Ataque mais recente aconteceu no último dia 8 de setembroo
Queridos amigos e amigas,
Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
Na quarta-feira, 8 de setembro, trabalhadores do partido Bharatiya Janata Party (BJP), o partido político no poder na Índia, atacaram três edifícios na área de Melarmath de Agartala (Tripura). Esses ataques visaram os escritórios do Partido Comunista da Índia (Marxista), o jornal comunista Daily Deshar Katha e duas empresas privadas de comunicação: Pratibadi Kalam e PN-24. A violência ocorreu em plena luz do dia, enquanto a polícia aguardava e observava. Em Tripura, 54 outros escritórios dos comunistas foram atacados.
O Partido Comunista (PCI (M)) e os meios de comunicação criticaram o governo estadual liderado pelo BJP. O PCI (M) e outras organizações foram às ruas para protestar contra uma série de políticas; esses protestos atraíram um apoio considerável da população. O PCI (M) foi um constituinte chave da Frente de Esquerda, que governou o estado de 1978 a 1988 e de 1993 a 2018.
Poucos dias antes dos ataques, o ex-ministro-chefe Manik Sarkar, que é um líder do PCI (M), faria uma fala ao seu eleitorado em Dhanpur (Sepahijala). Trabalhadores do BJP tentaram impedir o carro de Sarkar de entrar em Dhanpur. Sarkar, junto a outros quadros do PCI (M), caminhou seis quilômetros por meio de duas barricadas do BJP. O ato público de Sarkar faz parte de uma campanha comunista mais ampla contra o BJP.
Desde 2018, os ataques ao PCI (M) tornaram-se rotina. Os comunistas em Tripura relatam que, entre março de 2018 e setembro de 2020, foram incendiados 139 escritórios do partido, 346 foram vandalizados, outros 200 escritórios de outras organizações de massa foram atacados, 190 casas de quadros do PCI (M) foram destruídas, 2.871 moradias de trabalhadores do partido foram danificadas, 2.656 trabalhadores do partido foram agredidos fisicamente e 18 líderes e quadros foram assassinados.
Pessoas e organizações sensíveis de todo o mundo, incluindo a Assembleia Internacional dos Povos, condenaram os ataques à esquerda indiana.
O que ocorreu em Tripura, um estado no nordeste da Índia com quase 3,6 milhões de habitantes, tornou-se uma faceta normal da democracia em nossos tempos. A violência política da direita contra aqueles que buscam amplificar as vozes do povo agora é rotina.
Poucas semanas antes deste ataque em Tripura, um terrível ato de violência silenciou um líder sindical na África do Sul. Enquanto estava à porta da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem em Rustenburg (África do Sul) em 19 de agosto, Malibongwe Mdazo foi morto a tiros. Mdazo, líder do Sindicato Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul (Numsa), liderou uma greve de 7 mil trabalhadores contra a Impala Platinum Holdings, o segundo maior produtor mundial de platina, apenas um mês antes.
O assassinato político de Mdazo ocorreu nove anos após o terrível massacre em Marikana de 34 mineiros das minas de platina operadas pela Lonmin (uma empresa de mineração britânica). O cinturão de platina na África do Sul está cheio de tensão não só por causa da morte de Mdazo e do massacre de Marikana, mas também por causa da maneira normal pela qual os associados das empresas de mineração – incluindo sindicatos rivais – resolvem disputas industriais por meio de tal violência cruel.
No dossiê n. 31 (agosto de 2020), “‘A política do sangue’: repressão política na África do Sul”, catalogamos a violência política que se tornou comum no país africano. Seguem aqui dois parágrafos desse dossiê:
O assassinato de líderes sindicais continuou. Bongani Cola, vice-coordenador do Sindicato Democrático de Trabalhadores Municipais e Afins da África do Sul (Democratic Municipal and Allied Workers Union of South Africa – Demawusa), que era independente do CNA, foi assassinado na cidade de Porto Elizabeth, em 4 de julho de 2019.
A interseção entre empresas multinacionais de mineração, autoridade tradicional e elites políticas continua a resultar em violência constante contra militantes antimineração. Em 26 de janeiro de 2020, Sphamandla Phungula e Mlondolozi Zulu foram assassinados em Dannhauser, uma cidade de mineração de carvão na zona rural de KwaZulu-Natal. Em 25 de maio de 2020, Philip Mkhwanazi, militante antimineração e conselheiro do CNA, foi assassinado na pequena cidade costeira de Santa Lúcia, também em KwaZulu-Natal. Um mês depois, Mzothule Biyela sobreviveu a uma tentativa de assassinato na área governada pela Autoridade Tribal Mpukunyoni, também na costa norte de KwaZulu-Natal.
Esses ativistas sindicais, líderes políticos e militantes comunitários são pessoas que têm o desejo de aumentar a confiança do povo. Quando esses líderes são assassinados ou quando edifícios são queimados, uma luz começa a piscar. Aqueles que praticam a violência esperam que a chama da resistência se apague e que o povo se sinta intimidado e submisso, não mais confiantes em sua capacidade de mudar o mundo. Mas esse é apenas um resultado de tal violência política. O outro resultado é igualmente provável, ou seja, que essas mortes e essa violência inspirem coragem. Phungula, Zulu, Mkhwanazi e agora Mdazo são nomes que nos abalam, que nos obrigam a soprar oxigênio nas brasas e reacender a chama da rebelião.
Quando os trabalhadores do BJP atacaram o escritório do PCI (M), eles tentaram quebrar a estátua de Dashrath Deb (1916-1998), que liderou a luta de libertação em Tripura contra seu último rei. Deb nasceu em uma família de camponeses pobres com raízes profundas na cultura indígena de Tripura. Ele foi um venerado líder comunista que lutou para democratizar todos os aspectos da vida em Tripura como ministro-chefe de 1993 a 1998. Foi graças às lutas lideradas por Deb e depois pelo governo da Frente de Esquerda, liderado por Manik Sarkar, que o Estado viu o desenvolvimento humano avançar notavelmente. Quando os comunistas deixaram o cargo em 2018, a taxa de alfabetização do estado era de 97%, ajudada pela garantia de educação gratuita universal (incluindo livros escolares gratuitos) e por uma campanha massiva de eletrificação (90% das casas no estado têm eletricidade).
*Vijay Prashad é historiador e jornalista indiano. Diretor geral do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Leia outras colunas.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo