Funcionários da JBS/Seara que trabalham de segunda a sábado em Sidrolândia (MS) foram convidados pela empresa para um churrasco neste domingo (19). A intenção por trás desse convite, segundo relatos obtidos pela reportagem, seria atrair os trabalhadores à unidade e convencê-los a abrir mão do repouso semanal previsto em lei.
Em assembleia realizada em 2020, os trabalhadores já haviam rejeitado a possibilidade de trabalhar 7 dias por semana no abate de frangos naquele frigorífico.
Maior empresa de proteína animal do mundo, a JBS registrou no 2º trimestre de 2021 lucro líquido de R$ 4,4 bilhões, 29,7% a mais que no mesmo período do ano passado. Foi o maior lucro trimestral da história da companhia.
Após denúncia do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Carnes e Aves de Sidrolândia (Sindaves), a Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região reagiu na última quinta-feira (16) e recomendou que a JBS/Seara em Sidrolândia “abstenha-se de suprimir o repouso semanal, no 7º dia de trabalho, notadamente no dia 19/09/2021 (domingo), observando rigorosamente o intervalo de 35 horas.”
Esse intervalo está previsto nos artigos 66 e 67 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 7º da Constituição Federal, na Lei 605/1949 e na Súmula 110 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Na recomendação, Paulo Douglas Almeida de Moraes, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), cita uma nota fiscal de nº 715.2021.24.000/75, que apresentaria “elementos probatórios suficientes para se concluir que a empresa Seara Alimentos Ltda, estabelecimento de Sidrolândia/MS, pretende abater e processar aves no dia 19/09/2021 (domingo)”, sem folga compensatória.
“A não-adoção das medidas indicadas nesta notificação poderá resultar no ajuizamento de Ação Civil Pública com pedidos de obrigações de fazer e não fazer, cumulada com indenizações por danos morais individuais e coletivos”, escreveu o procurador.
Desde junho, as exportações de carne de frango estão em alta no país. Conforme a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), houve “alta generalizada” nos pedidos de alguns dos maiores importadores, como a China. Naquele mês, o avanço registrado foi de 16,2%, na comparação anual, totalizando 397,4 mil toneladas.
Segundo o sindicato, o abate diário na unidade da JBS/Seara em Sidrolândia saltou de 180 mil para 205 mil aves sem, contudo, aumentar o número de funcionários na fábrica. Hoje, são 2,5 mil trabalhadores no total.
O procurador do MPT lembra que a atividade em frigoríficos “caracteriza-se pelo trabalho penoso, ritmo intenso, baixas temperaturas, umidade, posturas inadequadas, riscos de acidentes, exposição a agentes biológicos, dentre outras, cumulando inúmeros fatores de risco à saúde humana, razão pela qual a concessão de pausas de recuperação cumpre o fundamental intuito de proteção a saúde física e psíquica dos trabalhadores.”
“Prática comum”
Sérgio Bolzan, vice-presidente do Sindaves, afirma que a JBS desrespeita uma decisão dos trabalhadores e dos sindicatos.
“Para eles, o trabalhador é uma peça descartável. Adoeceu, não produz mais, é mandado embora da empresa. Isso é uma prática comum na JBS, que não respeita os trabalhadores e tenta impor tudo, não quer negociar nada com o sindicato”, diz.
“Eles exploram ao máximo os funcionários até que eles adoeçam, peçam afastamento ou sejam demitidos”, relata Bolzan.
De acordo com o dirigente, a JBS chamou o sindicato para conversar na segunda-feira (13). Na mesa de diálogo, apenas informou a decisão sobre o trabalho aos domingos. O Sindaves foi contrário à mudança, apontando como argumento a assembleia de trabalhadores que deliberou contra essa proposta, no ano passado.
Sem acordo entre as partes, a empresa reforçou que faria um “churrasco para animar os trabalhadores” a realizarem suas tarefas no setor de abate no próximo domingo.
“Se isso acontecer e nada for feito, a JBS pode tentar começar a praticar isso em todos os frigoríficos do Brasil, o que é desumano e penoso aos trabalhadores”, avalia o secretário-geral da Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação da CUT (Contac-CUT), José Modelski Júnior.
Segundo Sérgio Bolzan, após o impasse junto ao sindicato, a empresa passou a solicitar dos funcionários assinaturas de aceitação do trabalho aos domingos. Essa prática, na visão do dirigente, se refere a uma pressão moral aos trabalhadores.
“Chega o gerente pedindo para o funcionário assinar, ele irá assinar com medo de ser demitido.”
Nesta sexta-feira (17), o Sindaves entrou com uma ação civil pública na Justiça do Trabalho pedindo tutela antecipada, uma liminar para cancelar o abate no próximo domingo. O sindicato também realizou assembleia nos turnos, de saída e entrada dos funcionários, para consultar os trabalhadores.
Dirigente do Sindicato de Trabalhadores da Indústria da Alimentação de Criciúma e Região, em Santa Catarina, Célio Elias repudia a medida apresentada pela empresa na unidade de Mato Grosso do Sul.
“Estamos falando de uma das maiores produtoras de processamento de carnes no mundo. Eles não estão respeitando o descanso semanal e ainda querem impor um ritmo intenso com um abate diário de 210 mil frangos, muito além do que é permitido”, diz.
“A redução de ritmo de trabalho orientada pelo projeto de frigoríficos do MPT prevê a pendura de 12 frangos vivos por minuto. Imagina o que significa pendurar 22 frangos por minuto? É o que tem ocorrido em Sidrolândia. É uma exploração total, que precisa ser denunciada em todo mundo”, ressalta o sindicalista.
A partir das determinações da unidade de Sidrolândia, outros estados começaram a se organizar para barrar as ações da JBS.
As preocupações com relação à empresa não são de hoje. Desde agosto, oito sindicatos no país construíram pela primeira vez uma data-base unificada no país, que ocorre entre outubro e novembro, para pressionar a empresa durante as campanhas salariais realizadas em unidades no Paraná, em Santa Catarina e no Mato Grosso do Sul.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com a JBS e aguarda retorno sobre o caso. A matéria será atualizada assim que houver resposta aos questionamentos.
Edição: Anelize Moreira