Os indícios levantados durante o depoimento do ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner de Campos Rosário, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, apontam para a omissão do órgão diante das supostas fraudes na negociação da vacina Covaxin entre o Ministério da Saúde, a Precisa Medicamentos e o laboratório indiano Bharat Biotech.
Rosário determinou a abertura de uma auditoria sobre os documentos contratuais apenas no dia 22 de junho de 2021. No entanto, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou à CPI que se encontrou com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no dia 20 de março, e na ocasião apresentou ao capitão reformado os documentos que comprovariam o esquema de fraude na negociação.
Antes de se encontrar com o presidente, Luis Miranda enviou mensagens a um assessor do mandatário falando sobre um “esquema de corrupção pesado” dentro do Ministério da Saúde para a aquisição das vacinas.
“Tenho provas e testemunhas. (...) Não esquece de avisar o PR [presidente]. Depois não quero ninguém dizendo que implodi a República. Já tem PF e o c****** no caso. Ele precisa se antecipar”, afirmou o parlamentar nas mensagens. Logo depois, afirmou que “estava a caminho”.
As fraudes foram descobertas por dois servidores do Ministério da Saúde, o irmão de Luis Miranda, o servidor Luis Ricardo, e William Amorim Santana, ambos integrantes da Divisão de Importação do Ministério da Saúde.
Na ocasião, os servidores estranharam a solicitação de um pagamento antecipado de US$ 45 milhões a uma terceira empresa, não prevista no contrato, a Madison Biotech, além da redução do quantitativo de doses de quatro para três milhões.
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Rosário afirmou que um dos auditores também identificou uma atipicidade nos documentos.
“Todos os documentos foram em inglês e esse destacado pelo auditor apresentava trechos em português. Verificou um indício muito grande que aquele documento havia sido colado.” A senadora Simone Tebet afirmou que quem descobriu a fraude no documento não foi a CGU, mas da imprensa.
Ainda assim, segundo o senador Renan Calheiros (MDB-AL), a CGU não interviu na negociação.
“Porque ainda assim considerou o contrato regular?”, questionou o senador. Em resposta, Rosário afirmou que “ninguém pode ser condenado de pronto, porque existe o devido processo legal”, e defendeu que não houve a concretização da compra.
Questionado se houve superfaturamento no preço da Covaxin, de US$ 15 (R$ 75,25) por dose, Rosário negou a possibilidade, uma vez que não foi efetuado o pagamento. Segundo Rosário, o superfaturamento só pode ser verificado após a compra.
O ministro ainda afirmou que a conclusão se deu após uma pesquisa no site da própria empresa, onde tem preços praticados em hospitais da Índia e em outros países, e com o contato direto com a empresa.
“Nós questionamos a empresa Bharat Biotech”, afirmou Rosário.
Na Presidência, a investigação também não avançou. Depois do encontro com os irmãos Miranda, o presidente teria solicitado ao então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, a investigação da denúncia.
Dois dias depois, no entanto, Pazuello foi exonerado, e a investigação ficou a cargo do então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco. Segundo a senadora Simone Tebet (MDB-MS), um dia depois de ter assumido a investigação do caso, Franco teria finalizado a apuração sem encontrar nada.
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Operação Hospedeiro
O nome de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, está envolvido na Operação Hospedeiro, deflagrada em outubro de 2020 pela CGU, que investiga uma organização criminosa acusada de desviar recursos da Saúde desde 2011. Segundo Luis Ricardo, Roberto Ferreira Dias foi um dos responsáveis por pressionar servidores do Ministério da Saúde para aprovar a importação da Covaxin, mesmo diante das inconsistências apontadas por Ricardo e Santana.
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, analisou a documentação da Operação e encontrou uma conversa entre Marconny Faria e José Ricardo Santana, encaminhada por Danilo Trento, se referindo a Roberto Dias. Na conversa, Marconny fala a Ricardo Santana sobre fraude de processo licitatório.
De acordo com o parlamentar, Marconny “é o ‘senhor de todos os lobbies’, esteve em reunião com a advogada de Bolsonaro e com José Ricardo Santana, que era interlocutor de Roberto Ferreira Dias. Marconny era lobista da Precisa Medicamentos também. E a partir desse encontro, começou uma sequência de fatos e atos”, afirmou Randolfe. Já José Ricardo Santana é ex-secretário-executivo da Anvisa e Danilo Trento, um dos sócios da Precisa Medicamentos.
Questionado, Wagner Rosário afirmou que não tomou nenhuma medida em relação a Roberto Dias após a investigação da Operação Hospedeiro, que foi finalizada no dia 31 de março.
Vale lembrar que Roberto Ferreira Dias e José Ricardo Santana estavam presentes no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, no dia 25 de fevereiro. Na ocasião, Dias teria pedido uma propina de US$ 1 por dose da vacina do laboratório da AstraZeneca ao representante da Davati Medical Supply, Luiz Paulo Dominguetti.
Prevaricação
Para Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, Rosário pode ter cometido crime de prevaricação.
“O que ele tem que explicar não são as operações que ele fez, é a omissão dele em relação ao governo federal. Tem que vir, mas não tem que vir para jogar para a torcida, não. Ele vai jogar aqui é no nosso campo. E Wagner Rosário, que tinha acesso a essas mensagens [sobre negociações de compra de vacinas pelo Ministério da Saúde] desde 27 de outubro de 2020, ele é um prevaricador”, afirmou o parlamentar.
Nas redes sociais, Rosário rebateu a acusação.
“Senador Omar Aziz, calúnia é crime!!! A autoridade antecipar atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação também é crime!!! Aguardando ansiosamente sua convocação”, escreveu em seu perfil no Twitter. E teve direito a tréplica: o presidente Omar Aziz respondeu, por sua vez, que “prevaricação também é crime”.
Durante o depoimento de Marconny Faria, Aziz mais uma vez fez declarações sobre Rosário. “Wagner Rosário é um prevaricador. Ele tem que vir mesmo aqui [na CPI]. Como ele sabia que Roberto Dias [ex-diretor de Logística da pasta federal] estava operando dentro do Ministério da Saúde e não tomou providência? Ele tem que explicar.”
Edição: Anelize Moreira