Stedile é Doutor em História pela UFRGS e editor do Ponto Newsletter

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Anelize Moreira