Até agora a adesão aos Atos pelo impeachment não foi “explosiva”; mas pode mudar
"A ocasião quando é propícia, tolo é aquele que a desperdiça. A eloquência vazia é como o cipreste; que é grande e alto, mas não dá frutos" (Sabedoria popular espanhola)
"Chegou a hora de ver quem tem unhas para tocar guitarra" (Sabedoria popular portuguesa)
A resposta honesta é que as condições objetivas estão mais do que maduras, mas o desafio é imenso e não sabemos. Talvez seja possível. Na luta contra ditadura militar foram necessários muitos anos para superar a dimensão de atos de vanguarda. Na hora decisiva do impulso da campanha pelas Diretas já em 1984, a participação dos governadores, em especial, Montoro e Brizola, foi muito importante. Na luta contra Collor, em 1992, foi necessário preparar a campanha durante seis meses, até que a centelha estudantil acendeu o rastilho de pólvora que levou milhões às ruas. Fizemos grandes mobilizações entre maio e julho, neste primeiro semestre, com importante capilaridade nacional, repercussão internacional. Mas foram atos de uma vanguarda ativista dos movimentos sociais e área de influência da esquerda. Isso pode mudar. Devemos tentar com toda a força, incansavelmente. Mas, além da disposição militante, há que fazer dois ajustes na tática porque a situação mudou. O primeiro é que o papel de Lula é fundamental. Ele tem o dever de alertar que sua eleição está ameaçada. O segundo é a ampliação do palanque em unidade de ação com setores da oposição liberal que evoluiu para a defesa do impeachment.
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Até agora a adesão aos atos pelo impeachment não foi “explosiva”. Mas pode mudar. Temos até o fim do ano para testar até ao máximo limite. A grande questão é colocar milhões em movimento. Porque o setor mais avançado da massa da classe trabalhadora ainda não se moveu. O peso das derrotas acumuladas, a degradação das condições de vida, a luta individual pela sobrevivência, o medo da pandemia, o receio diante de ameaças da ultradireita, enfim, tudo isso e mais, ajudam a compreender a inércia e desalento. Claro que as massas oprimidas estão preocupadas com o seu dia a dia. Não vão lutar com a fúria necessária para vencer em defesa da “democracia”.
Mas, não ignoram a questão do poder e reconheçamos tem pesado, também, a idealização de que Lula vai vencer as eleições para a presidência. Ninguém sabe com um ano de antecedência quem vai vencer as eleições de 2022, não é sério. Essa idealização atinge, paradoxalmente, a esquerda mais moderada, defensora da tática quietista e a esquerda mais radical, defensora da tática da ofensiva permanente. Três décadas e meia de eleições ininterruptas, a cada dois anos, criaram uma mentalidade que alimenta uma expectativa. Há ligeireza, superficialidade neste otimismo ingênuo. É preciso um choque de preparação do dia 2 de outubro para garantir um salto de qualidade da mobilização nas ruas.
Entre maio e agosto a esquerda acumulou forças. Há um impasse instável, mas há muito perigo no horizonte. Os tempos se aceleram. Nenhuma das duas forças fundamentais, o bolsonarismo e a esquerda conquistou posições para impor uma derrota imediata á outra. Nem golpe e nem impeachment avançaram. O atual equilíbrio é frágil. Entretanto, aconteceu uma inflexão no momento da conjuntura. Bolsonaro provou que não se apoia somente no Centrão. Fascistas nas ruas demonstraram força. Um setor da esquerda amedrontou. Bolsonaro fez motociatas para alimentar seus seguidores mais exasperados, mas no dia 7 de setembro revelou a estratégia golpista.
Não é somente fumaça. Um ensaio foi feito por setores mais radicais na noite de 6 de setembro e nos bloqueios de caminhoneiros. Bolsonaro confirmou sua autoridade messiânica quando ordenou a suspensão. O recuo da assinatura da carta de Temer não deve nos iludir. Há um plano de incendiar o país, e lutar pela permanência no poder. A disputa nas ruas veio para ficar. Os bolsonaristas vão voltar para as ruas, não se sentem derrotados. Não é verdade que as pesquisas substituem a ação direta. Força social de choque produz deslocamentos nos humores, consciência e disposição de luta. A força moral é decisiva e a parcela ativa mais forte conquista força de arrastão. O impeachment ainda é possível. Tudo está em disputa e o desenlace em aberto. Mesmo se não for conquistado, a mobilização de 2021 melhora as condições de luta para as eleições de 2022.
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Os atos do dia 12/09 convocados pelo MBL e Vem para a Rua eram uma armadilha e fracassaram. O palanque foi grande com Doria, Ciro Gomes, Mandetta, Simone Tebet, Alessandro Vieira e outros, mas ficou confirmado que a “terceira via”, como expressão de uma estratégia da oposição liberal, não tem capacidade de colocar uma massa significativa das camadas médias nas ruas, menos ainda quando está ainda muito fragmentada. A pequena burguesia radicalizada mantém confiança no bolsonarismo. Mas a manifestação do MBL não disputava a classe média somente com a extrema-direita. Queria atrair, também, setores à esquerda. O ultimato da manifestação de branco era uma exigência de rendição que a esquerda não devia aceitar. Felizmente a maioria dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda não cedeu e não foi, mas não devemos desconhecer que o apelo pela “unidade”, mascarando que se tratava de um “abraço de urso”, foi o suficiente para uma divisão, ainda que pequena. A imensa maioria da base social da esquerda não compareceu. No entanto, a terceira via ainda não está enterrada. Tudo está em disputa. Está em disputa a luta contra Bolsonaro e está em disputa quem lidera a oposição.
Estamos diante de um novo momento da conjuntura. O perigo quando a situação passa por um giro é a inércia. Mudou a realidade, devemos fazer ajustes táticos. A prioridade da Frente Única de Esquerda foi confirmada pela experiência de acumulação de forças desde maio. O governo enfraqueceu: se desgastou socialmente, e se isolou, institucionalmente. A Frente Única de Esquerda deve ser mantida e fortalecida por duas razões: porque ela é a chave para garantir a mobilização da classe operária e do povo pobre das cidades, e porque ela é decisiva para defender a nossa independência face aqueles na oposição liberal dispostos a defender o impeachment.
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Mas são necessários dois ajustes na tática. O primeiro remete ao papel de Lula. Lula tem uma audiência e confiança na classe trabalhadora que é maior que todos os nossos movimentos e organizações. É assim, e não podemos dispensar seu engajamento na preparação e presença nos atos do dia 2 de outubro. Lula deve descer para o terreno em que a luta está se dando agora. Suas intervenções se concentraram em sinalizações para 2022, como se um engajamento o diminuísse. Esse cálculo é moral e politicamente errado. Precisamos de Lula aqui e agora. Seria uma miopia indesculpável permanecer assistindo de camarote à luta pelo impeachment. O segundo ajuste deve ser uma resposta ao fato de que lideranças da classe dominante como Doria se comprometeram, publicamente, com a defesa do impeachment. A manobra da carta de Temer pode permitir a Bolsonaro ganhar algum tempo, mas tem “prazo de validade”. Os próximos atos de rua devem ser de unidade na ação. Mas a disputa de hegemonia não vai deixar de ser feroz. Não podemos recear ir às ruas com a oposição liberal. Só temos a ganhar com um isolamento maior de Bolsonaro.
*Valerio Arcary é professor titular no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), militante da Resistência/PSOL e autor de O Martelo da história, entre outros livros. Leia outras colunas.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo