Quando a barragem de Fundão rompeu, no dia 5 de novembro de 2015, o rejeito invadiu o Rio Gualaxo do Norte, o transbordou e inundou o distrito de Paracatu, a 40 km de Mariana, destruindo moradias, lavouras e pastagens e deixando o solo e as águas contaminadas por metal pesado.
Seis anos depois, os produtores rurais do município de Mariana, atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, pertencente à Samarco (Vale e BHP), denunciam que não estão recebendo a alimentação adequada para a criação. Isso tem levado ao adoecimento e morte de animais, prejuízos financeiros e destruição de uma das principais atividades econômicas da região, a pecuária. Há também famílias que perderam renda, mas não recebem o auxílio financeiro emergencial.
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Auxílio financeiro emergencial
Em entrevista ao Brasil de Fato, o morador de Paracatu de Cima, o produtor Marino D’Ângelo conta que, antes do crime, chegava a produzir, por dia, quase 1 mil litros de leite e a alcançar, com as vendas do leite e derivados, uma receita bruta de R$ 20 mil por mês. “Onde eu morava, a gente tinha horta, pomar, fruta, 40 poços, três funcionários diretos. Eu tinha porco, galinha, pra quando a gente quisesse”, acrescenta.
A lama destruiu, total ou parcialmente, as quatro propriedades do produtor e o entorno de sua casa. Tempos depois, por causa do risco de rompimento de uma nova barragem no complexo de Germano, Marino foi solicitado pela mineradora, a Defesa Civil e autoridades locais a abandonar o lugar onde morava e a viver em uma casa alugada pela mineradora.
“Viemos com a expectativa de ficar quatro, cinco meses, e estamos há seis anos. Eu tive que me desfazer dos meus bens para honrar compromissos. A renda começou a despencar, a despesa começou a ficar alta. Eu tinha um gado muito bom, fazia inseminação artificial, e fui me desfazendo. Minha produção foi diminuindo porque eu não tinha outro gado pra repor e o negócio virou uma bola de neve. Eu tinha um financiamento no Banco do Brasil. Em 2017, eu fiquei inadimplente”, recorda, emocionado.
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Em 2016, como mitigação, o Ministério Público de Minas Gerais e a empresa acordaram o pagamento, às famílias que perderam renda, do auxílio financeiro emergencial, em um salário mínimo mais 20% por dependente menor, além do valor de uma cesta básica. Atualmente, a administração do recurso e o pagamento desse direito está sob responsabilidade da Renova, uma fundação criada em 2016, vinculada às mineradoras.
Apesar dos danos sofridos, Marino e outros moradores só conseguiram receber após entrarem na Justiça.“Mesmo assim, até hoje, há famílias que ainda não recebem o auxílio”, ressalta Gladston Figueiredo, coordenador da Cáritas-MG, entidade que presta assessoria técnica independente aos atingidos em Mariana.
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Alimentação animal
Outra medida de mitigação acordada é a garantia de alimentação aos animais, visto que, com a contaminação do solo pelo rejeito da Samarco, cresceu a demanda por feno e silagem para o gado. Porém, atingidos apontam que têm recebido material vencido, mofado, apodrecido, em quantidades insuficientes, às vezes de maneira irregular. Também há queixas de plantio de capim em terreno onde houve contaminação pela lama.
“Perdemos uma vaca por desnutrição, tivemos que comprar vitaminas para outras cinco, algumas tivemos que dar soro com cálcio. Meu pai está tendo que comprar mais sal e rações. A Renova alega que nossas atividades estão restabelecidas, mas eu tenho fotos de onde a lama passou, não deixa a vegetação sair. O terreno fica muito duro”, conta Rose de Jesus. Ela, os pais e dois irmãos dependem da produção de queijo e viram a produção despencar.
