As obras de Paulo Freire perpassam esse fio do diálogo, da escuta, do respeito ao ser humano
O dia 19 de setembro de 2021 marca o centenário do educador Paulo Freire. Ele morreu em 1997, mas suas ideias continuam vivas, e inspiram não só professores, mas também artistas.
No teatro, o ator Richard Riguetti dá vida ao patrono da educação brasileira na peça “Paulo Freire — o andarilho da utopia”. A ideia da peça nasceu há mais de dez anos.
Na época, Richard e o diretor do espetáculo, Luiz Antonio Rocha, se encontraram com a viúva de Paulo Freire, Nita Freire. Passaram uma tarde conversando e tomando café com bolo de laranja. Saíram convencidos de que teriam que fazer uma peça recheada de afeto, de apreço pelo diálogo e de luta pela democracia.
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Ela estreou em 2019, rodou 17 estados brasileiros e foi apresentada fora do país. E não ficou só nos palcos: ela foi para as ruas, universidades e assentamentos.
“A peça, nós chamamos de um ato de cenopoesia. Porque não é uma peça feita para as pessoas. mas é um ato feito com as pessoas. É uma peça que dialoga com a plateia o tempo todo, a dramaturgia é acessível a todas as classes sociais, ela pode ser modificada de acordo com a situação, com o espaço, com as pessoas, com o tipo de propósito daquele dia”.
Um método de encenação que tem tudo a ver com a própria pedagogia de Paulo Freire. Ele foi um crítico ferrenho do sistema de aprendizado tradicional, baseado no conteúdo, na hierarquia e em avaliação. Chamava isso de “educação bancária”. No seu lugar, propôs uma educação problematizadora, como explica Isabela Camini, educadora ligada ao MST.
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“Ele propõe aquele espaço escolar do diálogo, do colocar-se no lugar dos educandos, colocar-se no lugar do trabalhador. E nunca colocando-se acima por conta de já ter feito curso superior ou pós-graduação. Eu acredito que as obras de Paulo Freire, desde a primeira até a última, perpassam esse fio do diálogo, da escuta, do respeito ao ser humano, do acolhimento do ser humano”.
O educador se destacou pela alfabetização de adultos. Um caso emblemático é o do município de Angicos, no Rio Grande do Norte. Foi lá que, em 1963, Paulo Freire coordenou um grupo de professores que alfabetizou cerca de 300 trabalhadores em apenas 40 horas de aula.
Os alunos aprenderam o alfabeto a partir de palavras que faziam parte do seu cotidiano, como “tijolo”. Também aprenderam sobre direitos trabalhistas e sobre a importância de votar.
Esse trabalho é tema do cordel “Aprendi lendo caju”, do pernambucano Fernando Limoeiro:
E disse para minha mestra
Para minha classe escutar:
— Escutei a vida inteira
Com medo de duvidar
Que ‘papagaio velho
Não aprende a falar’.
Mas o mestre Paulo Freire
Mudou logo meu pensar:
‘Que o homem sem leitura
É fácil de dominar.
Cai em qualquer armadilha
Que o poderoso aplicar’.
Juntei um ‘cê’ com um ‘a’
Um ‘jota’ com um ‘u’
E pude escrever sozinho
A doçura do caju
Que plantei quando menino
Com sol quente a céu azul
Limoeiro é professor de extensão da Universidade Federal de Minas Gerais. Há mais de quarenta anos, trabalha com teatro e mobilização social. E chegou a conhecer Paulo Freire logo que o educador voltou do exílio, em 1980.
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“Perguntei muito a ele sobre essa questão da pedagogia do oprimido, que eu faço questão de lançar mão dela em alguns momentos dos esquetes. Primeiro porque eu acredito nessa pedagogia, segundo porque ela tem a ver com o teatro e cidadania que eu sempre fiz. O teatro e o artista que é cidadão, que é responsável pelo homem de seu tempo”.
E as homenagens não param por aí: Paulo Freire também serviu de inspiração para o carnaval. Em 2020, o bloco Cupinzeiro, de Campinas, no interior de São Paulo, levou às ruas o samba-enredo “Esperançar por esse chão”.
No Recife se fez mestre
Em Angicos ele acende
Um farol que vai bem fundo
Uma luz que vem pro mundo
De uma nova educação
Para fazer essa homenagem, os integrantes do bloco pesquisaram a fundo o pensamento de Paulo Freire. E perceberam que o método que ele propôs tem muito a ver com o trabalho de educação musical feito dentro do bloco. É o que conta Anabela Leandro, cantora e coautora do samba.
“A gente faz um trabalho de educação musical, e as pessoas vão se inserindo. Cada um vai trazendo sua experiência, quem está há mais tempo ensina quem acabou de chegar. Esse processo da cultura popular tem muita a ver com Paulo Freire, porque é isso: é um trabalho de aprendizado que coloca a pessoa dentro do contexto cultural ao qual ela pertence. Você nunca separa. E aí o aprendizado é muito potente”.
Para ator Richard Riguetti, a força do método Paulo Freire está em provocar a reflexão.
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“A transformação e a conscientização é de cada pessoa. Paulo Freire diz que ‘eu não posso ser se os outros não são. Sobretudo não posso ser se proíbo que os outros sejam’. Então ele jamais vai impor as suas ideias a alguém, mas ele está sempre propondo, e em diálogo construir algo que abarque a todos, a todas e a todes”.
Quem quiser assistir à peça “Paulo Freire — o andarilho da utopia”, ela está em cartaz de forma online até o fim de setembro. Basta comprar o ingresso no site Sympla.
Edição: Douglas Matos