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Marino D’Ângelo também aponta que, por consumir silagem, que não é um produto adequado para gado equino, uma égua teve uma alteração do trato gastrointestinal e problemas vasculares e nas articulações. O uso de silagem seria próprio para gado bovino.
Para piorar, no início do ano, a Renova comunicou que, no lugar do feno e da silagem, passaria a fornecer um recurso com o qual os próprios atingidos deveriam efetuar a compra do alimento para a criação. É muito difícil para nós, que moramos em zona rural, deslocar à procura de alimentação animal, são poucos lugares que comercializam. A gente tem que gastar com transporte”, explica Rose de Jesus, acrescentando que não foi dada à família a opção de recusar a alteração.
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Gladston Figueiredo, da Cáritas MG, explica que no processo de reparação, é obrigação da Renova garantir a alimentação animal. “Quando ela não dá a alimentação, mas o dinheiro, ela está terceirizando essa obrigação da pior forma, para o atingido, transfere o ônus de toda a logística. A Renova tem uma condição muito melhor para comprar em grande quantidade do que cada atingido sair buscando”, critica.
Espaço inadequado e animais sob tutela da fundação
Atingidos também reclamam que os imóveis onde eles estão residindo provisoriamente não têm estrutura e espaço adequados para os animais. Os pastos são pequenos e, em muitos casos, inseguros para a criação. Em vídeo, um atingido mostra um curral com espaçamento muito grande entre as réguas, gerando acidentes com as vacas.
Além disso, animais recolhidos ao Centro de Acolhimento Temporário de Animais 2 (CATA 2), alguns dos quais gerados a partir de processos de inseminação artificial e com tratamento específico, são misturados a outros animais de raças diferentes, prejudicando o investimento dos produtores. De resto, não é garantida a reprodução de muitos desses animais, o que seria fonte de rendimento para os proprietários.
Um senhor passou um tempo fazendo o melhoramento genético de um porco. Com os melhoramentos, ele tem um bom reprodutor. Porém, o animal está sob propriedade da Renova e não está se reproduzindo, sob o risco de passar da idade reprodutiva e perder o gene que foi melhorado ao longo de décadas pela família dele”, denuncia Gladston.
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Outro lado
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Renova afirma que, até 31 de julho de 2021, do total de 1.364 famílias cadastradas pela Cáritas, 1.257 iniciaram as tratativas no Programa de Indenização Mediada e 1.108 foram concluídas com aceites, recusas ou negativas por inelegibilidade e 1,3 mil pessoas teriam recebido o auxílio financeiro emergencial naquele mês.
Sobre a restauração da área degradada, a Renova afirma que destinou R$ 356 milhões para a reparação de cerca de 550 hectares de florestas e áreas de preservação permanente em Mariana, Barra Longa, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Ponte Nova.
Sobre a substituição dos alimentos pelo recurso financeiro, a mudança, segundo a Renova, teria como intuito “aprimorar as ações relacionadas ao bem-estar do animal e atender demandas apresentadas pelas próprias famílias atingidas, de modo que tenham maior autonomia no manejo e trato de seus animais”. A alteração tem ocorrido desde dezembro de 2020 e, de acordo com a Fundação, é referente a parte das famílias que compõem os reassentamentos, bem como para as propriedades elegíveis ao Plano de Adequação Socioeconômica e Ambiental. A Renova afirma que as famílias puderam optar pelo recebimento do dinheiro ou pela silagem.
Sobre o alimento fornecido e o manejo dos animais, a Renova afirma: “a quantidade de alimentação animal fornecida para cada família é avaliada por profissionais especializados e o manejo dessa alimentação é de responsabilidade de cada família, não sendo fiscalizado pela Fundação. Além disso, os animais também são assistidos pelo Programa de Assistência aos Animais, recebendo atendimento de veterinários conforme a necessidade demonstrada pelas famílias. Os animais adquiridos após ocorrência do rompimento não são abarcados pelo Programa da Fundação Renova”.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Elis Almeida